Gabriela Braga
Amor amaldiçoado
Ao despertar com a alvorada, diante do véu matinal que envolvia a Serra do Mar em um manto celeste, a luz suave dançava entre as folhagens da floresta tropical. As árvores ancestrais, imponentes, pareciam murmurar os segredos mais antigos da humanidade, enquanto a atmosfera vibrava com uma energia que poucos poderiam sentir.
No coração dessa selva verdejante, em uma caverna oculta adornada por cristais brilhantes, Giovanni, um jovem mestiço de dragão, despertava com os primeiros raios de sol que invadiam a entrada de seu lar. Seus olhos, de um profundo tom de violeta, eram salpicados pelos raios dourados da manhã, revelando um brilho ansioso. Era um dia especial, pois hoje seria o dia em que ele se declararia para seu amado, um humano de beleza celestial e sorriso enigmático.
Ele se levantou, os músculos poderosos e as escamas brancas com penas azuis cintilando à medida que se preparava para descer a montanha. Cada passo fazia o chão tremer suavemente, e o som do vento entre as folhas entoava uma sinfonia repleta de promessas e esperanças. Giovanni respirou fundo, sentindo o frescor da manhã invadir seu peito, embora isso não aliviasse sua ansiedade crescente. Após certificar-se de que estava apresentável, começou sua descida.
Em sua mente, o jovem dragão se perguntava se, o amor poderia ser tão imortal quanto prometido. Será que teria a chance de ver o sorriso de seu amado voltado para ele? Seria o amor que nutria há anos correspondido? O desejo por uma eternidade juntos poderia se tornar realidade? Mesmo preso em dúvidas e incertezas, ele seguiu determinado pelo longo e sinuoso caminho, cada passo o aproximando não só fisicamente, mas também emocionalmente de seu destino.
Após uma hora de caminhada, agraciado pela bela paisagem e pela presença dos doces animais que o saudavam, Giovanni finalmente chegou à entrada da aldeia.Parou por alguns instantes para acalmar o coração ansioso, limpando o suor das mãos na pele amarrada à sua cintura. Respirou fundo e colocou uma máscara de serenidade no rosto. Ele adentrou a vila exalando determinação e logo começou a procurar por seu querido Alexandre, enquanto passava cumprimentando alegremente os aldeões, que lhe respondiam com a mesma emoção. Depois de horas de uma frustrante busca sem sucesso, Giovanni decidiu pedir ajuda a alguém. Avistando um grupo de crianças, aproximou-se e disse:
— Olá! Tudo bem? Algum de vocês poderia me ajudar?
Parando de correr, uma garotinha se aproximou dele, com um enorme sorriso.
— Claro, senhor Gio! O que aconteceu?
— Ah, para! Não me chama de senhor, porque eu sinto que tô velho...
A garotinha soltou uma risada infantil tão doce e contagiante que até ele começou a rir, antes de dizer:
— Enfim, você sabe onde o Alexandre está?
— Você tá me procurando?
Uma voz grave e melodiosa soou atrás de Giovanni, arrancando-o da conversa e fazendo-o pular de susto. Ele se virou rapidamente, o olhar abismado se fixando na figura que estava perto demais, tão perto que sentiu o calor subir ao rosto. Era o jovem de cabelos cor de ébano, aquele que sempre o fazia sorrir de maneira boba. Ele estava parado à sua frente, com um sorriso divertido nos lábios. A proximidade inesperada fez Giovanni dar um passo para trás, e o mundo ao seu redor pareceu girar, dissipando todos os seus pensamentos em um instante.
— É-É, e-eu... queria conversar c-com você em particular...?
Ele falou, incerto, sentindo o rosto queimar ainda mais ao perceber a própria gagueira.
"Que fofo..."
pensou Alexandre, ignorando o desconforto evidente do mais baixo. Cruzando as mãos atrás de si, ele se virou, fazendo um gesto com a cabeça para que Giovanni o seguisse. Este, ansioso, quase tropeçou no próprio pé, mas conseguiu igualar os passos de Alexandre, ignorando as risadas das crianças que haviam parado para assistir àquela breve interação.
Eles fizeram uma pequena caminhada pacífica por uma trilha até uma clareira, onde havia um belo rio de águas cristalinas. Sentaram-se às margens do rio e permaneceram em silêncio por alguns instantes, sentindo o calor dos raios de sol que batia em seus rostos, aproveitando a breve paz que vinha do cântico dos pássaros e do cheiro fresco da grama.
Após algum tempo, Alexandre cortou o silêncio com sua voz suave. Seus olhos de safira encaravam Giovanni fixamente, causando um arrepio na espinha dele e fazendo sua pele pálida ganhar um tom rosado. Mas Giovanni estava atento ao que seu amado tinha a dizer.
— O que você queria falar comigo?
perguntou Alexandre, enquanto Giovanni virava o rosto para o lado, inspirando profundamente para se acalmar.Então, encarou-o com determinação renovada. Ele arrancou uma de suas escamas do braço esquerdo, ignorando completamente a dor, e segurou-a com as mãos fechadas em concha, erguendo-a diante de Alexandre, que o olhava abismado.
— P-Por anos, escondi m-meus sentimentos por medo, mas hoje deixo isso para trás. Alexandre, aceitaria ser m-meu namorado?
O jovem dragão olhou incerto, temendo a resposta enquanto o silêncio se estendia. Para seu alívio, seu amado estampou no rosto o maior sorriso que ele já havia visto e aceitou o pedido de namoro, pegando a escama com delicadeza e carinho. Giovanni, incapaz de conter sua felicidade, pulou nos braços de Alexandre e o beijou apaixonadamente por longos minutos, até que perdessem o ar e precisassem se separar.
Ao se afastarem, descobriram os aldeões escondidos, rindo e comemorando por finalmente estarem juntos. Envergonhado, Giovanni escondeu o rosto no ombro de seu amado, suportando as provocações, até ser puxado pelas pessoas da vila para uma festa de comemoração. O povo se vestia em honra a seus ancestrais, usando roupas que misturavam tecidos bordados à mão, peles e cintos, além de cocares de penas adornados com conchas. Era tudo tão lindo. A festa durou até o raiar do dia seguinte, repleta de alegria e provocações sobre quanto tempo o jovem de íris violetas levou para se declarar. Em meio a toda a algazarra, o casal estava em polos opostos. Enquanto Giovanni se divertia com as pessoas e puxava Alexandre para dançar, este se sentia desconfortável com toda a atenção e buscava uma oportunidade para fugir dali com seu recente amante.
Uma semana após a festa que celebrou sua união, Giovanni começou a descer a montanha diariamente, mal dormindo de ansiedade por ver seu amado. A cada passo, seu coração pulava de alegria, e sua mente mal conseguia acreditar que aquilo era real. Os aldeões, surpresos com sua frequência, sempre os parabenizavam com sorrisos calorosos, exclamando elogios que, embora bem-intencionados, começavam a irritar Alexandre. Ele achava tudo aquilo muito forçado, mas fazia o possível para ser educado.
— Olha quem chegou! O casal mais apaixonado da vila!
Gritou uma velha senhora, rindo ao ver Giovanni e Alexandre se aproximar.
— Sim, o Giozinho acertou nessa, né?!
Acrescentou outro aldeão, piscando para Giovanni, que corou e respondeu algo que Alexandre não fez questão de prestar atenção. Contudo, ele manteve um sorriso educado no rosto, mesmo que seu olhar denunciasse sua leve frustração. Já estava farto e desconfortável com toda aquela atenção, mas tentava esconder seu desconforto diante das interações públicas.
— Obrigado a todos. Eu tenho muita sorte de tê-lo ao meu lado.
falava Alexandre, passando as mãos pelos cabelos em nervosismo.
À vista de todos, o relacionamento deles exibia uma doçura encantadora, repleta de carícias. Especialmente de, Giovanni, que não media esforços para demonstrar seu afeto, enquanto Alexandre retribuía com gestos sutis, segurando sua cintura ou beijando-o suavemente nos lábios, o que deixava o jovem dragão sorrindo bobo por horas. No entanto, assim que estavam a sós, o comportamento de Alexandre mudava completamente; ele se afastava, como se um simples toque queimasse sua pele. Para Giovanni, isso poderia ser apenas timidez, mas, em seu íntimo, ele sabia que não era isso, o que, levava a questionar se havia feito algo para chatear seu amado.
Com o passar dos dias, as visitas de Giovanni se tornaram o momento mais aguardado para Alexandre. Ele passou a sorrir mais e a ansiar pela presença do mestiço, mesmo que isso não fosse evidente para o jovem dragão.
Num dia comum, após uma manhã agitada, Alexandre estava deitado com a cabeça no colo de Giovanni, quando decidiu finalmente fazer o pedido que martelava em sua mente.
— Querido, você quer vir morar comigo?
Perguntou, a hesitação ainda presente em sua voz, mas com uma determinação clara em seu olhar. Este seria um grande passo para ambos, especialmente para Giovanni, que teria que deixar o lugar onde nasceu. Ele parou o carinho nos cabelos de Alexandre, tirando um momento para refletir. Seu coração apertou, dividido entre o desejo de estar com seu amado e a segurança de permanecer como estava. No entanto, as palavras finais de Alexandre tomaram a decisão por ele.
— Desculpe... Eu só pensei que, se você viesse para cá, poderíamos nos ver com mais frequência e talvez nos tornarmos mais íntimos, e...
— Ok, eu vou amanhã buscar minhas coisas!
Respondeu Giovanni com determinação, recebendo um beijo acalorado de Alexandre. Mas, em seu íntimo, aquela decisão não parecia totalmente certa. Ele sabia que o comportamento de Alexandre era instável, mas, apesar disso, não conseguia negar seu desejo de estar mais perto dele. Então, Giovanni colocou suas dúvidas de lado e jurou a si mesmo que não daria importância a esses pequenos detalhes.
Após sua mudança e despedida do antigo lar, Giovanni deixou tudo para trás, sentindo a tristeza desbotar as cores do mundo ao seu redor e apertar seu coração. No entanto, seguiu viagem sem olhar para trás.
Quatro meses depois, ele percebeu que suas inseguranças eram infundadas. Apesar de, inicialmente, ter sido estranho acordar em um lugar diferente, o amoroso modo como Alexandre o tratava sempre que estava triste dissipava qualquer incerteza. Os presentes que Alexandre lhe dava, as carícias que oferecia até que Giovanni se sentisse melhor, e os momentos juntos :como caminhar de mãos dadas pelas margens do rio à noite ou os jantares românticos que terminavam em beijos acalorados.
Todos contribuíam para que Giovanni se sentisse em casa, transformando seu novo lar em um refúgio de amor e conforto. Ali, ele encontrava segurança para falar abertamente sobre si, compartilhar suas ideias para o futuro e revelar seus sonhos. No entanto, percebia que Alexandre, por vezes, desviava do assunto ou parecia esconder algo sobre o próprio passado, especialmente quando a conversa tocava nas suas famílias. Giovanni ignorava essas nuances, atribuindo-as ao cansaço dos dias corridos.
Ultimamente, porém, Giovanni sentia uma inquietação crescente, notando que seu amado estava mais distante e estressado do que o habitual. Era como se Alexandre estivesse ocultando algo, o que deixava o jovem dragão profundamente preocupado. Será que Alexandre ainda o amava? Teria se cansado dele? Essas dúvidas atormentavam Giovanni, mesmo após ter perguntado na noite anterior e recebido uma resposta que deveria ter sido reconfortante:
"Eu sempre vou te amar, mesmo após a eternidade acabar, querido."
Essas palavras aqueceram o coração de Giovanni, mas não dissiparam suas inseguranças. Na noite seguinte, enquanto se preparava para dormir, Alexandre aproximou-se por trás, beijando-lhe o pescoço antes de pedir que se arrumasse, pois queria levá-lo a um lugar especial. Giovanni obedeceu, ainda que intrigado, perguntando para onde iriam. Alexandre apenas sorriu, deixando no ar o mistério de uma surpresa. Alexandre os havia levado ao local onde começaram a namorar. Então, sob a luz pálida da lua e diante da deusa Jaci, Alexandre tirou um colar de contas vermelhas de suas roupas, erguendo-o à frente de Giovanni, finalmente fazendo o pedido que ele há muito ansiava.
— Giovanni, desde que te conheci, soube que queria caminhar ao teu lado pela eternidade, não apenas no tempo que temos, mas além, onde poucos chegam. Nesta noite, sob a bênção da deusa Jaci, pergunto: aceita ser meu para sempre, em corpo e alma, e juntos, talvez, tocar o que é eterno?
Colocando as mãos sobre a boca, Giovanni sentiu seu coração acelerar, enquanto seus olhos brilhavam em alegria. Logo, ele pulou em seu amado, beijando-o apaixonadamente e aceitando o pedido, permitindo que o colar fosse colocado em seu pescoço. A partir daquele dia, começaram os preparativos para o casamento, que, por insistência de Alexandre, seria uma celebração apenas para os dois. Eles se mantinham ocupados com os preparativos, tanto da festa em si quanto dos rituais que antecederiam e ocorreriam durante a cerimônia.
Enquanto Giovanni se encarregava de preparar o banho de purificação e fazer a oferenda para a deusa Jaci, Alexandre cuidava da estrutura da fogueira e da tenda onde consumariam sua união. Esse período se estendeu por um mês, durante o qual o temperamento de Alexandre piorava a cada dia, com um nervosismo aparentemente injustificado e uma ansiedade crescente. Giovanni, acreditando que isso se devia à proximidade do casamento, ignorou os pequenos surtos de seu futuro marido.
Um mês havia passado, e hoje era o dia em que finalmente se casariam. Giovanni estava terminando seu banho de purificação com óleos de mirra e essências de ervas naturais que ele mesmo havia colhido. Sentia-se radiante, admirando a imponente lua vermelha que embelezava os céus naquela noite. Ele pensava que aquele era o melhor dia de sua vida. Suspirando feliz, pegou uma toalha para enxugar o corpo. Em seguida, vestiu uma túnica branca de linho e um conjunto de acessórios compostos por pulseiras e uma coroa formada por rosas, lírios e lavanda. Inspirou profundamente e caminhou descalço até o leito do rio, onde Alexandre, vestido com trajes semelhantes, exceto por sua túnica preta e braceletes de couro, o aguardava com um sorriso deslumbrante e um olhar sereno.
Eles pararam frente a frente e trocaram votos, jurando a Jaci que se amariam além da eternidade. Trocaram colares, com Giovanni recebendo um colar azul e um pingente em forma de escama, que ele deu naquele dia. Eles se beijaram, firmando o compromisso. Logo, Giovanni enfeitiçou alguns instrumentos e começaram a dançar ao redor da fogueira, rodopiando e batendo palmas ao ritmo da música, até que Alexandre ergueu seu marido, levando-o para a tenda forrada com peles e repleta de travesseiros. Alexandre colocou Giovanni suavemente sobre o lençol de seda. Atrás dele, a lua vermelha criava uma atmosfera de perigo, intensificando o brilho verde de seus olhos, que pareciam predatórios e cheios de luxúria.
Alexandre engatinhou lentamente em direção ao marido, segurando seu rosto com um toque frio que fez Giovanni estremecer. Ele beijou seu parceiro, que relaxou sob seu toque, guiando-o até deitar-se sobre o colchão. Assim, se envolveram em uma bolha de amor até adormecerem.
Uma hora depois, Giovanni acordou sentindo falta de Alexandre ao seu lado. Olhou em volta, chamando-o com a voz rouca, até que Alexandre respondeu com uma voz fria demais, arrepiando sua espinha. Ele caminhou entre as sombras, onde apenas o brilho de seus olhos verdes e o branco de seu sorriso eram visíveis, avançando lentamente em direção à cama. Giovanni perguntou ao marido o que estava acontecendo, pedindo que ele parasse, pois o estava assustando. Mas Alexandre continuou em silêncio, enquanto o jovem dragão se encolhia na cama.Foi então que, iluminado pela luz da lua, Alexandre revelou o que fez o sangue de Giovanni gelar. No braço direito, ele usava uma manopla preta e vermelha em formato de garra, que ergueu, fazendo Giovanni se encolher ainda mais, perguntando em um fio de voz o que ele estava fazendo. Seu coração batia desesperadamente, quase rivalizando com o som dos tambores e maracas que ainda tocavam freneticamente, intensificando o terror da cena.
Alexandre olhou para si e sorriu como no dia em que Giovanni o pediu em namoro. Em um piscar de olhos, ele perfurou o peito de Giovanni, que, cuspindo sangue e sem entender o que estava acontecendo, ouviu Alexandre sussurrar em seu ouvido:
— Obrigado por me garantir minha eternidade, querido.
Em um único golpe, ele arrancou o coração de Giovanni, que caiu de bruços, a visão turva enquanto via seu ex-amor se afastar com seu coração partido em mãos, rindo e deixando para trás seu corpo agonizante. Agora sozinho, observando o sangue encharcar os lençóis de seda, Giovanni, antes de dar seu último suspiro, murmurou um desejo desesperado: que na próxima vida nunca mais se apaixonasse de novo.
Jaci, ouvindo suas preces, se entristeceu ao sentir a dor da traição do pobre dragão. Em sua tristeza, a deusa da lua desceu à terra em misericórdia pela alma aflita, levando o jovem dragão, com escamas tingidas de vermelho, para o cume da montanha onde nasceu. Ali, ela repousou sobre a terra fria, onde a montanha inteira parecia estar em luto. Jaci fechou os olhos, agora de um violeta pálido, e beijou sua testa, observando lentamente o corpo sem vida se contorcer e encolher, transformando-se em uma bela flor branca, cercada de espinhos, na escuridão da montanha, onde nunca mais alguém a tocaria.
User: Pardalis_scan
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