Capítulo Seis
Noite do massacre
Elizabeth estava desolada. Agarrada à parede cheia de musgo, a menina chorava sem parar. A ficha estava começando a cair, as imagens fortes de seu pai e irmão naquele estado estavam fixas em sua cabeça. E sentia que havia perdido a mãe.
Benjamin, em algum momento, havia abraçado a irmã mais nova, acariciando levemente suas costas. Ele sabia que precisava tirar Liza dali; Louise havia escondido a entrada para que fugissem, mas os capangas descobririam a passagem mais cedo ou mais tarde. Benjamin olhou para a garotinha. "Liz, precisamos ir."
Liza levantou o rosto, chorava tanto que mal conseguia abrir os olhos. Ela tentou falar alguma coisa, mas os únicos sons que conseguia emitir eram soluços e murmúrios. Estava tremendo muito.
Todos sabiam que Benjamin Hale não era bom com palavras, nunca fora. Não era como se ele não conseguia falar, ele apenas se sentia confortável em seu silêncio, e aquilo não havia mudado muito com o tempo. Mas Liza, naquele momento, precisava do conforto de palavras, mesmo que ele não gostasse muito delas.
"Liz, nós precisamos sair." Quando a menina, ainda trêmula, negou com a cabeça diversas vezes, Benjamin a envolveu mais. Ele olhou para o alto no escuro e fechou os olhos por alguns segundos, respirando fundo. Sabia que tinha que manter a calma, ou não conseguiria tirar a irmã dali. Segurando o pequeno rosto molhado de Liza com cuidado, Ben observou a silhueta da irmã no escuro.
Não era incomum o garoto ouvir diversos comentários sobre sua personalidade, principalmente quando a família recebia visitas em casa. Benjamin se sentia cansado psicologicamente e até mesmo fisicamente após longas interações sociais, o que levava as pessoas a formarem um julgamento raso e negativo sobre ele. Quando Ethan ou Louise não estavam por perto, diziam que Ben era insensível e aparentava ser antipático, apenas por não se comunicar como os seus outros irmãos.
Com aquilo na mente, Benjamin estremeceu. Não sabia se conseguiria convencer Liza, e levá-la contra a sua vontade era algo que ele simplesmente não era capaz de fazer. Observando o corpo trêmulo e a respiração descontrolada da menina, ele se sentiu ainda mais motivado a deixar sua zona de conforto.
Ben havia memorizado algumas partes de uma série de TV que ele adorava, e que sempre reassistia quando tinha chance. Em uma das cenas, um personagem consolava outro enquanto dizia coisas como "eles estão em um lugar melhor", "eles vão estar para sempre em seu coração" ou até mesmo "eles foram para o céu". Benjamin não entendia como aquilo era possível, mas o personagem tinha conseguido acalmar seu amigo na série. Ele precisava tentar.
"E-eles estão em um lugar muito melhor agora, cuidando de nós. E sempre vão estar aqui." O menino disse colocando uma mão sobre o peito da garotinha, indicando seu coração. Elizabeth encarava Ben sem piscar, impressionada com as palavras do irmão. "Eles vão sempre cuidar de nós, porque nos amam muito."
Liza parecia um pouco mais estável, mas ainda olhava para o alto como se quisesse voltar. "Eles estão nos protegendo agora," Ben continuou, respirando fundo ao misturar o enredo da série com o mundo real. "O papai e o Ian. Eles vão estar sempre nos protegendo de agora em diante. Vai ficar tudo bem no final."
A garotinha abriu a boca tentando falar, estava tremendo tanto que Ben temeu que ela machucasse a língua, mas entendeu o que Liza quis dizer quando ela apontou para cima. "A mamãe também. Todos eles vão sempre estar dentro de nós, mas para isso precisamos ficar seguros."
Liza o encarou em silêncio por alguns segundos. Eles mal conseguiam ver um ao outro na escuridão, mas os barulhos dos tiros haviam cessado. Quando Ben estava prestes a chorar de desespero, a menina o abraçou com força, escondendo o rosto em seu pescoço. Benjamin mal respirava, o alívio quase o sufocando. Ele se levantou, e, segurando Elizabeth com cuidado, começou a correr pelo túnel.
Porém, minutos depois, Benjamin tomou consciência de que eles não eram os únicos que estavam ali.
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O clima estava tenso dentro do trailer. Lucas estava sentado de maneira desleixada no sofá, como se fosse morrer de tédio a qualquer momento. As crianças estavam logo ao lado em um tapete no chão, observando os adultos atentamente enquanto tomavam sorvete.
Ao ouvir que aquele era o irmão mais velho de Liza, a expressão de Kyle não suavizou, pelo contrário; endureceu mais ainda. O homem naquele momento encontrava-se sentado no banco do motorista, que possuía um assento giratório. O de passageiro não tinha aquela artimanha, de modo que Liza teve que se debruçar até achar uma posição confortável em que conseguisse encarar o irmão.
Observando-o mais cautelosamente, a jovem notou que ele não havia mudado muito. O cabelo preto continuava brilhoso, o rosto impecável seguia liso sem o menor sinal de manchas. Até o modo como ele se vestia continuava o mesmo: roupas pretas folgadas e de marca, tênis caros nos pés. A única coisa que realmente chamou a atenção dela foram os óculos de armação redonda e preta que ele usava. Ao perceber que Liza o encarava daquele jeito, Lucas ergueu o canto direito dos lábios. O sorrisinho de desdém também continua igual, pensou Liza.
"Por quanto tempo vocês vão ficar me encarando assim?" A voz de Lucas soou arrastada. As crianças automaticamente viraram a cabeça para ele. "Não querem nem ouvir o que eu tenho a dizer?"
Liza respirou fundo, sabia que Lucas não havia aparecido ali por acaso, com certeza estava atrás de alguma coisa. "O que você quer?"
As crianças, previamente olhando para Liza, voltaram a atenção para Lucas. "O que te faz pensar que eu quero alguma coisa?" O jovem perguntou, apoiando o queixo na mão que estava escorada no braço do sofá.
"É como você é. Egoísta." Liza respondeu, a expressão ainda séria.
O sorrisinho de Lucas se esvaiu ao ouvir aquela frase, mas voltou com mais intensidade no segundo seguinte. "Ah, Elizabeth... Tão dramática."
Havia algo diferente na maneira em como ele pronunciava o nome da irmã; sílaba por sílaba, como se gostasse do som. Lucas sabia que, desde pequena, Liza não gostava do próprio nome. Para ela soava muito sério, muito severo. Por isso, sua família sempre a chamava por diversos apelidos que eles criavam. Exceto Lucas. Ele sempre chamara a garota daquele mesmo jeito: Elizabeth.
Ao ver que não teria resposta, Lucas mudou o foco da conversa. "Olha, seu namorado parece não gostar de mim."
Liza piscou, ficando sem fala por um momento. Após processar a informação, ela corou involuntariamente. "Ele não..."
"Eu não gosto de você." Kyle interveio. Liza achou que ele estava falando com ela, mas o olhar ameaçador do homem estava voltado para Lucas.
Lucas ignorou Kyle e gesticulou para os dois. "Ah, como não? Vocês até usam roupas combinando."
No terceiro dia vivendo no trailer, Liza comentou que estava incomodada por só ter uma muda de roupa. Na mesma tarde, Kyle foi comprar algumas para ela. Liza advertiu que não tinha preferência nenhuma de cor, então não se impressionou quando Kyle apareceu com diversas roupas pretas, idênticas as que ele usava, porém menores.
Liza abriu a boca para desmentir Lucas, mas foi interrompida pelos murmúrios de Thomas. O bebê estava em seu cercadinho olhando Amon-Rá, provavelmente querendo ir até ele. O gato, por sua vez, continuou sentado um pouco mais afastado, encarando o aparente estranho no sofá.
"Estou curioso pra saber como você veio parar em uma creche, Elizabeth."
A voz de Lucas possuía um certo desgosto enquanto ele olhava para o bebê e depois para as crianças. Kyle cerrou levemente os olhos, um claro sinal de que ele estava prestes a matar alguém.
"Eu não te devo explicações," Liza rebateu. "Fala logo o que você veio fazer aqui."
Lucas a analisou por um momento, o sorrisinho inabalável e irritante ainda ali. De repente, porém, ele arrumou a postura. "Eu vim fazer uma proposta."
Liza levantou uma sobrancelha encarando o irmão. As crianças assistiam a cena sem piscar. "Proposta?"
"Resumindo, preciso de dinheiro."
Kyle encarou o homem esguio, seu olhar estava apático. "Eu também."
Lucas balançou a cabeça e olhou para Liza, que encarava ele em silêncio. Ela fechou os olhos em antecipação, desejando não ouvir as palavras que foram ditas em seguida, em vão.
"Precisamos voltar para a mansão Hale."
O corpo de Liza ficou rígido, as palavras saíram antes mesmo de ela piscar. "Não."
"Elizabeth," Lucas começou, mudando completamente o tom e a expressão de descaso de antes. "Você sabe muito bem o que tem lá. É nosso, por direito."
Lucas sempre fora um verdadeiro mestre da manipulação. Escolhia cautelosamente as palavras, o tom e a abordagem adequada para usar dependendo da situação. Podia convencer facilmente qualquer um a fazer as vontades dele, mas Liza conhecia aqueles truques; havia crescido com eles.
"Eu não vou voltar lá. Nunca."
A voz de Liza estava determinada, mas podia-se notar que ela tremia, quase que imperceptivelmente. Lucas ficou em silêncio a analisando, como se procurasse algum ponto fraco para tirar proveito da irmã.
"Elizabeth, nós..."
"Ela já disse que não quer," Kyle interrompeu, a voz calma, porém intimidante. "Então não enche o saco. Ninguém vai voltar a pisar o pé nessa mansão ou sei lá o quê."
Liza olhou Kyle impressionada por ele defendê-la (e por ter conseguido falar uma frase completa sem soltar nenhum palavrão). E então Lucas jogou sua cartada mais suja.
"Nem por onze milhões?"
Aquela frase ganhou toda a atenção de Kyle. Liza sabia que dinheiro era o ponto fraco do homem, e, ao notar o sorriso perverso que tomou conta do rosto de Lucas, soube que ele havia descoberto também. E que usaria aquilo ao seu favor.
"Onze milhões." Kyle repetiu.
"Onze milhões." Confirmou Lucas.
"Onze milhões..." Lucca tentava contar a quantia nos dedos com uma careta.
"...Onze milhões!" Lorenzo exclamou, se dando conta do valor.
Thomas murmurou alguma coisa em seu cercado, provavelmente querendo se juntar ao coro.
"É claramente uma armadilha, Kyle." Liza advertiu e fitou o irmão com uma careta, mas tudo o que recebeu em resposta foi uma piscadela cheia de ironia.
Aquilo fez Kyle voltar à realidade. Ele encarou Lucas. "Que história é essa?"
Lucas sorriu e se ajeitou no sofá. "Que bom que perguntou. Depois do massacre, Jasiel deixou esse dinheiro lá, como quem não quer nada."
"Uma isca." Murmurou Liza, a voz rouca.
Lorenzo franziu o cenho. "Ah, nós já sabíamos que havia certa quantia de dinheiro lá, mas não tanto."
A história era bem conhecida: após o massacre à mansão Hale, Jasiel havia deixado o dinheiro da família ali, sem nenhuma explicação. Boatos diziam que o mafioso era tão rico que nem ligava para aquela quantia, e logo alguns ladrões tentaram tirar proveito. Mas ninguém saía da casa com vida, muito menos rico.
"Todo mundo falava disso na escola," Lucca interveio, animado. "É como uma casa mal-assombrada, ninguém volta pra contar história!"
"Ninguém toca nas coisas do Jasi, todos sabem disso." Lucas disse, "E os que tentaram, não conseguiram nem chegar perto."
O corpo de Liza estava rígido. "E mesmo sabendo disso, você acha que vai conseguir?"
"Eu tenho um plano." Lucas respondeu com um sorriso presunçoso em seus lábios.
Kyle ainda encarava Lucas em silêncio, como se estivesse processando algo. "Qual plano?"
"Você não pode estar falando sério." Liza apontou para seu irmão, incrédula. "É uma armadilha, Kyle!"
"Isso é óbvio," Lucas falou, a postura ereta. "Por isso eu tenho um plano muito bem bolado. Os poucos azarados que tentaram a sorte deixaram passar o ponto principal: a casa é monitorada por vários sensores e alarmes, ninguém realmente sabe onde eles estão. Mas eu sei como entrar no sistema e desabilitar cada um deles. Jasi não vai nem saber que alguém esteve lá."
Lucas estava usando um tom convincente em suas palavras, tanto que Liza quase acreditou nele. Ao perceber que estava caindo no truque, ela piscou e automaticamente se virou para Kyle. "Isso não é uma boa ideia, é praticamente um suicídio. E ainda tem as crianças, é muito perigoso."
O homem continuava encarando Lucas, e este retribuía o olhar. "Você consegue mesmo?"
"Kyle." Liza avisou, mas foi ignorada.
Lucas tinha um sorriso no rosto, e parecia contente por ter ganhado o interesse de Kyle. "Mas é claro que consigo. Não sou de me gabar, mas sou um verdadeiro gênio da programação."
"Humpf." Kyle resmungou, se encostando no banco. "E o que eu vou ganhar com isso?"
"Cinco por cento da minha parte."
O homem encarou Lucas com seu casual olhar apático, e foi a primeira vez que Liza viu alguém emitir um xingamento pelo olhar.
"Dez." Lucas tentou barganhar, mas não obteve resposta. "Credo. Tudo bem, metade da minha parte. Isso vai dar..."
"Dois milhões e setecentos e cinquenta mil." Lorenzo interveio.
Lucas encarou o garoto como se ele fosse um alienígena. "Isso aí que ele falou."
Os olhos de Kyle se iluminaram. "Feito."
Liza não acreditava que Lucas tinha conseguido manipular o homem tão facilmente. Aquele plano não poderia resultar em nada além de tragédia. Amon-Rá a encarava com uma cara de olha o nível das pessoas que você arrumou pra gente viajar.
"Perfeito, então." Lucas retomou sua postura relaxada, visivelmente satisfeito. "Quando nós vamos?"
"Amanhã." Foi tudo o que Kyle disse, se levantando e saindo do trailer. Liza pegou Thomas no colo e o seguiu, quase tropeçando no caminho. As crianças e o gato encararam Lucas em silêncio.
"Eu não acredito nisso, Kyle!" Liza falou quando alcançou ele. "Você não vê que é uma ideia idiota? Isso nunca que vai dar certo. E de todas as pessoas para confiar, logo o Lucas! Como você..."
"Eu sei."
Liza franziu o cenho encarou o homem. "Você sabe do quê?"
Kyle olhou para ela, depois suspirou. "Eu sei que é uma emboscada e tudo isso que você falou."
A jovem ergueu as sobrancelhas. "Sério?"
"Tudo ficou muito quieto e do nada seu irmão aparece. Tem alguma coisa aí." Kyle falou baixo, o tom sério. "Aliás, ele não estava morto?"
"Não exatamente." Liza murmurou, se encostando em um poste e desviando o olhar, claramente querendo evitar o assunto. "Você acha que ele aparecer tem a ver com..."
"Sim. Vamos ficar alertas, uma hora a máscara dele vai ter que cair." Kyle cruzou os braços e olhou em volta. A rua estava deserta, tendo o vento gelado da noite como sua companhia.
Liza não queria acreditar que seu irmão estava metido com Jasiel Hyeon, mas os argumentos de Kyle eram fortes. Já fazia quase uma semana que a Alpha não vinha atrás deles, e aquilo já era algo.
"Ah, eu não sabia que você fingia tão bem. Até me convenceu lá no trailer." Quando Kyle a encarou sem expressão, Liza retribuiu o gesto com feições tediosas. "Você quer mesmo o dinheiro, não é?"
"O que vier é lucro." Kyle resmungou.
"Literalmente." Liza falou baixo, e os dois se olharam por um tempo. "Mas não crie expectativas, não sabemos o que o Lucas quer, nem se vai mesmo conseguir entrar... naquele lugar."
Kyle analisou a jovem por alguns segundos, mas Liza suspirou de maneira cansada e desviou o olhar para o veículo. "É melhor a gente voltar. Não é seguro deixar as crianças com o Lucas, acredite em mim."
O homem concordou em silêncio, mas quando chegaram na porta do trailer, os dois avistaram Lucas jogado no sofá, tomando sorvete direto do pote e rodeado pelas crianças. Amon-Rá estava sentado no chão, parecendo infeliz por não estar receber atenção.
"O que se faz nesse jogo, afinal?"
"Você tem que alinhar as cartas em uma ordem." Lorenzo falou apontando para o celular que Lucas segurava, seus olhos castanhos brilhando. "Mas elas chegam de maneira aleatória, então você precisa..."
"Vamos jogar outro jogo, Enzo." Lucca sugeriu com uma careta, a boca melada de sorvete de chocolate. "Toda vez você quer jogar essas cartas."
"Mas ele melhora o raciocínio lógico e a memória, além de exercitar a paciência." Lorenzo rebateu, educado como sempre. "Melhorar as capacidades mentais, não é para isso que servem os jogos?"
Lucas encarava as crianças com espanto, depois notou a presença de Kyle e Liza. "Por Deus, quem criou essas crianças estranhas?"
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[2800 palavras]
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