3: O casal 20 🍉
Marcela foi embora no fim da tarde, mas voltou na noite seguinte acompanhada pelo pai e por Josué. A família Gonçalves iria dar uma grande festa de boas vindas a Eduardo e por isso convidaram vizinhos das propriedades próximas e alguns amigos da cidade. A notícia de que um rapaz solteiro e bem apessoado estava disponível já havia se alastrado como fogo no mato e as jovens que compareceram vieram dispostas a mostrar seus melhores atributos, usando as roupas de domingo em plena sexta. A presença de Marcela também foi um atrativo extra para os rapazes convidados, que fizeram questão de estar presentes, porém, com o pai dela no local e após tantos foras, era provável que nenhum iria se aproximar.
A festa em campo aberto seguia com muito churrasco, batatas e abacaxis assados, suco de melancia em abundância. A fogueira ajudava a espantar o frio, porém, quando um grupo de homens começou a tocar música sertaneja raiz, com violas e acordeon, os casais que dançavam não sentiam frio algum.
As garotas estavam na expectativa que Eduardo tirasse alguma delas para dançar e faziam o possível para serem notadas. Júnior foi até onde Cíntia estava com Lili e Marcela e, pegando a mão dela, levou-a para a dança. Em seguida quem aproximou-se timidamente foi Felipe, o rapaz da igreja a quem Marcela se referiu, tirando Liliane para dançar. Ela ficou sozinha e, enquanto os rapazes da escola empurravam uns aos outros em incentivo para se aproximarem, quem apareceu foi Eduardo, com sua jaqueta de couro que chamava a atenção por si só, estendendo a mão:
— Quer me ensinar a dançar?
Os garotos da escola passaram a prestar atenção na cena, mesmo longe, na expectativa de verem mais uma vez o trator em ação. Seria muito engraçado assistir o almofadinha levar um fora histórico e sair com o rabo entre as pernas. Porém, Marcela sorriu para ele e respondeu:
— Se eu soubesse, com certeza te ensinaria.
— Ah, você é do interior, certamente é melhor nisso do que eu, vamos lá, vai. Vamos pagar mico juntos.
Ela gargalhou e segurou a mão dele, que conduziu-a até o lugar onde as pessoas dançavam, bem no momento em que uma música mais lenta iniciava. Marcela usava um discreto vestido floral que inevitavelmente delineava sua cintura, onde ela sentiu Eduardo colocar as mãos e estremeceu com o toque. Ele sorriu como se já esperasse por aquilo e ela não conseguiu sorrir de volta, tensa.
— Cruza os dedos atrás da minha nuca.
— Não era para eu te ensinar? - perguntou, obedecendo ao comando.
— Ah, é, desculpa.
Os dois não estavam exatamente dançando, mas estavam se movimentando, devagar, no ritmo da música. A tensão de Marcela parecia estar se desfazendo aos poucos, mesmo vendo que eram o espetáculo da noite para os rapazes e moças que, por algum motivo, não estavam aprovando aquilo.
— Quanto tempo ainda tenho até seu fã clube me expulsar da cidade?
— Digo o mesmo, parece que as meninas estavam com altas expectativas sobre você. As caras delas também não estão nada amistosas.
— Será que isso é um sinal?
— Como assim, sinal?
— Não sei, talvez... a gente tenha algo em comum.
Marcela sorriu e não soube o que responder, enquanto ele a trouxe para ainda mais perto.
— Você é diferente de todas as garotas que conheci até hoje, e não foram poucas.
— Nenhuma delas era o trator.
Eduardo gargalhou. Como ela conseguia ser tão simples e ingênua, ao mesmo tempo que era bem humorada, inteligente e articulada? Era a fusão perfeita, em sua concepção.
— Estou falando sério, você é muito especial, Marcela, muito mesmo. E não estou dando em cima de você, ok? Eu só precisava falar. Mas também tenho que admitir que apesar de não estar flertando com você agora, isso não me isenta de tentar no futuro.
— Gosto da sua sinceridade.
— Hum, que bom, fala mais.
— Eu nunca fui tão próxima de um rapaz quanto estou sendo de você.
— Isso sim é elogio, hein? Estou me achando.
Marcela deu um risinho discreto, houve um instante de silêncio e os dois se desligaram das pessoas ao redor e de suas opiniões.
— Por que ela te traiu?
— Falta de caráter, talvez.
— E por que você escolheu uma mau caráter pra namorar?
— Boa pergunta. - Houve mais um instante de silêncio. — Sabe, o ritmo na cidade grande é bem diferente daqui, a vida é uma loucura e se você não tomar cuidado, começa a fazer as coisas no piloto automático. Não é culpa do lugar, o fato não é que a cidade é grande, mas enfim, se você vive na correria e não tira um tempo para pensar nas próprias atitudes, corre um sério risco. Você perde a sensibilidade para certas coisas, segue certas tendências das pessoas ao redor e, quando vê, está sendo só mais um na multidão. Foi o que aconteceu comigo, eu era só mais um cara urbano que fazia faculdade e cedeu a uma garota bonita sem olhar quem ela era por dentro. E olha que meus pais sempre me alertaram a fazer as escolhas com a mente ao invés do coração, mas ignorei os conselhos.
— Entendo. Você também é especial, Eduardo. Ah, e eu também não estou dando em cima de você. - Ele riu das palavras dela. — Especialmente porque imagino que ainda esteja sofrendo por isso, já que veio se refugiar aqui.
— Não, eu não estou mais sofrendo por isso. Eu vim porque percebi que tinha que me reencontrar, dar um reset na vida. Quando eu voltar pra São Paulo quero começar tudo do zero, inclusive cortar de vez as amizades que tinha até três meses atrás. Não sei se você sabe, mas a Jeniffer me traiu com um cara que se dizia meu melhor amigo. Traição em dobro.
— Puxa, realmente você precisa selecionar melhor suas companhias.
— Sim, preciso encontrar pessoas como você por lá. - Ele sorriu e ela também. — Você me faz bem.
— Ai, o que está acontecendo com a minha reputação de trator? Estou deixando um rapaz me dizer essas coisas sem revidar? É isso mesmo?
— Que loucura, não?
— Pois é, muita loucura, senhor Eduardo.
Naquela noite, Marcela acabou dormindo na casa dos amigos mais uma vez e, no dia seguinte, como era sábado, Júnior convocou ela, o primo, a irmã e a namorada para um banho de rio. Levaram uma cesta de piquenique com melancias e seus derivados, sanduíches e guloseimas, uma toalha para estender sobre o gramado. Como era um dia atipicamente quente, todos entraram logo na água, com exceção de Marcela, que ficou sentada à sombra de uma árvore, junto com a comida.
— Então vocês revezam pra guardar a comida de roubo e esse é o turno da Marcela, certo? - Eduardo perguntou de modo zombeteiro, na água.
— Roubo? Na cidade as casas ficam abertas, os carros com a chave no contato nas ruas, ninguém aqui sabe o que é isso - Júnior respondeu rindo — Eu acho que ela está esperando a gente se distrair pra comer tudo sozinha.
— Por que não tenta convencê-la a se juntar a nós, Lili? Ela só pode estar com vergonha do Eduardo - Cíntia comentou.
— Eu vou lá falar com ela.
Liliane colocou uma saída de banho e sentou ao lado da amiga, perguntando:
— E agora? O que foi? E nem pense em me enrolar porque te conheço há séculos.
— Então se você já sabe, por que pergunta?
— Está com vergonha?
— Como vou usar um biquíni na frente dele? E se eu entrar vestida, aí sim vai estranhar.
— A Cíntia já deu com a língua nos dentes e já anunciou que você só pode estar com vergonha, melhor ir logo. - Liliane sorriu. — O Du é um cara da cidade grande, está acostumado com tudo, Marcela, ele nem vai olhar. Assim como você está acostumada com o meu irmão, pode crer que ele não é o tipo daqueles meninos da escola e não vai ficar fazendo comentários bobos. Vem, vamos lá.
Marcela suspirou, tomou coragem, tirou a roupa e seguiu a amiga para o rio. Eduardo fez um esforço sobrenatural para não olhar e não deixá-la ainda mais constrangida, porém, era uma missão quase impossível. Então, minutos depois, sem saber como agir, foi ele quem saiu da água, ocupando o posto dela, sentado embaixo da árvore. Júnior também foi até lá, deixando as meninas brincando agora totalmente à vontade no rio.
— E aí, cara? Gostando daqui? - perguntou, sentando ao lado dele.
— Muito, Juninho. É um privilégio ter primos no interior, essa viagem está me fazendo muito bem.
Júnior percebeu o olhar dele na direção de Marcela e percebeu que se esforçava para disciplinar a si mesmo.
— Vi vocês dançando e conversando ontem à noite, que bom que se deram bem. A Marcela não deixa homem nenhum se aproximar.
— E por quê?
— Ela quer algo sério e ninguém aqui passou essa segurança a ela. Essa geração está perdida, os rapazes da escola a abordaram das piores formas possíveis, o que a fez se fechar cada vez mais. Uma vez eles fizeram uma aposta e um dos meninos tentou beijá-la a força naquela praça perto da escola, sabe? Ela fica lá com a minha irmã todos os dias me esperando e fui eu quem a defendi do marginalzinho.
Eduardo suspirou.
— Por que não conheci essa menina antes, Júnior? Por que fiquei tanto tempo sem vir aqui?
— Sei lá, mas tudo tem seu tempo, talvez não tivesse dado certo, talvez nenhum dos dois teria maturidade suficiente antes. Para entrar em um relacionamento é preciso maturidade, você viu com os próprios olhos.
— Vi. E pois é, você tem a minha idade e já vai noivar e eu estou aqui impressionado por achar que meninas como essa não existiam mais. Ela e a Lili são raridades.
Júnior não soube o que responder e Eduardo continuou:
— Ela é linda, naturalmente linda, por dentro e por fora. Eu gosto de estar perto dela, a Marcela tem uma vibe muito boa.
— Só não se precipite.
— Não vou... - Marcela foi até uma pedra para saltar na água e ele esqueceu de completar a frase. — Sabe, lá onde moro as garotas dão duro nas academias pra alcançarem um corpo desse, viu? - Júnior franziu o cenho, olhando para o primo. — Poxa, o que estou dizendo pra você? - Eduardo deu um tapa na testa. — Foi mal, só pensei alto.
— Me ajuda a organizar o piquenique e vamos chamar as meninas pra comer, é melhor.
Com tudo organizado, as meninas vieram, se vestiram e todos comeram enquanto ouviam Eduardo contar sobre a cidade grande. As histórias sobre poluição, assaltos, correria do dia a dia e trânsito caótico não foram muito cativantes. Então eles lhe propuseram conhecer todos os atrativos do interior e, no resto daquele dia e nos conseguintes, o levaram para colher frutas nos pomares, assistir ao nascer e pôr do sol, assistir a queda de estrelas cadentes nas madrugadas, andar à cavalo, brincar de tiro ao alvo, lançamento de pedras no rio, laçar bois de brinquedo feitos em madeira, andar descalços na terra e fazer fogueiras à noite para contemplar o céu estrelado que, na cidade grande era impossível de ser visto, ofuscado pelas muitas luzes.
Eduardo e Marcela se aproximaram muito, às vezes passavam horas sozinhos conversando à noite, mesmo quando todos já haviam entrado para dormir. E foi em uma dessas noites que Eduardo resolveu se declarar, quando o fogo da fogueira já crepitava, transformando-se em apenas brasas e eles estavam sentados lado a lado na grama, olhando o céu:
— Sabe, a última coisa que eu queria era um novo relacionamento, Marcela, mas... - Ela o olhou, com o coração na boca. — Acho que você me fez mudar de ideia.
Como ela não conseguia dizer nada, ele continuou:
— Eu estou completamente apaixonado por você e não vejo a mínima chance de negar isso. Tudo o que eu quero é poder dizer que você é minha.
— Eu... eu... - Marcela estava se esforçando para conseguir dizer algo, desconcertada sob o olhar dele. — Eu nunca imaginei, mas... isso também é tudo o que eu quero, ser sua.
Eduardo sorriu e, aproximando-se um pouco mais, perguntou:
— Quer namorar comigo?
— Quero - A resposta direta e impetuosa surpreendeu a ela mesma.
Ele preparou-se para beijá-la, mas Marcela colocou um dedo sobre os lábios dele, dizendo:
— Você precisa conversar com o meu pai antes.
Eduardo sorriu sem graça e concordou, aquilo só aumentava sua expectativa, já nas alturas. Ambos entraram em casa de mãos dadas e seguiram para os quartos, Eduardo para o quarto de Júnior e Marcela para o quarto de Liliane. O dia seguinte nunca foi tão aguardado.
***
As coisas continuam tranquilas no interior...
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