Fui obrigado a voltar para casa quando os berros de Nicholas invadiram minha mente, me fazendo sentir um inquietante fumegar sob a pele. Como não há sol, consegui chegar ileso à cabana, escondendo-me sob o capuz e os galhos brancos e desnudos, cheios de neve do inverno mais assustador de International Falls - simplesmente não me acostumo com o fato de haver humanos vivos, sem congelar, vivendo aqui. Essa deveria ser uma cidade vampiro, afinal, vampiros são frios o suficiente para suportar. Mas, humanos? Mortais? Essas criaturinhas quentes? Realmente, impensável - quer dizer, impensável para mim, não para International Falls!

- Por onde esteve? - Nicholas perguntou, finalmente, após duas horas de cantorias italianas sobre amores impossíveis, pondo um prato vazio e apático em meu lugar à mesa.

- Por aí, pensando - puxei a cadeira de cedro e observei suas curvas antes de me sentar.

- E quem é o garoto?

- Nick, por que você sempre entra em minha cabeça sem pedir? - reclamei, batendo na mesa um dos pequenos vasilhames de condimentos. - Isso é... Invasão de privacidade! É ilegal!

Nicholas sorriu um pouco, remexendo, o que cheirava a carne assada, numa frigideira.

A fumaça cálida preencheu o espaço entre nós e o telhado.

Enchi um copo com o líquido vermelho que estava posto numa garrafa de café sobre a mesa, e o levei a boca. O sabor é inigualável: doce e metálico.

Não demorou muito para Nicholas servir-se de sua carne selada. Lentamente, ele contou uma fatia. A carne estava mal passada a nível de crua e o sangue manchou seu prato branco de listras roxas e irregulares.

Dando as costas para mim e para seu filé cru, Nick abriu o armário e pegou seu velho Romane Conti 1997 e uma taça.

- Você pode ser preso, sabia? - devolvi o assunto à mesa.

Ele me olhou engraçado, como se analisasse o meu carismático gesticular. Um sorriso se formou, sem esforço, sob a barba loira.

- Estou pensando em parar com isso, mas eu gosto de te importunar, as vezes - diz ironicamente, enquanto despeja o vinho na taça, até logo abaixo da metade, e a entregou a mim, enquanto bebia o resto direto da garrafa.

- Já tentou um livro de boas maneiras? - indaguei, levando mais uma vez meu copo de sangue aos lábios.

- Não preciso disso, estou em minha própria casa e aqui sou eu quem manda, jovem vampiro - ele conseguiu me lançar seu olhar vermelho antes de cortar mais uma enorme fatia de filé. Deus, o sangue chega a ser nojento, mas ainda assim atordoante e terrivelmente... Suculento. - Além do mais não há livros de boas maneiras na biblioteca e nenhum livro de boas maneiras, no mundo, que ensine a não invadir mentes - deu-me uma piscadela sugestiva.

Dei de ombros, risonho, analisando a taça com vinho e o copo com sangue, dois centímetros longe da ponta pálida dos meus dedos.

- E se alguém vir te visitar, sabe, de última hora? - agarrei e girei um talher em noventa graus, antes de repousar o mesmo no canto no prato. - Vai precisar comprar.

- Ok, desde quando recebo visitas inesperadas? - Nick não me deixou responder, nem mesmo me deu tempo de formular uma simples resposta. - E, se é de seu interesse, eu tenho mais de quinhentos anos, sei como me portar em frente à duques e Rainhas, qualquer outro para mim é mais fácil que assar esse bife - roçou a barba, um sorriso realmente divertido iluminando seus lábios. É uma verdadeira dádiva ver Nicholas assim, tão feliz.

- Mas isso está cru! - retruquei..
Nick ergueu uma mão e a balançou no ar dando tempo para mastigar e engoli a carne. E logo respondeu:

- Ora, o que é mais fácil de preparar se não um bife cru?

Nossas gargalhadas ribombaram como trovões, mantendo o barulho incessante da nevasca fora de casa. A coisa mais estranha que nós dois tão felizes, ainda é o fato de eu estar bebendo um vinho mais velho que eu, oferecido pelo próprio Nicholas. - Desde quando Nicholas me deixa beber vinho? Desde quando ele me oferece vinho?

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Obs: International Falls é uma cidade localizada no estado americano de Minnesota, no Condado de Koochiching. É a atual cidade mais fria dos Estados Unidos.