Capítulo Quarenta e Dois
[⚠️ Aviso de GATILHO: violência, sangue, conteúdo sexual, menção à depressão ⚠️]
Durante toda a festa, Liza tinha evitado um pensamento que insistia em surgir em sua mente: isso está fácil demais. Não queria contestar a aparente sorte que pensou ter atraído, afinal, sempre se considerara um tanto azarada; não seria nada injusto se o universo finalmente decidisse ajudá-la em sua missão.
Mas aquele não parecia ser o caso.
"Realmente achou que poderia entrar em minha casa sem que eu soubesse?" Vicenzo andou calmamente até ela, um leve sorriso convencido tomando forma em seus lábios. "Sem a minha permissão?"
Algo se iluminou na mente da jovem, que arquejou. Lembrando que tinha uma pessoa pressionando uma adaga contra seu pescoço, ela fez uma nota mental de evitar se mover.
"Você abriu os portões."
Mesmo imobilizada, ela notou as sombras de alguns seguranças se movendo atrás do líder, provavelmente já posicionados ali. O desconhecido que a prendia, porém, viera por trás, imperceptível.
"Bom, eu não queria danificar meus portões, eles foram bem caros. Mas admito que a persistência de vocês me intrigou." As feições faciais do homem se tornaram sombrias, e ele balançou a cabeça negativamente. "Mas quem imaginaria que teriam a audácia de invadir meu baile de aniversário? Ele deve ter pagado uma quantia satisfatória."
Aquelas palavras fizeram com que os subordinados se agitassem sutilmente. Ela tentou manter a compostura, não gostando do tom decidido do outro.
"Ele quem?"
O sorriso cruel que o moreno esboçou foi pior do que uma acusação.
"Pelo visto ele percebeu que os infiltrados aqui dentro não deram conta do recado. Se ele vai ficar mandando gente de fora para me matar, podia vir em carne e osso e acabar logo com isso."
Assimilando as palavras, Liza arregalou os olhos. Ele pensava que ela estava ali para matá-lo? Antes que pudesse abrir a boca para se defender, o desconhecido se virou, a levando junto no processo. Ela levou as mãos até o braço do captor e tentou afrouxar o membro, em vão.
Foi quando ela avistou Kyle no final do corredor, segurando uma arma. O tempo pareceu desacelerar quando as íris azuis encontraram seu rosto, focando na lâmina em seu pescoço quase que automaticamente. Ele então fixou o olhar no homem que segurava o objeto, e Elizabeth até mesmo se assustou com o ódio que tomou a expressão dele.
O estranho se colocou na frente de Vicenzo no mesmo segundo, protegendo-o. Ansel, atrás de Kyle, percebeu o que ele pretendia fazer, o segurando antes que partisse para cima de mais de dez pessoas armadas, mas ele parecia estar fora de controle.
Ela queria gritar para que ele se mantivesse longe, mas não conseguia se mexer. De repente, uma dor ardente a atingiu, e ela sentiu um líquido quente escorrer por sua clavícula. Os passos do outro finalmente cessaram, e suas feições raivosas foram substituídas por puro terror.
"Larguem as armas."
O estranho inclinou levemente a adaga no pescoço da jovem, como se deixasse claro que aquilo se tratava de uma ameaça. Kyle permaneceu imóvel. Com a velocidade que seu peito subia e descia, ele claramente estava ofegante. Parecia apavorado, sem saber o que fazer. Liza nunca havia o visto naquele estado.
Lentamente, ele se abaixou e colocou a arma no chão. Contrariado, Ansel fez o mesmo, e só então Liza notou que Lucas também estava entre eles. O rapaz fitou a irmã com uma preocupação nítida, mas parecia estar tentando manter a compostura.
"Estamos aqui para negociar, nada além disso. Não...
"Sei muito bem o que vocês querem negociar," Vicenzo interrompeu o rapaz, seu tom carregado de sarcasmo. "E não estou interessado."
Após um elevar de queixo da figura silenciosa, os seguranças avançaram para deter o trio. Ansel lançou um olhar assassino para eles ao se posicionar discretamente na frente de Lucas, mas se manteve imóvel ao encarar Liza, claramente se controlando. Kyle, porém, nem mesmo pareceu notar os dois estranhos que o abordaram, sua atenção ainda na garota.
"Solte ela."
A voz mais rouca do que o normal fez o cenho dela se franzir e seu peito se apertar, mas ela segurou o choro. Queria desesperadamente se livrar do aperto e correr para ele, tirar aquela expressão perdida de seu rosto. Pela visão periférica, viu Vicenzo sair de trás da figura alta.
"Não se preocupe, se vocês forem bons meninos e se comportarem, talvez eu a devolva viva. Mas depende do meu humor, também. Não levem para o lado pessoal, mas nós temos meios bem interessantes de conseguir informações, ainda mais de inimigos."
As palavras do líder do clã enfureceram Kyle, e ele avançou. Dois seguranças não foram páreos para contê-lo, e um terceiro se apressou para ajudá-los. Vicenzo esboçou um sorriso debochado ao gesticular com uma das mãos, e seus subordinados começaram a levar os capturados para longe. As íris negras de Lucas analisaram a irmã com receio, mas ela ofereceu um aceno quase imperceptível como resposta. Aquilo acalmou o rapaz, e Ansel também pareceu mais disposto a ser escoltado após o gesto.
Kyle, porém, não estava disposto a ceder. Estava tomado por uma raiva assustadora, incessável. Os homens, com dificuldade, buscaram o auxílio de Vicenzo com o olhar.
"Não o machuquem ainda." O moreno se posicionou ao lado de Liza e afastou a mão que segurava a adaga do pescoço dela. "Veja bem, estava sendo gentil até agora. Se você não quer me ver irritado de verdade, é bom obedecer às minhas ordens."
Quando a lâmina se afastou da jovem, Kyle finalmente parou de se debater. Os seguranças, irritados, pareciam querer revidar os hematomas. Ele apenas desviou o olhar de Elizabeth quando foi conduzido, com esforço, até as escadas ocultas no final do corredor.
Vicenzo então virou-se para ela, sorrindo inocentemente antes de começar a andar pela ampla passagem. O captor de Liza o seguiu, a levando junto. Mesmo sem a adaga em seu pescoço, ela ainda se sentia em perigo perto do estranho, e não ousou sequer pensar em afrontá-lo.
"Vocês podem voltar a supervisionar a festa, Nathaniel e eu cuidaremos disso a partir daqui."
Os subordinados que os acompanharam assentiram e deixaram o local após a ordem. Prestando atenção em seus arredores, Liza notou que eles se encontravam diante de uma porta escura. Havia um aparelho eletrônico e moderno conectado com a maçaneta, e esta cedeu no momento em que Vicenzo pressionou o polegar contra o leitor biométrico.
Um quarto bonito e bem decorado foi revelado, com uma ampla cama de casal no centro. Uma janela grande em uma das laterais trazia a iluminação de fora para o ambiente, reluzindo nas paredes brancas que ajudavam a destacar os móveis de madeira escura. Liza foi guiada para dentro do cômodo, e o desconhecido finalmente a soltou. Ela se afastou apressadamente, se frustrando ao virar e ver que a aparência dele não coincidia em nada com a que ela tinha criado em sua mente.
A pele num tom de marrom claro não possuía mancha alguma, e seu cabelo preto e liso estava penteado para trás. Vestia uma camisa social preta que evidenciava o corpo bem definido, e a calça aparentava fazer parte do conjunto sofisticado. Mas foram os olhos excepcionais que captaram a atenção dela; as íris castanhas possuíam tom diferentes; a esquerda era escura, já a direita era visivelmente mais clara.
Ele era tão alto quanto Kyle, e não podia ter mais de 30 anos. Ela semicerrou os olhos ao reprimir uma careta. Por que todos os assassinos que ela conhecia eram bonitos daquele jeito?
Vicenzo andou até ela com o cenho levemente franzido, nada contente. Voltando para a realidade, Liza recuou um passo, seu coração voltando a acelerar. Não entendia o porquê de ele achar que ela estava ali para o matar, e não tinha certeza se teria uma chance de se explicar. Também existia a possibilidade de não acreditarem nela, o que não seria uma surpresa, afinal, tinha invadido a mansão do aniversariante junto de um grupo armado.
A jovem engoliu em seco ao tocar em sua garganta e sentir o corte. O semblante do outro indicava o óbvio: ele estava irritado. Ela estava prestes a começar sua explicação nada ensaiada quando, de repente, ele soltou um longo suspiro e se virou.
"Francamente, o que vocês têm na cabeça?"
Liza piscou.
"Hã?"
"Invadir a mansão mais protegida de Cesero logo no aniversário do líder do clã, dia em que a segurança basicamente triplica, que ideia inteligente." Vicenzo andou até uma cômoda de madeira, abrindo a primeira gaveta. "Fica melhor ainda se todos já estiverem alertas por invasores foragidos terem adentrado nossas muralhas."
Tentando assimilar as palavras, Liza não conseguiu expressar qualquer reação diante daquilo. Olhou para o homem ainda parado na frente da porta, mas este apenas a fitou sem expressão alguma.
"Quando Nathaniel finalmente consegue acalmar os ânimos, vocês aparecem de novo." Ele puxou uma maleta de dentro do móvel, depois andou até a cama. "Por um milagre acreditaram que vocês eram apenas refugiados querendo fugir da vida deplorável lá fora, mas agora sem chance."
Ela estava sem fala, ainda sem acreditar que havia sido tudo fingimento. Seu silêncio, porém, não foi um empecilho para a conversa continuar. O moreno abriu a maleta e puxou alguns medicamentos dali com uma expressão incomodada antes de voltar a falar.
"Custava esperar? Eu iria até vocês, mas estava muito ocupado com os preparativos da festa. Pensei que iam ficar quietos por um tempo já que invadiram a casa da minha avó."
"Lídia...?" Ela começou, arregalando os olhos.
"Nossa, que revelação chocante. Vai me dizer que não sabia?"
A jovem observou o líder do clã se embolar com algumas faixas, impaciente. Nathaniel se aproximou, mas sua ajuda foi dispensada com um aceno de mãos. Quando ele finalmente achou o frasco que estava procurando, despejou o gel que estava dentro nas palmas. Um forte cheiro de álcool invadiu as narinas dela enquanto Vicenzo pegava uma espécie de tecido branco, o umedecendo com soro fisiológico.
"Confesso que desconfiei, mas por que ela vive sozinha?"
Ele deu duas leves batidas no colchão, indicando que ela se sentasse ali.
"Ela não gosta de pessoas."
Liza ergueu as sobrancelhas com a resposta, mas se sentou na beirada da cama. Ele se aproximou e começou a limpar os arredores da ferida com concentração. Ela o observou em silêncio, prendendo a respiração. Os cílios escuros eram realmente grandes, e apenas complementavam a beleza dele. Quando observara a pintura na casa de Lídia, pensara que aquela era uma captura de Vicenzo mais novo, mas aquele que estava em sua frente não aparentava ter envelhecido um ano sequer. Não duvidaria se ele dissesse que tinha a mesma idade que ela.
Desviando o olhar para o homem alto, a garota percebeu que ele ainda os observava com atenção, como se monitorasse cada minúsculo movimento dela. Intimidada, ela se afastou subtilmente do moreno. Sentiu uma pontada de dor ao ter o ferimento tocado, e a mão que a limpava se afastou.
"Não se mexa, vai ser rápido. Queria que não tivéssemos precisado recorrer a meios tão extremos, mas aquele lá não estava para brincadeira. Então é mesmo verdade o boato de que os Petrovs são estressados."
Ela ficou aflita ao pensar no estado de Kyle na confusão. Seu semblante provavelmente a entregou, pois Vicenzo se afastou após limpar o sangue.
"Ah, não me olhe desse jeito. Não foi de propósito, Nathaniel está muito arrependido." Ele indicou o outro com a mão, convencido. "Veja a cara desolada dele."
Fitando a figura imóvel e ainda inexpressiva, Liza não encontrou nada além de indiferença em suas feições, mas decidiu não argumentar. Observou Vicenzo abrir a embalagem de uma pomada com certa dificuldade.
"Respondendo sua pergunta de antes, Lídia não disse nada sobre o baile, só mencionou que não iria ir porque estaria cheio de gente irritante."
Ele riu com escárnio. "Claro que não falou nada, adora um drama de novela. Bom, sobre a outra parte ela até tem razão."
"Pensei que gostava das pessoas."
"Não dessas em específico. A grande maioria é bajuladora, não se pode confiar em gente assim. A elite de Cesero se resume em famílias de gente importante, é interessante ter o apoio deles." Vicenzo depositou a substância pastosa nos dedos, depois olhou para ela. "Minha encenação te enganou, não foi? É entendível, tenho dezessete anos de teatro."
Quando ele se aproximou novamente para aplicar o medicamento, a jovem sentiu o cheiro doce e ao mesmo tempo cítrico de seu perfume. Achou que a fragrância combinava com a essência de quem a usava.
"Pronto, novinha em folha. Mas evite levantar a cabeça, se possível." Ele disse ao se afastar e guardar as coisas espalhadas no colchão dentro na maleta. "Amanhã mandarei alguém para te buscar, então conversaremos com calma."
"Espera!" Liza disse ao segurar o braço do homem, mas o soltou rapidamente ao ver as feições ameaçadoras de Nathaniel. "O que fez com os outros?"
"Está tudo bem, não mandei matar ninguém. Eles vão ter que passar a noite em uma cela subterrânea e úmida, mas nada além disso."
Ela o fitou, incrédula. "Isso é sério?"
"O quê? Isso é culpa de vocês, não mandei ninguém invadir meu baile de aniversário. Agora precisamos seguir com a encenação, não vou deixar as pessoas alarmadas pensando que não posso protegê-las. De qualquer forma, tenho um compromisso mais importante para atender agora, então teremos que resolver isso de manhã."
"Ah é? Qual?" Liza perguntou com ironia, irritada.
Vicenzo a fitou com seriedade.
"Meu sono."
A jovem ficou sem fala. Observou Vicenzo pressionar o dedo indicador de uma das mãos sobre o sensor integrado na maçaneta, destravando a tranca. Ele saiu do cômodo resmungando algo sobre ter perdido o clima para festejar, e Nathaniel o seguiu.
Sozinha e inquieta, ela correu até a grande janela, mas elas também estavam trancadas com o que parecia ser o mesmo sistema das portas. Xingou mentalmente a tecnologia avançada do clã DiCaselle, mas teve que concordar que uma queda de dois andares não seria nada bem-vinda.
Ela andou até a porta, sem muitas expectativas. Já esperava a mensagem de erro depois de pressionar um dedo aleatório no leitor biométrico, mas se frustrou mesmo assim. Precisava sair dali, precisava encontrar Kyle. A memória do olhar desamparado do homem ainda estava fresca em sua mente, a deixando apreensiva.
A garota começou a andar em círculos, sem saber o que fazer. Estava grata por Vicenzo ter lhe dado uma chance, mas seu grupo não sabia que tudo havia sido uma bela atuação. Seu humor apenas piorou quando uma chuva forte começou a cair do lado de fora.
De repente, ela ouviu alguém tossir fora do cômodo. O som a fez parar de vasculhar o guarda-roupa imenso em um dos cantos do quarto e correr até a porta, esperançosa. Liza bateu na madeira com força, ignorando a dor que invadiu suas palmas.
Após segundos que pareciam intermináveis, o sensor da maçaneta emitiu uma luz verde. Ela sentiu o sangue correr mais rápido nas veias quando a maçaneta se moveu, mas um homem desconhecido foi tudo o que ela encontrou do lado de fora. Julgando pelas roupas pretas com detalhes dourados, ele com certeza fazia parte da guarda de Vicenzo.
"O que foi?"
Liza limpou a garganta. "Preciso ir ao banheiro."
O segurança esboçou uma expressão aborrecida e indicou os fundos do quarto, onde havia uma porta branca e fechada. A jovem ergueu as sobrancelhas com ironia; é claro que aquela mansão chique e gigante teria uma suíte em todos os quartos.
"Pode desistir, eu sei que você está louca para fugir e cumprir as ordens do desertor, mas enquanto eu estiver aqui, ninguém sai ou entra desse quarto."
Quem é o desertor?" Ela perguntou, confusa.
O estranho soltou uma risada sarcástica.
"Boa tentativa."
Ele fechou a porta e o bipe da tranca sendo ativada soou pelo local. Indignada, Liza bufou e bateu na superfície da abertura novamente, mas não obteve resposta. Ela então grunhiu, desesperada. Não iria conseguir dormir, não com aquele sentimento lhe atormentando.
Sem um relógio, ela perdeu a noção das horas. Em algum momento se dirigira até a janela para observar a chuva incessante. Relâmpagos iluminavam o cômodo ocasionalmente, seguidos por trovões estrondosos. Estava desejando que o tempo passasse mais rápido quando ouviu um baque ao lado de fora, e algo se bateu contra a porta.
Ela se assustou com o som, correndo até a abertura sem nem pensar. Fitou ansiosa os padrões entalhados na madeira, depois a maçaneta eletrônica. Estava decidida; se alguém abrisse a porta, ela correria como nunca. Correria até que seus pulmões implorassem por ar, mas não pararia, não até que chegasse em seu destino.
A tela emitiu uma luz verde e a tranca cedeu. Ela não esperou um segundo sequer. Segurou a maçaneta e a puxou ao mesmo tempo em que outra pessoa empurrava. O impacto a fez recuar alguns passos, mas o que ela encontrou do outro lado a surpreendeu mais.
Kyle estava encharcado, uma fúria nítida brilhava em seus olhos. O corpo do segurança estava caído aos pés dele, inconsciente. No momento em que ele enxergou Liza, porém, toda a raiva sumiu. Ela não conseguiu decifrar aquela expressão, pois no segundo seguinte ele a tinha em seus braços.
O homem a abraçou com força, como se quisesse se certificar que ela era real. Seu corpo estava trêmulo, as roupas pretas molhadas. A respiração ofegante denunciava que ele havia corrido até ali.
Ela se arrepiou ao sentir o tecido gelado contra seu corpo, mas não recuou. Estava muito perplexa para se mover, para fazer qualquer coisa, mas ainda assim levou os braços até as costas tensas dele. E, pela primeira vez naquela noite, se sentiu realmente segura.
"Eu estou bem," sussurrou em uma tentativa de acalmá-lo. "Estou aqui."
Kyle se afastou apenas o suficiente para encará-la de perto. As íris azuis a analisaram em um misto de sentimentos que Liza não conseguiu descrever. Mãos fortes emolduraram seu rosto com cuidado, e ela estremeceu ao sentir o homem tocar lentamente a testa na sua.
"Pensei que... Só de pensar em alguma coisa te acontecendo, eu..."
Ele não parecia encontrar as palavras certas, e um sorriso emotivo tomou forma nos lábios da garota. O barulho da chuva intensa era alto, mas reconfortante.
"Está tudo bem agora."
O outro soltou uma risada rouca e sem humor algum ao balançar a cabeça negativamente e recuar um passo. Parecia estar sendo sufocado por algo.
"Não, não está. Lutei com isso por tempo demais, mas a verdade é que eu perdi há tempos." Ele segurou uma das mechas soltas do penteado da jovem enquanto a observava. "Perdi desde o momento em que você entrou naquela sala de reunião e fez todos sucumbirem a sua vontade porque alguém que você amava estava em perigo."
Liza segurou a mão dele, seu coração desenfreado.
"Fiquei irritado na época, mas no fundo sabia que eu faria o mesmo por você. Faria pior. Eu destruiria todo aquele prédio. Eu destruiria uma cidade inteira. Elizabeth, eu não consigo nem imaginar o que eu teria feito se algo tivesse acontecido com você hoje."
Kyle a fitou com tanta intensidade que ela perdeu o ar. Na realidade, ela já não se lembrava como respirava. O sentimento em seu peito não cabia ali, insistindo em escapar pelos seus olhos.
"E eu sei que isso pode me destruir de novo." Ele se aproximou novamente, decidido. "Sei disso, e eu não ligo. Mesmo que me destruísse em mil pedaços, valeria a pena por você."
Liza abriu a boca, mas não conseguiu emitir som algum. Suas mãos se ergueram de forma automática até o rosto de Kyle, mas ele se moveu antes mesmo de ela o puxar para perto. Quando seus lábios finalmente encontraram os dele, uma corrente elétrica pareceu percorrer o corpo dela por completo. Ele a puxou pela cintura, e ela se arrepiou ao fazer contato com o tecido molhado.
A temperatura fria, porém, logo se esvaiu. Os lugares onde o homem a tocava incendiavam todos os seus sentidos, como se uma ardência urgente a consumisse pouco a pouco. E ela não queria se afastar, não conseguia.
Estava tão imersa no beijo que só percebeu que eles tinham se aproximado da porta ao sentir suas costas atingirem a madeira entalhada. Dedos subiram por sua nuca e agarraram seus cabelos, fazendo com que o coque elaborado se desmanchasse. Ela deixou um murmúrio audível escapar, sendo ainda mais pressionada contra a superfície como resposta. A abertura se moveu com a pressão, mas algo impediu que ela se fechasse por completo.
Uma espécie de lamento dolorido soou pelo quarto, e Liza se assustou.
Recuando um passo, ela fitou o braço estendido próximo de seus pés. Lembrou do segurança que estava guardando o lugar antes de perder a consciência, mas ao fitar o culpado pelo estado do estranho, percebeu que este não aparentava estar arrependido pelo feito. Com o pé, ele empurrou o braço para fora do cômodo, e os dois adultos observaram em silêncio a abertura se fechar, ativando a fechadura eletrônica.
"Agora você ficou preso aqui."
O sorriso malicioso e novo que ele esboçou fez as bochechas e algumas outras partes do corpo dela esquentarem.
"Você fala como se eu quisesse sair."
Braços fortes a trouxeram para perto novamente, e as mãos desceram furtivamente até seu quadril. No momento seguinte, ela foi impulsionada para cima e soltou uma risada abafada ao entrelaçar as pernas na cintura dele, se deixando ser carregada. Deslizou os dedos pelos cabelos molhados após ser deitada no colchão, mas percebeu que a atenção dele estava em seu pescoço.
Era nítido que Kyle estava se culpando pelo ocorrido. Ela lembrou das feições faciais hesitantes deste antes de a soltar, como se aquilo fosse um enorme sacrifício. Engoliu em seco e acariciou o rosto dele, tocando o sinal de nascença em seu queixo com o polegar e pressionando os lábios ali em seguida.
A demonstração de carinho genuína fez algo reluzir nas íris do homem, que se abaixou e depositou um beijo demorado abaixo do corte, trilhando para baixo. Liza se arrepiou ao senti-lo deslizar as alças do vestido por seus ombros, vendo um explícito brilho de interesse surgir nos olhos azuis assim que eles contemplaram o que antes estava oculto.
A jovem já não conseguia pensar direito quando a boca encontrou um de seus seios, arquejando com a sensação eletrizante que a pegou de surpresa. Totalmente refém dos toques estimulantes, ela conteve os murmúrios insistentes enquanto ofegava. O outro continuou sua trilha torturante e sem pressa, parecendo não se afetar com a agonia da garota ao remover lentamente o tecido, mas não demorou mais do que alguns segundos para alcançar seu destino.
Ela fechou os olhos e deixou um gemido escapar, se deixando ser consumida em todo aquele prazer. Precisando se firmar em alguma coisa, agarrou firmemente os lençóis macios, arfando audivelmente. Suas reações entregavam claramente quais eram seus pontos sensíveis, e ela arqueou as costas ao sentir o homem se concentrar no mais vulnerável deles.
Já não ouvia a chuva, apenas os próprios batimentos cardíacos. Ela sentiu algo aumentar em seu interior, implorando para ser saciado, preenchido. Seus músculos se contraíram em antecipação antes de uma libertadora onda de alívio percorrer seu corpo, a tirando da realidade. Não soube dizer por quantos minutos permaneceu daquela maneira, mas quando ela finalmente moveu as pálpebras, ainda tentando controlar a respiração, encontrou quem havia a deixado daquela maneira logo acima dela.
Kyle a encarava com os cantos da boca curvados de maneira travessa. Parecia se divertir com o momentâneo estado extasiado em que ela se encontrava.
"Você está adorando isso, não?"
O sorriso dele se alargou. "Não mais do que você, pelo visto."
A jovem deixou uma risada escapar e o puxou para perto, seu coração ainda acelerado quando ele tirou a blusa. A visão da pele nua e repleta de cicatrizes a encantou, e ela traçou uma das marcas pelo tronco ainda úmido. A lembrança de que ele havia se ferido, a lembrança de que ele havia se curado.
Mãos fortes voltaram a explorar o corpo dela como faíscas que iniciavam um incêndio, e ela moveu os dedos até as calças dele quase que desesperadamente. Prendeu a respiração ao encontrar o que procurava, mas franziu o cenho ao notar as feições sérias do outro, como se ele quisesse confirmar algo. Sorrindo de leve, ela puxou o rosto dele lentamente e selou os lábios dele com os dela.
Ele relaxou com o gesto, e no momento seguinte se enterrou lentamente dentro dela. Liza agarrou as costas dele com força ao sufocar um murmúrio. A sensação era estranha, nada como ela esperava, e a dor a atingiu sem aviso algum ao passo em que ela juntou as sobrancelhas.
A expressão de angústia causou um desconforto aparente em Kyle. Ele segurou o rosto delicado e limpou uma lágrima que ameaçava escapar pelo cantos dos olhos castanhos, imóvel.
"Quer que eu pare?"
"Não, estou bem." A garota respondeu baixo, respirando fundo. Gradativamente, ela estava se acostumando com aquilo. "Eu te aviso caso eu queira.
O outro assentiu, e após ela soltar um suspiro contido, ele começou a se mover. Mesmo se tentasse descrever o que sentia, ela não conseguiria. Era dolorido, mas ao mesmo tempo havia algo nas investidas que lhe proporcionava prazer. Se fosse resumir em uma palavra, chamaria de estranho, mas ainda assim sentia algo forte em seu peito, algo que lhe preenchia, que a deixava feliz.
O sentimento a inundou durante o ato, fazendo com que ela ansiasse por mais. Ergueu os quadris quase que instintivamente, tendo dificuldade em controlar a própria respiração. Ao fitar as íris azuis que estavam fixadas nela, enxergou o desejo, o carinho. Enxergou todas as palavras não ditas, os momentos que haviam passado juntos. Enxergou o amor, tão claro como o que ela estava sentindo naquele momento.
E o descontrole, também. Ter a consciência de que era a única que causava aquela reação nele só intensificou emoções dela, se é que aquilo era possível naquele ponto.
Ela arquejou ao sentir o homem aumentar a velocidade dos movimentos, já não se importando em impedir que os gemidos escapassem. Fechou os olhos e sentiu as costas dele se enrijecerem em seus dedos, ouvindo um murmúrio aliviado quando ele atingiu o ápice. Eles permaneceram naquela mesma posição enquanto se recuperavam, ambos ofegantes.
A jovem ainda não tinha movido as pálpebras quando foi pega no colo. Braços cuidadosos deitaram sua cabeça contra um travesseiro macio, e depois a cobriram com uma colcha branca. Ela abriu os olhos ao sentir dedos calejados acariciarem seu rosto, observando a silhueta de Kyle no escuro. Ele fitava a ferida no pescoço dela com uma expressão complexa.
"Quem tratou isso?"
Foi naquele momento que Liza se deu conta que ainda não havia explicado a situação. Como ele havia a encontrado sem qualquer outro ferimento, provavelmente já tinha deduzido que o líder do clã DiCaselle não era exatamente um inimigo.
"Vicenzo. Ele está do nosso lado, mas teve que fazer uma atuação para enganar os guardas. Disse que não queria fazer isso, mas o corte foi necessário porque você estava fora de controle."
O semblante dele se fechou ainda mais.
"Como ele esperava que eu fosse reagir? Aquilo não parecia uma oferta de amizade, estava mais para um convite para matar."
Ela riu baixo, notando que as feições do outro se suavizaram. Ele continuou analisando a ferida com as sobrancelhas levemente franzidas.
"Para ser honesta, ele não parecia saber exatamente o que estava fazendo, mas foi um gesto de paz, eu acho. Amanhã vamos poder conversar com ele com calma." Liza sorriu ao pensar no moreno se atrapalhando com os medicamentos, mas lembrar do grupo detido a fez arregalar os olhos. "E os outros? Como eles estão?"
"Bem, eu presumo. Conseguimos fugir da cela, cada um foi para um lado te procurar. Nossa maior suspeita era que você estaria por aqui, então seu irmão acionou um alarme em outra ala da mansão e o caminho ficou limpo."
A garota sorriu, nada surpresa. "Como vocês fugiram?"
"Quando nos prenderam, deixaram duas peças bem perigosas soltas."
"Giovora e Hikari," ela adivinhou. "Droga, queria ter visto isso."
Kyle curvou os cantos dos lábios, e o peito dela se aqueceu. Se aproximou e abraçou o corpo dele, inspirando seu cheiro. Ele acariciou o cabelo sedoso em resposta, relaxado. Após alguns minutos, porém, a voz baixa e grave interrompeu o silêncio do cômodo.
"Eu não planejava voltar da mansão Hale."
Sem entender aquela fala, Liza se afastou um pouco para o fitar. O homem abriu e fechou a boca, não acostumado com aquilo. Por fim, soltou um longo suspiro antes de continuar.
"Eu jurei para mim mesmo, nada seria mais importante do que cravar uma bala na cabeça daquele desgraçado. Era meu propósito, nada deveria atrapalhar isso. E eu ia apertar aquele gatilho, era o que eu mais desejava, mas então ele colocou as crianças em perigo, colocou você em perigo."
A jovem segurou a mão dele com pesar ao relembrar o ocorrido, mas deixou que ele continuasse.
"Uma parte de mim, a que eu mais odeio, gritou para que eu atirasse. Ela não se importava com nada, só queria vingança, não acreditava que sairíamos vivos dali." Ele parecia estar se esforçando para colocar aquilo para fora, como se fosse algo que o envergonhasse. "Ela não se importava com o futuro, ela não queria um futuro."
Kyle entrelaçou os dedos nos dela.
"Mas, quando a hora chegou, eu não consegui matar ele. Minha outra parte falou mais alto, ela disse que eu tinha algo mais valioso para cuidar. Algo que valia a pena. Ela estava certa."
Liza comprimiu os lábios e tentou reprimir as lágrimas. Encarou ele nos olhos, o coração batendo forte em seu peito.
"Eu soube desde aquele dia que tinha uma família, e aquilo me apavorou. Todas as vezes que ousei ceder e criar laços, usaram estes para me enforcar. Depois de perder tanto, eu não queria ceder, não queria me deixar ser vulnerável. Eu tentei não me apegar com as crianças, mas manter isso se tornou impossível depois que você chegou. Foi difícil fingir não me importar quando só o pensamento de algo te acontecendo me deixava louco."
Ele franziu levemente o cenho ao relembrar de algo.
"Quando você levou aquele tiro, eu finalmente acordei. Pensei que estava imune, tinha certeza de que não sentiria nada por ninguém, nunca mais, mas então... algo mudou. E eu não consegui controlar, tentei afastar, fiz de tudo para impedir, mas foi em vão. A parte indiferente se negou a acreditar, mas você despertou algo em mim."
Mesmo emocionada, a garota estava admirada; não estava acostumada com o outro falando tantas palavras em sucessão, mas interrompê-lo era a última coisa que ela pretendia fazer.
"Despertou várias coisas, na verdade. A parte que antes queria lutar, queria combater toda a injustiça, aquela que pensei ter morrido na noite do massacre, ela foi revivendo ao ver você lutando. O jeito que você convenceu todos a salvarem Lucas e criou o início de uma revolução no processo, isso só fez com que eu me apaixonasse mais. E eu quis lutar com você, do seu lado, por um futuro."
Liza já estava chorando antes mesmo que ele terminasse, e aquilo a irritou, pois o homem já tinha feito ela chorar três vezes naquela mesma noite.
"O que eu estou querendo dizer é que eu parei de dar ouvidos para aquela parte indiferente há tempos. Desde que você chegou, algo dentro de mim quis lutar por um futuro. Um futuro em que eu poderia acordar todos os dias e não me sentir como antes, um futuro em que haveria justiça, onde as crianças pudessem ser felizes... Um futuro em que você estaria ao meu lado."
Ela o abraçou com força, não conseguindo se conter. Suas lágrimas molharam o tronco do homem, mas ele não pareceu se importar quando a envolveu com os braços e a apertou contra ele. Seu peito parecia explodir com o turbilhão de sentimentos ali dentro, mas ela conseguiu murmurar algumas palavras coerentes em meio ao choro.
"Teremos esse futuro. Nele, as crianças vão nos acordar todos os dias, animadas. Elas vão poder ir para a escola, andar nas ruas sem medo. Thomas já vai ter aprendido a andar, e talvez Ava consiga falar de novo. O país vai estar diferente, e a Alpha vai desaparecer para sempre. Nós seremos felizes."
Kyle inspirou o pescoço dela, sem a soltar. Sua voz estava mais baixa do que o normal, mas ainda assim soou firme quando ele sussurrou a promessa.
"Então vamos lutar por ele."
E Elizabeth lutaria. Mesmo que ficasse sem forças, ela se ergueria das cinzas e faria o impossível para alcançá-lo. Sem sequer procurar, ela tinha encontrado uma nova família.
Não iria perdê-la novamente.
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[5300 palavras]
vocês estão ouvindo o coro de aleluia? porque eu só consigo ouvir meu choro mesmo. sem brincadeira, eu por pouco não chorei escrevendo isso aqui, e eu não choro escrevendo. isso que dá ficar guardando sentimento, quando explode já viu
admito que tava meio óbvio que o vicenzo era neto da lídia, mas o que vocês não esperavam era ele ter herdado a personalidade da vó KKKKK só que mais sociável. vai dar pra ver melhor nos próximos capítulos
cinco mil palavras de puro surto, espero que gostem 💕
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