Capítulo 11
Ela... Ela está falando comigo. Aqui, parada em minha frente. Menos de dois metros entre nós. O rosto vermelho, os olhos molhados, lágrimas descendo em suas bochechas ruidosamente, a voz raivosa e triste. Tensão e medo misturados em um só lugar.
Continuei parado, boquiaberto, olhando para seus braços tensos e, pela primeira vez, totalmente retos. Sem saber o que dizer nem o que pensar, ponderando sobre os últimos dias, em quão longe eu estava e em quão perto ela está agora.
Observo a maneira como ela contempla meus olhos, como se pudesse ler minha mente.
Seu corpo, seu cheiro... Tudo tão próximo, tudo tão perto, me embebedando, me embriagando.
Primavera e tristeza e chocolate.
Me envolvendo, lambendo meus sentidos. Eu mergulhei em seus olhos castanhos como as folhas no outono.
Queria me mover e tocá-la para saber se é verdade.
Poderia tocar seu rosto e limpar suas lágrimas intrusas. Não, na verdade eu não poderia, eu não posso, eu não...
– Por que. Está. Me. Seguindo? – ela força pausas entre as palavras. A mão erguida para meu rosto e eu simplesmente não sei o que dizer, o que responder. Apenas sim, estou te seguindo pois estou obcecado por você não me parece algo muito correto. – Ei, Terra para Estranho, será que você pode me responder?
– Eu, eu... – me perdi em seus olhos tão tristes e queria te abraçar e conversar por toda a noite até você voltar a sorrir, mas não posso, pois eu sou um vampiro, eu sou um demônio, e, agora, estou completamente louco. – Me desculpe, eu não queria te seguir, eu só... Só estava andando e acabei me perdendo, acho – menti, apertando os olhos ao sentir seu sangue explodir em suas veias, correndo tão apressado em fazê-la viver que meu peito arde e queima de modo tão explícito que quase precisei correr para não sentir vontade de atacá-la à qualquer momento.
Suspirei, um suspiro fundo e incompleto, expulsando o ardor – ou apenas tentando – para então abrir os olhos e perceber que ela ainda está aqui, parada, me estudando como se eu fosse uma das folhas de seu script. Seus olhos piscaram e ela olhou-me estranho, como se, por um momento fugaz e desordeiro, sua raiva e toda a tristeza tivessem passado.
O silêncio se acumulou entre nós, olhos nos olhos, bocas tentando dizer algo que não sai. A fatídica cena de um filme, e está acontecendo entre nós, no meio de árvores congeladas, ruas vazias e casas silenciosas, e somente eu percebo isso.
– Tudo bem – ela disse por fim e enfim, levando uma das mãos ao rosto e limpando as lágrimas que percebeu que continuavam ali. Seu rosto curvado para cima, muitos centímetros abaixo do meu, mas ela ainda me parece grandiosa.
– Desculpa – digo, tentando trazer paz para cada letra da palavra.
Ela sorri, tristemente. A tensão em seus ombros me desmoronando um pouco mais.
Queria abraçá-la, por algum motivo, e quase esqueci-me dos olhos que não devem parecer vermelhos, nem sanguinários pois ela me olha como se eu fosse apenas um perdido, esquecido por alguém – e não saiu correndo gritando “demônio” pelas ruas, acordando todo mundo.
– Onde... Onde você vai? – ela disse finalmente, afastando o silêncio, empurrando o, forçadamente, para longe de nós. – Eu posso te levar até lá, a cidade não é tão grande. Você deve estar aqui pelos jogos de inverno, não é?
Hesitei. Queria inventar algo apenas para me manter um pouco mais à seu lado, para descobrir onde ela mora e poder esgueirar-me pela janela de seu quarto. Mas não o fiz, não posso assustá-la ainda mais e correr o risco de vê-la chorar novamente.
– Vou para... Não, não vim pelos jogos. Moro depois da floresta, quer dizer no meio dela – digo vacilante. Será mesmo que eu deveria ter dito onde moro? E se ela se esgueirar por minha janela?
– Oh, então, eu não posso te levar até lá – ela sorriu engraçado, as mãos tocando os cabelos que ainda continuam perfeitamente presos.
– Yeah, é bem longe – o que eu estou dizendo? Que coisa idiota! – Mas, e você, para onde vai?
Senhorita Mountain apontou em direção às casas, como se sua voz estivesse perdida em algum lugar dentro dela, um lugar bem fundo e sombrio onde não pode alcançar com as pontas dos dedos.
– É bem longe também – murmurei. Seus olhos me encaram com uma loucura divertida e espontânea. Todas aquelas conversas que ela tinha, solitária, parecem gritar em minha cabeça e esmurrar meu coração desfalecido. Uma perfeita saudade de tudo aquilo me invadindo, como se à tempos eu não a ouvisse. Então pisco e ela continua aqui. Suspiro e ela continua aqui. Oficialmente não é um sonho!
– Desculpa, mas, está ficando tarde e... Eu realmente preciso ir – disse ela, as mãos segurando o casaco tão apertado.
– Eu... eu também preciso ir – na verdade eu já deveria ter ido.
– Até logo – ergueu uma mão e acenou com os dedos antes de virar-me as costas. Seus ombros curvaram na metade do caminho, e, cuidadosamente, ela me olha sobre os ombros a cada meio minuto.
Não sei porque continuo aqui, parado feito um poste. Observando seus passos sumirem no horizonte, e suas pegadas serem preenchidas por mais e mais neve até não poder identificar por onde ela andou. Mas eu sei exatamente que caminho ela tomou para desaparecer em sua casa – seja qual for.
Não sei porque continuo olhando para o nada e sentindo cheiro de primavera nesse tão rigoroso inverno. Não sei porque o gosto de chocolate parece se manter ávido em minha boca. Não sei porque sinto como se falcões brigassem para sair do meu estômago – invés das tão famosas borboletas. Apenas o fiz. Fiquei parado ali por quase trinta minutos até ouvir os gritos de Nicholas expandirem em meu cérebro e bagunçando, sem expelir, meus pensamentos.
Andei humanamente até chegar em casa, quase duas hora depois, e brinquei com o bife, os cogumelos e as batatas em meu prato, bebericando vez ou outra meu amargo copo de sangue fresco – para repor energias –, fingindo que ouvia Nicholas tagarelar sobre meu atraso e as receitas de seu novo livro, enquanto uma reprise dos olhos chorosos e meu encontro com a garota estranha e solitária badalam como grandes sinos em minha mente, berrando com tamanha voracidade que sinto meus tímpanos explodirem.
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