11: A Peça que Faltava 🍉
Marcela logo ligou para o pai, que foi imediatamente buscá-la no sítio dos Gonçalves, preocupado com o quanto chorava. Liliane tentou conversar com a amiga, porém, não conseguiu.
Eduardo voltou para a capital no dia seguinte, avisando aos parentes que quando retornasse para Pracinha, seria em definitivo. Ficaria por um tempo morando com eles enquanto estivesse implantando a loja, mas assim que possível, alugaria uma casa na pequena cidade.
Dessa forma, Marcela afundou-se na frustração pela reação dele por dias e dias, mas ao saber que havia voltado para a capital, aceitou os convites de Liliane para visitá-la na propriedade. Liliane agora trabalhava na cidade, mas no tempo que tinha livre, levava a amiga para sua casa, onde passavam horas conversando.
Nas noites estreladas ao ar livre no campo, Marcela sentia falta de Eduardo, de sua companhia, de sua conversa, de seu abraço, e tudo era ainda mais doloroso quando Júnior e Cíntia começavam a contar os planos para o casamento, que se aproximava. Ela ficava feliz por eles, mas quando se via pensando em um futuro com Eduardo, sentia a dor de ter feito tudo errado e jogado sua chance fora. Liliane também relatava, vez ou outra, o quanto se sentia abençoada por ter esperado o tempo certo e ter encontrado alguém feito Felipe. Parecia que todos estavam bem e felizes, exceto ela.
— O Eduardo também dizia que queria se casar comigo e construir uma vida aqui. Eu dando aulas, ele administrando a loja, uma vida simples e tranquila, típica do interior. Mas eu estraguei tudo - disse, suspirando.
— Vocês dois erraram, Marcela, mas o Du conseguiu dar a volta por cima - Júnior comentou, ao lado da noiva, sem tirar os olhos dos milhares de pontos luminosos no céu escuro.
— Ele não fez nada de errado, quem errou fui eu, agi por impulso, feito uma idiota, feito um trator desgovernado mesmo, no calor da emoção, sem nem pensar que meu namorado era inocente e que estavam armando contra nós. E quando pensava, não dava o braço a torcer, só me afundando cada vez mais no meu erro. O Du não tem nada de que se arrepender.
— Ah, tem sim, todos nós temos - Júnior continuou — Todos nós pecamos e ficamos destituídos da glória de Deus, distantes Dele. E uma vez distantes Dele, só damos bolas fora, é erro atrás de erro. Ficar com a Jennifer, ser traído por ela, ficar com você, ser abandonado por você, tudo isso aconteceu para que o Eduardo percebesse que não pode viver a vida a seu próprio modo, precisa de Alguém que o ajude. É claro que andar com Deus não nos priva de problemas, pelo contrário, as lutas só aumentam, mas com Ele, deixamos de ser escravos dos nossos sentimentos, das nossas necessidades, passamos a controlar ao invés de sermos controlados.
— Vocês dois, até então, foram guiados pelos impulsos, pelos sentimentos, por isso erraram tanto - Liliane completou — Quando somos guiados por Deus, temos domínio próprio e Ele nos guia por um caminho de paz, ainda que enfrentemos muitas lutas.
Marcela pensou e então chorou, chorou muito ao admitir para si mesma que era verdade. Bastava olhar para os amigos e para ela para ver na diferença entre eles que era verdade.
— Sei o que é perder alguém, Marcela - Cíntia disse, finalmente — Também perdi o meu pai muito cedo. Mas sabe, isso não significa que você não possa confiar em Deus, muito pelo contrário, significa que pode confiar ainda mais. Pois quem você acha que cuida de nós naqueles momentos que ninguém vê, que ninguém pode fazer nada? Ainda que você tivesse sua mãe e eu meu pai, há coisas que só Ele pode fazer por nós, como por exemplo, suprir essa necessidade de amor que a gente sempre tem. Ainda que você tivesse o amor do Eduardo ou de qualquer outro homem, sempre ia estar faltando uma peça nesse quebra cabeça, pois você foi criada para algo maior do que este mundo e essa peça não está aqui.
— E onde está? - perguntou, interessada.
— Escondida Nele, você precisa buscar, e achará.
— Foi isso que vocês fizeram? Foi isso que o Eduardo fez?
— Foi - respondeu Liliane — Salvação, paz e alegria você não vai achar fora de Deus, Marcela.
— Isso é tudo o que eu preciso agora, Lili. Aliás, é tudo o que sempre precisei.
— Eu sei. Por isso nunca desisti de você.
***
Quando Marcela foi à igreja no domingo pela manhã, as palavras proferidas pelo pastor vieram ao encontro de seu coração. Ele leu a passagem que diz que o Filho do Homem veio para buscar e salvar o perdido, citando o exemplo de Zaqueu. Ali ela viu que, tudo o que passou em São Paulo, todos os erros que cometeu, foram necessários para que enfim reconhecesse que estava perdida. Seu senso de justiça própria pelo fato de, na adolescência, não ter agido como a maioria das garotas e não ter se atirado em cima dos rapazes, a fazia se sentir melhor do que os outros, uma pessoa boa e correta, portanto, auto suficiente. Ela nunca poderia ser salva sem antes reconhecer que estava perdida e ali, naquele domingo, reconheceu.
Os dias foram passando e Marcela aprendia cada vez mais na igreja e com os amigos. Ingressou em um curso de Pedagogia à distância, em uma faculdade ali mesmo da região, onde estudava em casa e só ia à universidade uma vez por mês fazer provas e entregar trabalhos.
Quatro meses depois, Eduardo voltou para Pracinha, dessa vez definitivamente, com tudo certo para muito em breve inaugurar a loja. Ele já sabia que Marcela estava frequentando a igreja, mas vê-la lá, tão atenta à pregação, dando ideias para a salinha das crianças, rindo em companhia de Liliane e Cíntia era algo que o deixava profundamente abalado. Era a mesma Marcela de antes e ainda melhor, era a menina simples do interior por quem ele tinha se apaixonado.
Ela apenas o cumprimentava à distância e nunca ia ao sítio, já que provisoriamente ele estava morando lá. Porém, em um lugar do tamanho de Pracinha ninguém conseguia se esconder de ninguém por muito tempo, por isso estavam sempre se esbarrando, contudo, Marcela abaixava o olhar e o cumprimentava apenas fazendo uma mesura, em silêncio, parecendo dominada por uma timidez voraz.
Em uma daquelas noites, Eduardo e Júnior conversavam no campo sobre a inauguração da loja, ocorrida durante a tarde. Liliane já havia se recolhido e os dois estavam à vontade contemplando o céu:
— Achei que a Marcela iria hoje na inauguração, por que será que ela não apareceu? - Júnior perguntou — A cidade toda estava lá.
— Eu imaginei mesmo que não iria, ela mal olha pra mim agora.
— Será que ainda está chateada com a sua reação quando foi pedir perdão e você foi frio com ela?
— Eu tive que ser, Juninho. Se fosse fazer o que estava com vontade, ia abraçá-la e beijá-la ali mesmo, sem pensar e sem parar. Meu coração dizia: que se lasque o passado e os nossos erros, eu quero você. - Ele respirou fundo, passou as mãos pelo rosto. — Mas as coisas não são assim tão simples, eu tinha que dar tempo a ela para realmente se arrepender, não sentir remorso. Porque aprendi que arrependimento genuíno é só aquele provocado por Deus.
— Sábias palavras, primo. E você vai conseguir encarar numa boa tudo o que aconteceu?
— Eu estava todo esse tempo me preparando para isso, dando espaço a ela e a mim também, orando, pedindo para Deus me mostrar o que fazer. Consigo encarar sim, agora sim. Sei que o Rodney deve ter feito poucas e boas, se aproveitando da ingenuidade inicial dela, mas não sou o tipo de cara que vai olhar para a tatuagem e ficar ressentido pelo passado, pra mim vai ser como uma cicatriz de guerra, das nossas guerras.
— Quando vai falar com ela?
— Amanhã. Vou deixar o funcionário na loja e surpreendê-la na escola, porque já soube que ela vai participar de um teatrinho de final de ano com as crianças.
— Como soube desse teatrinho? - Júnior perguntou, rindo. — Anda antenado, hein?
— Agora sou um típico morador de Pracinha, cara. Eu sei de tudo.
Antes de ir para a cama, Eduardo foi procurar por um pijama na gaveta que Júnior havia lhe cedido e encontrou a toalha com seu nome bordado e o cachecol. Acariciou os dois, pensando nas mãos que haviam produzido aquilo e lembrando da textura macia delas quando entrelaçavam os dedos. Sabia que, se voltasse a namorar Marcela, teria que ter um cuidado redobrado agora que ambos eram cristãos e que ela já havia tido experiências ruins. Então dobrou os joelhos diante da cama e orou entregando o futuro de ambos a Deus. Queria viver na dependência Dele.
No dia seguinte, Eduardo chegou à escola infantil e pediu autorização à diretora para esperar por Marcela. Como ele já era conhecido em toda a cidade, ela o convidou para assistir ao teatrinho de fantoches, que já estava acabando. Era final de Novembro, as crianças estavam alvoroçadas e gargalhavam com as trapalhadas de um sapo que queria ganhar um beijo da princesa para virar príncipe. Ninguém esnobaria o sapo melhor do que a dona trator no papel de princesa. Eduardo entrou na onda e, encostado em uma parede nos fundos, ria junto com as crianças.
Quando a apresentação terminou e Marcela saiu da casinha de fantoches junto com outra voluntária, não conseguiu corresponder aos aplausos que recebia, prestando atenção em quem aplaudia no fundo, com um sorriso tão charmoso quanto o do dia em que se encontraram, na calçada daquela mesma escola, enquanto ela irrigava as plantas.
Seu coração disparou imediatamente, as mãos ficaram extremamente frias, as crianças foram abraçá-la e ela se repreendeu por não estar conseguindo lhes dar a devida atenção. Quando finalmente pegou a bolsa para sair de lá, foi educada e caminhou na direção de Eduardo, para cumprimentá-lo.
— Oi, boa tarde - disse, com uma casualidade desnecessária, fingindo que nunca foram íntimos.
— Boa tarde. Então hoje você não foi a bruxa.
— Não consegui o papel do sapo no teste e peguei uma ponta como princesa.
Eduardo riu ao notar que o bom humor dela estava de volta. Quanta saudade tinha de gargalhar ao seu lado.
— Queria falar com você, vamos dar uma volta?
Marcela não olhava diretamente nos olhos dele de forma alguma.
— E a loja?
— Tem um funcionário lá. Ah, e tenho câmeras.
Ela olhou para os lados como se procurasse uma saída, mas enfim concordou. Ao saírem da escola, viu a moto estacionada, porém, foram caminhando em direção a uma das praças, inicialmente em silêncio.
— Está tão quieta...
— Você disse que queria falar comigo, estou esperando.
Chegaram à praça deserta e ficaram em pé, à sombra de uma das árvores, no gramado. Eduardo posicionou-se na frente dela, que ficou apreensiva, temendo as próprias fraquezas.
— Por que você não olha mais nos meus olhos? - perguntou, notando que olhava para tudo, menos para ele.
— Não sei...
— Sabe sim, me conta.
— Não sei, talvez... vergonha.
— Mesmo depois de eu ter dito que te perdoei?
Ela expirou e, cabisbaixa, respondeu:
— Acho que criei falsas expectativas, entende? Eu disse que você não precisaria me perdoar se não quisesse, você me perdoou mesmo sem eu merecer, mas foi tão frio comigo que... não sei explicar, mas isso só fez minha vergonha pelos meus erros aumentar.
— Me perdoa por isso.
— Você não tem que me pedir perdão por nada, absolutamente nada. Todos os erros foram meus.
— Já passou.
— Já passou, mas algumas coisas eu nunca vou conseguir consertar, Eduardo. - Ela olhou para a tatuagem, como se fosse um lembrete daquela dura verdade. — Eu não tenho mais o que queria te entregar, assim como te dei o meu primeiro beijo. Eu não sou mais a pessoa que você conheceu. Ganhei o seu perdão, mas não mereço o seu amor e você tem toda a razão em ser frio comigo.
Eduardo segurou o queixo dela e ergueu o rosto, assim percebeu que haviam lágrimas em seus olhos.
— Você deveria saber tanto quanto eu que o amor não trabalha com méritos. Se está buscando a Deus e confiando Nele, sabe que está fazendo isso pela fé, não por méritos, sabe que não merecemos nem um olhar Dele em nossa direção.
— Sim, eu sei - A lágrima escorreu pelo rosto, impossibilitada de ser reprimida — Mas...
— Não tem "mas". Eu quero te amar assim, como Deus me ama e ama você também.
Ele limpou a lágrima e continuou segurando o rosto dela, para não deixar que desviasse o olhar. Então continuou:
— Eu agi daquele jeito com você para que a gente chegasse nesse ponto em que estamos agora, Marcela. Você tinha que entender sozinha, assim como entendi, que a razão dos nossos erros foi a falta de temor a Deus e Seus princípios.
— Eu entendi, Eduardo, entendi. Se pudesse voltar no tempo, faria tudo diferente, teria dado ouvidos a Deus. Por outro lado, se tudo o que passei serviu para me levar até Ele, então valeu a pena.
— É isso! E olha, não podemos voltar ao passado, mas podemos construir o futuro. - Eduardo passou os dedos pelo rosto dela e aproximou-se um passo, fazendo-a ficar trêmula e com a respiração descompassada. — E eu estou vendo que você é sim a Marcela que conheci, você está sentindo a mesma coisa que sempre sentiu quando estava nos meus braços.
— Só com você me sinto assim - disse, fechando os olhos em um suspiro trêmulo que Eduardo sabia decifrar: ela estava ali por inteiro, sem reservas.
— Sinto sua falta - Ele a abraçou e ela correspondeu. — Sinto falta do seu humor, e principalmente do seu amor.
— Também sinto muito a sua falta, completamente.
— Quero ouvir você dizer de novo.
— O quê?
— Que quer ser minha.
— Quero ser sua, só sua e de mais ninguém, pra sempre.
Então eles se beijaram intensamente, em uma entrega total, como se tivessem abandonado tudo um pelo outro, como se fosse a última chance. Até que Marcela se afastou e, um tanto sem jeito, falou:
— Calma, vai ter que ser diferente agora. Vem cá.
Ela conduziu Eduardo para sentar em um banco à sombra de outra árvore e quando ele se sentou ao lado dela, disse:
— Agora me abraça, vamos conversar. - Ele obedeceu e a aninhou junto a si. — Só você sabe me abraçar assim.
— É que você foi feita sob medida pra mim.
Marcela suspirou, ficou um tempo em silêncio curtindo aquele momento e por fim confessou:
— Achei que nunca mais ia ter essa sensação, de sentir você tão pertinho.
Eduardo roçou o queixo sobre o alto da cabeça dela e fechou os olhos.
— Nunca diga nunca, Marcela.
— Você acabou de dizer, duas vezes.
Ele gargalhou.
— Certo, vou reformular: nunca duvide que Deus pode fazer novas todas as coisas.
***
Bora terminar essa história?
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