Capítulo Quarenta e Três
No momento em que Liza acordou, todos os acontecimentos da noite passada preencheram sua mente. O braço forte que a envolvia suavemente provava que tudo aquilo não tinha sido apenas um sonho, e ela engoliu em seco antes de se virar.
A respiração constante de Kyle indicava que ele dormia pacificamente. Ela observou os traços atraentes, soltando um suspiro ao concluir que não se cansava daquela visão. Sentia-se leve e feliz, mas também ansiosa para saber qual seria a reação do homem ao acordar.
O cômodo branco estava um tanto escuro devido ao clima chuvoso daquela manhã, e a junção do colchão confortável com a colcha macia aos poucos foi convencendo a jovem a permanecer onde estava. Ela se aconchegou no abraço reconfortante e esboçou um pequeno sorriso ao fechar os olhos. Iria aproveitar o máximo que conseguisse.
Mas a paz não durou muito.
"Senhor, foi o invasor descontrolado de ontem!"
Liza abriu os olhos ao ouvir a voz do guarda, alarmada. As sombras das duas silhuetas visíveis no vão embaixo da porta deixavam claro que ele estava acompanhado.
"Abra."
O som da tranca sendo desativada fez com que o desespero tomasse conta da garota, e as pernas esguias se moveram antes mesmo que ela conseguisse pensar, atingindo o corpo grande que repousava ao lado. Um baque soou pelo local no mesmo minuto em que a abertura se moveu, revelando o estranho e Nathaniel. Ela agarrou a colcha que a cobria e soltou um grito agudo, e aquilo bastou para que a porta fosse fechada novamente.
"Por que você está sem roupa, menina?!"
Ela ignorou a pergunta acusadora do guarda e buscou Kyle com o olhar, encontrando-o no chão e de cenho franzido. Se levantou em um pulo, mas a ação súbita a fez vacilar. O outro se colocou de pé e a amparou antes que ela caísse.
"Porque eu estava dormindo!" Liza tentou ao máximo esconder o nervosismo na voz ao passo em que recuperava o equilíbrio. "Por que você está invadindo a privacidade dos outros?"
"Não se faça de boba, se vista depressa!
No meio de todo o desespero, uma expressão sugestiva se formou na face da jovem quando ela avistou o grande guarda-roupa em uma das extremidades do quarto. Antes que Kyle conseguisse juntar todas as roupas caídas, ela o empurrou na direção do armário. Recebeu um olhar descontente como resposta, mas não se importou; poderia lidar com o aborrecimento dele depois.
Por ter vasculhado parte da mobília na noite anterior, ela sabia que o espaço ali dentro era amplo. Nem mesmo esperou ele se ajustar antes de fechar as portas do móvel de madeira escura. Se lembrando de algo, ela as abriu novamente e pegou um robe de coloração creme que estava em uma das gavetas, ignorando o olhar indignado do homem antes de ocultá-lo novamente.
A peça ficou larga no corpo da garota, que fez o possível para ajustá-la. O tecido de seda era de qualidade, o que não a impressionou; nada ali parecia barato. Ouviu batidas impacientes e andou até a passagem, soltando um longo suspiro antes de permitir a entrada do guarda.
Ele adentrou o cômodo logo em seguida, convicto de que havia alguém no local. Liza fingiu indiferença, mas seu coração acelerou quando o estranho se aproximou do esconderijo de Kyle.
Ela desviou o olhar para Nathaniel, inexpressivo e imóvel enquanto a analisava. Vestia um terno branco por cima de uma blusa marrom escura que combinava com os sapatos elegantes. Uma calça social preta e ajustada completava o visual refinado.
"O que aconteceu?"
A pergunta da moça irou o guarda.
"Você sabe muito bem o que aconteceu!" Ele se aproximou apontando um dedo para ela, vermelho de raiva. "Ontem o seu namorado histérico escapou não sei como e me atacou feito um animal!"
"Ah, eu realmente ouvi um barulho!" Liza ergueu as sobrancelhas inocentemente. "Até te chamei algumas vezes porque achei estranho, mas ninguém respondeu. Onde ele está?"
"Quer mesmo dar uma de espertinha? Acha que eu não sei que ele entrou aqui usando minhas digitais? Meu pulso está dolorido até agora, não vou nem mencionar a dor da pancada. A sorte dele é que fui pego de surpresa, só vi um vulto antes de ficar inconsciente."
A jovem piscou. "Se você só viu um vulto, como sabe que foi ele?"
O estranho arregalou os olhos negros, enraivecido. Antes que ele rebatesse, porém, Nathaniel decidiu acabar com a discussão.
"Giovani, volte para o seu posto, conversaremos depois."
Lançando um último olhar irritado para Elizabeth, o rapaz deixou o cômodo. Ela mal teve tempo de sentir alívio, pois as íris bicolores e intimidantes se fixaram nela.
"Em trinta minutos alguém virá te buscar, não se atrase."
Liza assentiu devagar, tensa quando o homem não se afastou. Ele fitou a esquerda da garota com tanta intensidade que ela se perguntou se ele conseguia enxergar através da parede branca.
"E se certifique de sair tão silenciosamente quanto entrou. Não intervi ontem, mas se em algum momento você apresentar alguma ameaça, vou te tratar como tal."
A figura alta então se virou e saiu, deixando a jovem atônita. Ela segurou a porta e se virou, abafando um grito ao ver Kyle ao seu lado. Entendendo para quem o aviso nada amigável de Nathaniel havia sido direcionado, ela se espantou com os sentidos aguçados capazes de identificar uma presença tão silenciosa.
"Por que você saiu do armário?"
Ela comprimiu os lábios ao perceber o duplo sentido na pergunta. Definitivamente, estava passando tempo demais com Lucas e Giovora. A aura feroz de Kyle se esvaiu quando eles ficaram sozinhos. De alguma maneira, ele tinha conseguido vestir a calça dentro do móvel.
"Como se eu fosse deixar você sozinha com um assassino."
Liza não achava que ele estava longe daquela definição, mas se limitou a esboçar um leve sorriso quando o outro se aproximou e colocou uma mecha do cabelo castanho atrás de sua orelha, observando cautelosamente o corte no pescoço fino.
"Você está bem?"
"Estou." Ela desviou o olhar para o chão ao sentir as bochechas esquentarem. "E você? Dormiu bem?"
"Tirando a parte que acordei sendo jogado da cama, sim."
"Eles iam te descobrir!"
Liza o empurrou levemente com uma careta. O cretino claramente estava se divertindo com a vergonha dela, mas aquilo não a irritava, não de verdade. Gostava de poder presenciar aquele lado descontraído e levado que o homem estava mostrando após todo aquele peso em suas costas se esvair.
Kyle andou até a blusa que tinha ido parar embaixo da cama, a vestindo ao passo em que calçava as botas pretas. A jovem aproveitou para admirar os músculos antes da pele ser coberta.
"O corredor ficou vazio, vou aproveitar para voltar e procurar os outros."
Ela assentiu, preocupada. "O que será que aconteceu com eles?"
"Nada demais, julgando pela reação do cachorro de guarda de Vicenzo." O tom dele deixava claro que Nathaniel estava longe de entrar em sua lista de pessoas favoritas. "Quer que eu fique com você?"
Por mais que ela desejasse aquilo, sabia que não podia ser egoísta. Estava preocupada com o resto do grupo apesar de saber que ela era, provavelmente, a mais vulnerável entre eles.
"Pode ir, preciso reorganizar as ideias. Vicenzo já me enganou duas vezes, nada garante que ele realmente queira uma aliança com Prevail. Preciso pensar em um jeito de convencê-lo."
No fundo, Liza desejava que sua paranoia fosse apenas um pessimismo exagerado. Uma pessoa tão astuta como o líder do clã DiCaselle não cairia facilmente em manipulações ou truques; aqueles grandes olhos castanhos pareciam ver por trás de qualquer intenção ou mentira.
"Certo, não vou ir muito longe."
Kyle se aproximou novamente, fazendo com que ela pendesse a cabeça e desviasse o olhar. Antes que pudesse se reprimir por estar agindo daquela forma, ela sentiu uma mão firme a envolver pela cintura no momento em que lábios macios depositaram um beijo em sua testa. Ela observou o homem deixar o cômodo com o coração batendo desenfreado em seu peito.
Ela definitivamente precisava se acostumar com aquilo.
A garota finalmente permitiu que a porta se fechasse, ficando estática por alguns segundos. Ela então andou silenciosamente até a cama, se acomodando ali com cuidado. Se permitiu alguns segundos de dignidade antes de abraçar o travesseiro que Kyle usara, inspirando profundamente o cheiro hipnotizante.
As memórias da noite anterior preencheram a mente inquieta. Não mentiria para si mesma; desejara aquilo antes, e suspeitava que a outra parte também.
Nunca sentira tanta vontade de estar com alguém antes. Na realidade, ela pensava que não era capaz de querer ter aquele tipo de contato com alguém, e não via problema nisso. Não sentira emoção alguma quando beijara aquele garoto aleatório em uma de suas noites solitárias, e nada especial lhe atingiu durante todo o seu pequeno romance com sua colega de quarto no orfanato.
Liza se levantou do colchão após enrolar o máximo que podia. As nuvens que ocultavam o sol impediam-na de ter uma noção das horas, mas ela sabia que alguém a buscaria em alguns minutos. Relutante, ela andou até a porta branca em um dos cantos do quarto, erguendo as sobrancelhas ao visualizar o banheiro mais bonito que já tinha visto em sua vida.
O chão e as paredes eram revestidos de uma pedra clara e sofisticada que possuía o tom mais claro da cor creme. Em uma das laterais, uma cuba elegante estava posicionada em uma bancada que também era feita da mesma pedra presente no lugar. Logo abaixo desta havia um armário branco, e a parede que abrigava o conjunto estava coberta por um longo e limpo espelho. Até mesmo o vaso sanitário do local esbanjava riqueza, o que era impressionante.
Mas foi a banheira no fundo do cômodo que chamou a atenção da jovem. Ela deixou que a porta se fechasse ao se aproximar, os olhos brilhando em antecipação. Com esforço, porém, ela se dirigiu para o espaço da ducha e tirou as roupas. Precisava ser rápida.
O chuveiro não a desapontou, pelo contrário, era maravilhoso. Ela lavou o cabelo com um xampu cheiroso antes de sair do banho, tomando cuidado para não abrir a ferida durante todo o processo. Suspirou de alívio ao encontrar uma toalha em uma das gavetas do armário, aproveitando o vapor que preenchia o local. Por último, escovou os dentes com uma escova que encontrou em uma embalagem lacrada.
Quando finalmente saiu do banheiro, uma moça uniformizada a aguardava. Os longos cabelos negros contrastavam a pele branca da estranha, e seu sorriso era amigável. Ela se apresentou como Pietra e informou que estava ali para acompanhá-la até a reunião.
Liza percebeu que a cama estava arrumada e, em cima desta, algumas roupas repousavam. Não possuía muita noção de moda, mas suspeitava que aquelas peças eram estilosas. Tocou o tecido de qualidade da blusa cor de creme, depois alisou a calça xadrez marrom escura com padrões quadriculados em linhas brancas.
Ela já tinha notado que os residentes de Cesero gostavam de se vestir bem na noite da véspera do aniversário de Vicenzo. Até mesmo as pessoas que ele protegia eram sofisticadas. Aquele lugar era chique demais para ela.
Após assegurar Pietra que estava satisfeita com a escolha, ela vestiu as roupas com a ajuda da outra, que ajustou as peças e deixou-as ainda mais bonitas no corpo dela. Liza gostou do efeito largo da blusa ao ser colocada parcialmente dentro da calça de cintura alta. As botas brancas de cano curto e saltos medianos apenas adicionaram mais elegância para o visual.
Liza suspirou quando ela a guiou para fora do quarto, encarando os enormes corredores que se encontravam pelo caminho. Mal teve tempo de apreciar os quadros que emolduravam pinturas estonteantes nas paredes, mas era nítido que as pessoas ali exaltavam a arte.
Tentou mapear o lugar mentalmente, mas foi em vão. Ela apelidou mentalmente a mansão de labirinto de gente rica. Após algumas voltas, as duas finalmente chegaram ao destino. Pietra abriu as portas de madeira e se despediu com um aceno de cabeça, e então Elizabeth adentrou o cômodo.
O ambiente era bem iluminado por grandes janelas de vidro, mas as paredes brancas certamente ajudavam a clarear o local. Uma bela mesa de madeira estava posicionada na frente de uma cadeira presidente marrom clara. Havia uma estante repleta de livros no fundo, e alguns sofás estavam posicionados de maneira harmoniosa na sala. Sentada em um deles, Giovora ergueu as sobrancelhas ao fitar a recém-chegada.
"Nossa, o que fizeram com você?"
A jovem soltou um suspiro aliviado ao ver os amigos vivos. Kyle, acomodado sozinho em um dos móveis, fixou as íris azuis nela. Ansel pareceu aprovar a vestimenta dela com o olhar, mas Lucas cruzou os braços.
"Por que só deram roupas novas pra ela?"
Giovora riu. "Vai ver tem que transar pra ganhar tratamento especial."
Liza encarou a ômega com uma expressão aterrorizada enquanto sentia as bochechas queimarem. Ela olhou acusatoriamente para Kyle, mas este estava ocupado ainda a observando.
"O que você falou pra eles?"
"Nada, mas deu pra ver pela cara pacífica dele." Hikari indicou o homem com um elevar de queixo. "Mas essa teoria é falha, Kyle também aprontou e ainda está com as roupas de ontem."
"Tem a ver com o corte na garganta?" Lucas analisou a ferida da irmã e escorou as costas no sofá. "Alguém coloca uma faca no meu pescoço, por favor. Preciso urgentemente de um banho."
Ansel, ao lado do rapaz, pareceu tentado a realizar o desejo dele. Liza grunhiu e foi se sentar com Kyle, ignorando os olhares maliciosos de Lucas e Giovora.
"Quer dizer que enquanto nós estávamos presos naquela cela fria vocês ficaram namorando?" O loiro perguntou ao erguer uma sobrancelha. "Minhas costas ainda estão doendo se querem saber."
Kyle não se comoveu. "Quem mandou vocês serem pegos de novo?"
"Você acha que tínhamos chance contra aquele exército? A fuga não durou muito, mas foi divertida. De qualquer maneira, o objetivo era encontrar a formiguinha, e você fez isso. Encontrou até mais do que deveria, pelo visto."
Liza curvou os lábios forçadamente ao ouvir o tom insinuante da ômega, que enrolava um de seus belos cachos pretos com o dedo indicador enquanto sorria.
"Por que não nos preocupamos com coisas mais importantes, tipo conseguir a aliança que vai definir nosso futuro?"
"Engraçado, ontem de noite você não se preocupou com isso."
Hikari não aguentou a fala de Giovora e caiu na gargalhada, e Lucas a acompanhou. Ansel claramente segurava o riso, entretido com a cena.
Para o alívio dela — ou não —, Vicenzo chegou no momento seguinte. A blusa preta de gola alta destacava os cabelos castanhos e brilhosos que caíam como ondas serenas. O sobretudo da mesma cor protegia o corpo esguio do frio ao mesmo tempo em que ajudava a calça bege se sobressair entre os tons escuros, que também estavam presentes nos sapatos elegantes do homem. O cinto negro de fivela acobreada apenas complementava o visual refinado.
Nathaniel, já sem o terno branco, acompanhava o homem. Liza notou que, de cabelo solto, o líder mal alcançava os ombros do outro. Ela ficou admirando as duas figuras juntas antes de uma voz melodiosa soar pela sala.
"Estou aguardando os pedidos de desculpa."
"Por favor, perdoe a nossa ausência de modos. Ansel mirou o moreno com uma expressão que não indicava arrependimento algum. "Mas não dormimos muito bem na noite passada."
Vicenzo andou até a mesa de madeira e escorou os quadris ali. As íris castanhas estudaram cada pessoa presente no cômodo com atenção enquanto o som de alguns trovões ao longe preenchiam o silêncio na sala.
"Invasores normais receberiam uma morte lenta e agonizante, ainda mais depois de escaparem para criarem mais confusão. Não reclamem das nossas celas, fui bastante misericordioso."
Giovora estalou a língua.
"Você pegou a caçula do bando, queria o quê? Suas intenções não aparentavam nada amigáveis, para piorar a situação. Kyle mataria todo mundo naquele cubículo antes do amanhecer se não saísse de lá."
Liza olhou para o homem ao seu lado, mas este estava focado em encarar Nathaniel de maneira ameaçadora. O assassino retribuía o olhar na mesma intensidade, mas não deixava qualquer emoção transparecer.
"Vocês acreditaram, não é?" Vicenzo disse, convencido. "É compreensível, tenho dezessete anos de... Ah, não importa. Eu não planejava prender ninguém, mas apenas a entrada de vocês já alarmou as pessoas, aquela invasão foi a gota d'água."
Kyle finalmente desviou o olhar para o mais baixo.
"Para quem diz ser o clã mais protegido do país, vocês são bem paranoicos. Isso tudo é medo da Alpha entrar?"
"Veja bem, Petrov, Jasiel não é meu único inimigo. Na realidade, ele nem mesmo pode ser considerado uma ameaça para mim por agora. É com Arturo Milani que estou preocupado."
"Quem é esse?" Hikari questionou.
"Eu esqueço que vocês de fora não sabem de nada do que acontece aqui dentro." Vicenzo soltou um suspiro cansado antes de continuar. "Resumindo, ele é meu tio. Foi embora porque nunca aceitou que meu pai assumiu a liderança ao invés dele, e tem nos atacado desde então. Já eliminamos a maioria dos aliados dele em Cesero, mas tudo indica que ainda há um assassino entre nós."
Liza franziu o cenho ao recordar as palavras do guarda na noite anterior, insinuando que ela estava trabalhando com alguém. Se lembrou também dos dois garotos parecidos que tinha visto em uma das pinturas durante o baile.
"Seu tio é o Desertor."
O líder do clã fitou as janelas quando a aguardada chuva se iniciou.
"Correto. Ficamos um bom tempo sem qualquer casualidades, mas nunca baixamos a guarda. É por isso que o alarde de vocês causou tanta comoção."
Lucas inclinou a cabeça. "Engraçado, você deixa transparecer que sabe de tudo sobre o mundo exterior, mas não consegue enxergar o impostor em sua própria casa."
Liza sentiu o olhar mortífero de Nathaniel sobre seu irmão e se perguntou se o rapaz não se cansava de irritar assassinos. Vicenzo, porém, não pareceu se ofender com o comentário.
"Questões familiares são as mais complicadas, não acha?" As íris castanhas brilharam de maneira insinuadora. "Você deve saber bem disso, Lucas Jeong."
A sala ficou em silêncio por alguns segundos.
"Você sabe quem ele é?" Giovora perguntou, surpresa.
"Terceiro filho de Ethan Hale e Louise Jeong, nunca registrado e fora do radar da Alpha até esse ano, quando foi capturado." Vicenzo esboçou um leve sorriso para a plateia estática, depois fitou Lucas. "Eu sei de muitas coisas, inclusive de sua reputação, não pense que seus truques vão funcionar aqui."
Elizabeth viu seu irmão reduzir os olhos a fendas enquanto encarava o moreno, mas não detectou desdém algum em suas feições, pelo contrário; tudo indicava que ele estava reconhecendo o outro como um oponente, o que era atípico.
"Bom, vamos ao que interessa.
Vicenzo tirou um celular do bolso do sobretudo e, com apenas alguns toques, fez algum tipo de persiana motorizada cobrir os vidros da janela e escurecer o local. Em seguida, ele murmurou algo em italiano, e um projetor no teto que Liza ainda não havia notado ligou e refletiu o logo do clã na parede branca atrás da mesa de madeira. Uma tela de projeção automática então desceu pela parede, refletindo a imagem e a tornando mais nítida.
"Antes de assinar qualquer coisa, preciso revisar algumas cláusulas. Já adianto que em hipótese alguma irei fornecer pessoas para lutar."
Pensando não ter ouvido direito, Liza trocou olhares com o seu grupo, mas percebeu que todos ali também estavam confusos e surpresos.
"Pelos deuses, vocês deveriam ter deduzido isso no momento em que abri os portões depois de tantos anos." Vicenzo balançou a cabeça ao observar eles. "Por que eu me comprometeria tanto se não fosse ajudar?"
"Mas você vai assinar assim, sem mais nem menos?" Hikari questionou. "Não vai ouvir o que planejamos, os benefícios da aliança?"
"Bom, eu ia fingir não estar interessado para vocês implorarem, mas vou me atrasar para uma reunião se fizer isso." O moreno afastou a manga do sobretudo para conferir as horas em um belo relógio de pulso. "É, não ia dar tempo."
"Você não estava puto com a gente?" Ansel soava desconfiado.
"Ainda estou, essa próxima reunião inclusive é exatamente para arrumar a bagunça que vocês causaram."
Liza, animada, decidiu se pronunciar antes que o líder do clã mudasse de ideia. Agradeceu mentalmente por ter pegado os documentos do carro quando Giovora buscara sua maquiagem no veículo.
"Deixamos o contrato na casa da Lídia, mas posso ir..."
Vicenzo levantou uma mão pedindo silêncio, depois murmurou outra frase em italiano. De repente, a tela branca refletiu um documento familiar. A jovem teve que piscar diversas vezes para acreditar que aquele era mesmo o contrato da união da Tríade.
"Não será necessário, como pode ver."
"Posso ser sincera?" Hikari se inclinou na direção deles enquanto Vicenzo se ocupava analisando as cláusulas. "Esse lugar está começando a me assustar."
"Começando? Já estou assustada faz tempo." O tom de Giovora estava baixo. "Como diabos ele conseguiu essas fotos?"
"Talvez Shiyo tenha mandado."
Ansel negou com a cabeça ao ouvir a teoria de Kyle. "Shiyo só teve contato com ele quando o assinou, e vocês todos estavam lá."
"E mesmo se ele tivesse ficado sozinho com o contrato, acham mesmo que seria possível?" Lucas interveio. "Todo mundo sabe que não existe câmera digital naquele clã, a tecnologia mais avançada dali é o fax."
Hikari segurou o riso. "Também não é assim, mas meu pai realmente não sabe mexer nessas coisas. Não pode ter sido alguém de Prevail?"
"Bem difícil, há anos não aceitam nosso contato." Giovora murmurou. "Bom, mais um item adicionado na lista de mistérios sobre os Milanis."
Liza então fitou o foco da discussão, que estudava silenciosamente o documento projetado na tela com Nathaniel. Prestando mais atenção, ela percebeu que eles estavam imersos em uma espécie de conversa não verbal; o moreno indicou uma cláusula com o queixo e ergueu uma sobrancelha para o outro, que franziu o cenho suavemente em resposta. Vicenzo analisou a página novamente após o gesto, meneando a cabeça em afirmação.
Giovora arfou. "Vai me dizer que o pessoal daqui lê mentes e se comunica por telepatia?"
"Eu não ficaria surpresa." Hikari sussurrou.
"É bom não lerem a minha mente." Ansel escorou as costas notoriamente doloridas no assento com uma leve careta. "Talvez eu tenha fantasiado o assassinato deles."
A ômega riu. "Chocante, roubaram o posto do Lucas."
"Muito bem, só quero conferir uma coisa." Vicenzo interrompeu o grupo e apontou para a imagem. "Aqui há indicações que tenho que me submeter ao clã Hattori, estou correto?"
Liza já tinha imaginado que ele perguntaria algo do tipo.
"Não exatamente. Deixamos Shiyo como líder do acordo porque precisávamos de credibilidade, e Prevail não é bem-visto aos olhos dos outros clãs."
"Isso é verdade, mas não irei assinar algo que me deixe refém de alguma reviravolta no futuro. Você sabe, o poder mexe com a cabeça das pessoas."
A fala do líder incomodou Ansel.
"O que está insinuando? Que Shiyo é igual Jasiel?"
"Aí que está, eu não sei. Posso saber quem ele é, o que ele faz, mas do que adianta?" Ele indicou os arredores com um dedo. "Nesse meio, ninguém é confiável. Sua própria família pode se tornar sua maior inimiga no momento em que achar que você apresenta qualquer ameaça."
O loiro ficou em silêncio enquanto absorvia as palavras. Liza se perguntou se Vicenzo conhecia a história trágica dos irmãos Lohmann. Se perguntou se havia algo que ele não sabia.
"Não assine, então."
Todas as pessoas na sala olharam para Lucas, a grande maioria surpresa. Elizabeth prendeu a respiração, mas confiava o suficiente no irmão para deixar que ele continuasse com o que quer que estivesse tramando.
"Toda essa conversa de confiança, esse receio de firmar o que já está combinado, sabe o que parece?" Ele continuou ao se levantar do sofá e se dirigir até a mesa. "Que você está querendo mostrar que selar esse acordo é um sacrifício, um favor, uma bondade."
O homem ergueu uma sobrancelha. "E o que eu ganharia com isso?"
"Uma dívida, com sorte. Um sentimento de gratidão que facilmente pode ser moldado para se tornar uma dependência, quem sabe? Eles andam juntos." Lucas parou na frente do outro e o olhou nos olhos. "Você não liga para o contrato, sabe que é só uma formalização, mas sair disso como um bom moço não seria nada inconveniente para você."
Vicenzo o mirou por alguns demorados segundos. Trocou um breve olhar com Nathaniel antes de finalmente curvar os cantos dos lábios de maneira perversa.
"Jeongs são como raposas ardilosas, eles dizem."
Lucas retribuiu o gesto. "Eles estão certos."
A jovem soltou o ar que estava prendendo, aliviada. Vicenzo havia dito que tinha consciência dos truques do ômega, mas em momento algum pensou que este também fosse perceber suas verdadeiras intenções.
Ela relaxou as costas e só então notou que Ansel também o encarava de maneira intensa, e nada naquelas íris castanhas-esverdeadas indicavam que ele estava fantasiando a morte lenta e agonizante do rapaz.
"As pessoas não me surpreendem com frequência, vou acreditar que é um bom sinal." O moreno desligou os aparelhos com um comando de voz e se virou para eles. "Já que a diversão acabou, vou ser direto. Tenho uma boa e uma má notícia para dar. A boa é que o clã Silva soube que vocês se aliaram a mim e agora está disposto a participar do esquema."
"Clã Silva?" Giovora se inclinou para frente, desacreditada. "Tem certeza?! Eles nunca se envolveram nessa guerra até hoje."
Liza já tinha ouvido aquele nome. No meio de todo o caos, ainda existiam as pessoas que optavam por não se envolver, pessoas que não possuíam auxílio algum para sobreviver. Ela havia convivido com aquela gente antes de encontrar Kyle, e sabia que a gritante maioria passava necessidade. Depois, ela descobriu que Prevail abrigava parte daqueles indivíduos, mas fazer parte da maior e única organização inimiga da Alpha era um risco que nem todos queriam correr.
O clã Silva, porém, era diferente. De origem brasileira, ele era conhecido por ajudar os desafortunados sem pedir nada em troca, e por essa razão possuía o apoio quase total da população.
A voz grave e familiar de Kyle espantou os pensamentos da garota.
"Não faz sentido. Mesmo que tenham descoberto que você nos apoia, o que isso muda?"
"Se considerar que somos a fonte de comida deles, muda bastante coisa." Vicenzo fez com que as persianas motorizadas subissem com apenas um clique. "E vocês também mantiveram o neto do líder deles a salvo, isso com certeza ajudou."
Liza mal estava conseguindo processar as informações. "Quem?"
"Damien Silva, quem mais?" O moreno desviou o olhar do celular e analisou as expressões surpresas. "É sério que não sabiam? Eu mesmo pedi que eles enviassem alguém para alertar vocês sobre o bloqueio da Alpha nos meus portões. Damien era o que estava mais perto, então obedeceu ao chamado. O avô dele estava preocupado com o que Jasiel faria quando descobrisse que ele estava infiltrado na corporação, mas vocês o protegeram."
O grupo permaneceu imóvel por alguns segundos.
"Ah, nós protegemos sim." Giovora endireitou a postura no assento. "A Alpha até negociou poupar nossas vidas se entregássemos ele, mas nunca faríamos isso."
Hikari se apressou em mudar o assunto. "Mas o nome dele não é Damien Alves?"
"Damien Alves da Silva. O clã deles não coloca o primeiro nome dos pais como segundo nome do filho, eles geralmente têm dois sobrenomes diferentes." Ele soltou um longo suspiro ao conferir as horas novamente. "Vou para a reunião, fiquem longe de confusão enquanto eu acalmo os ânimos. De novo."
Kyle franziu o cenho. "Espera, qual é a notícia ruim?"
"Céus, quase me esqueci." Vicenzo parou e sorriu para eles. "Por questões de segurança, não vamos abrir os portões até a identidade do assassino ser revelada. Em outras palavras, vocês estão presos aqui por tempo indeterminado."
"O quê?!" Liza arregalou os olhos. "Não, precisamos voltar o mais rápido possível!"
O líder os olhou uma última vez antes de fechar a porta.
"Isso é fácil, achem o assassino."
A jovem ficou sem fala; toda vez que finalmente pareciam resolver um problema, outro surgia. Ela grunhiu e cobriu o rosto com as mãos, mas uma mão reconfortante acariciou suas costas. Fitando os olhos calmos de Kyle, ela teve que concordar que ele estava mais pacífico do que o normal.
Ansel, por outro lado, continuava mal-humorado. "Ótimo, agora somos detetives também."
"Pelos menos conseguimos o apoio do clã Silva, isso muda tudo!" Hikari disse, animada. "Se a população seguir o exemplo, teremos muito mais gente do nosso lado."
Giovora não estava tão otimista.
"Temos o apoio deles até o avô do Damien descobrir que alguém deu uma facada no netinho dele."
Liza arquejou. "Agora a culpa vai ser minha?! Eu pensei que ele era um capanga! Todo mundo achou!"
"Que feio, Elizabeth." Lucas esboçou um sorriso divertido, mas sua expressão não demorou para se tornar austera. "Mas precisamos voltar logo. Se isso cair nos ouvidos de Jasiel, ele com certeza vai querer revidar."
Ansel e Hikari trocaram um olhar preocupado ao passo em que Giovora massageou as têmporas com cansaço. As feições receosas de Kyle indicavam que ele estava pensando nas crianças, assim como Liza. Jasi não pouparia ninguém em uma retaliação, e aquilo poderia acontecer a qualquer momento.
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[4700 palavras]
capítulo atrasado do jeito que todo mundo ama 😍 se bem que depois do último capítulo ninguém pode reclamar mais KKKKK brincadeira, mais tarde vocês vão reclamar sim.
agora deu pra entender como que o coitado do damien se enfiou nessa confusão toda, mas tava na cara que ele era brasileiro, o bichinho só sofre nessa história, os sinais tavam aí
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