IX - H a n n a
Os dedos dele percorrem as teclas do piano de um jeito experiente. Acompanho seus movimentos rápidos e precisos.
Encosto-me no piano, espantada com a sua habilidade. A nevasca lá fora agora é um fato bobo e distante.
Tento não transparecer como me sinto realmente: surpresa e eufórica por tê-lo beijado. Eu nunca tomei a iniciativa com um garoto antes! Foi algo tão... espontâneo!
Eu apenas olhei para o rosto de Nate, tão próximo e tão bonito (como eu nunca reparei na beleza dele?) que apenas inclinei-me mais e mais, até beijá-lo.
Talvez Nate me ache uma maluca.
Mas ele disse que gosta de mim!
Isso é tão estranho! Eu beijei o nerd da sala, o cara para quem eu levava meus cadernos após ele sofrer um acidente, acidente esse que gerou um segredo que ele revelou para mim momentos atrás.
Será que tudo está relacionado ao Natal em nossas vidas? Continuo detestando essa data.
Eu não acredito em destino, não quando minha mãe foi tirada de mim no Natal, mas há algo acontecendo aqui nessa biblioteca. Talvez seja meu azar indo embora...
Quando Nate começa dedilhar as teclas da mesma canção que estava tocando quando entrei na biblioteca, lembro da música e dou um gritinho.
━Baby it's cold outside!
Ele para de tocar, inclina-se e segura minha mão. O toque gentil e quente dele faz um calor espalhar-se por minhas bochechas.
━Gosta dessa música?
━É a minha favorita de Natal.
Não menciono que meus pais sempre cantarolavam a música nas semanas que antecediam o Natal, mas lembro perfeitamente de como eu e meu irmão ficávamos dançando de mãos dadas em volta dos dois, ecoando suas frases.
━Desde quando toca piano? Pergunto, sentindo minha garganta apertar com as lembranças e desejando mudar de assunto.
━Desde sempre. Minha mãe é professora de piano.
━E por que estava tocando essa música quando cheguei? Há algum motivo específico? Resolvo tagarelar perguntas idiotar para tentar parar de lembrar.
━Era essa a música que estava tocando no rádio quando sofri meu acidente.
Ele dá um sorriso amarelo e desvia o olhar. Seus dedos largam os meus e sinto frio com o distanciamento. Mordo os lábios e faço outra pergunta, pois há uma curiosidade crescente dentro de mim acerca da vida de Nate:
━Ela não te traz más lembranças?
Nate ri baixo e me sinto uma idiota. Que pergunta estúpida.
━Trás, mas gosto de ressignificar as coisas. Ela também pode se tornar a música que completa um ritual da sorte e embala dois adolescentes presos numa biblioteca no Natal.
Engulo em seco, tomada de surpresa por suas palavras. Seus olhos são intensos e carregados de uma honestidade bonita que eu nunca vi em nenhum outro garoto. Sinto vontade de inclinar-me e tocar seus cabelos, suas bochechas e beijá-lo, mas cruzo os braços, pensando em suas palavras.
Lembro da minha mãe, da voz dela ecoando pela cozinha apertada da nossa casa e das últimas palavras que me disse antes de ir trabalhar: volto à noite para o nosso Natal mágico.
Foram tantos Natais trágicos, ao invés de mágicos, mãe. Encaro Nate e ergo o queixo.
━Gostei disso de ressignificar as coisas, murmuro com um pouco de vergonha. Acha que posso ressignificar o Natal?
━Não acho, eu tenho certeza. Não querendo soar convencido, mas acredito que eu já ressignifiquei o Natal para você.
Nate dá uma piscadinha e preciso olhar para baixo para não me perder mais ainda em seus maneirismos fofos, no carisma das suas palavras e na beleza das suas feições.
━Acho que podemos finalizar o ritual então, digo com um sorriso.
Respiro fundo e me preparo para cantar. Os dedos dele percorrem as teclas de maneira relaxada e precisa, sem olhá-las. Para minha surpresa, é Nate quem começa a canção.
━I really can't stay...
Eu, depois de ouvir meus pais cantarem a música por anos, sei toda a letra de cor, portanto, continuo:
━Baby it's cold outside
━I gotta go away
Nate interpreta conforme canta e me pego sorrindo largamente. Ele é engraçado e, quem diria, cheio de talentos escondidos...
━Baby it's cold outside
Sinto vontade de conhecê-lo melhor a cada segundo que passamos nessa biblioteca e uma vibração pulsa em meu peito ao ouvir sua voz após a minha:
━This evening has been
Continuo, olhando-o fixamente e cantando da melhor maneira que encontro, fazendo floreios com a voz, como sempre fiz desde pequena:
━Been hoping that you'd dropped in
━So very nice
Conforme cantamos, relaxo a tensão nos meus ombros e movo-me conforme o ritmo. Danço em volta dele, canto em seu ouvido, rio das suas caras e bocas e esqueço completamente dos outros Natais.
Em alguns momentos Nate estica o braço e puxa-me pela cintura, então desenrolo-me do seu abraço e faço piruetas para longe, floreios com as mãos e movo-me como se deslizasse no ritmo suave do piano.
━I wish I knew how
━Your eyes are like starlight now
Nesse momento sento ao lado de Nate no banco do piano e apoio meu queixo em seu ombro conforme ele toca, olhando-me intensamente enquanto o faz. A letra faz tanto sentido para nós, para o momento, que sinto meu rosto esquentar.
━To break this spell
━I'll take your hat, your hair looks swell, canto.
Passo uma das mãos pelos cabelos dele, finalmente sentindo sua textura. Meu nariz encosta em seu pescoço e ele continua, agora num tom mais baixo:
━Mind if move in closer? Nate encosta a cabeça na minha e ouço seu coração bater com rapidez.
━At least I'm gonna say that I tried
━What's the sense of hurting my pride?
━I really can't stay, murmuro, quando eu quero dizer o contrário.
Toco as mãos dele por cima do piano e sigo-as conforme cantamos o final da letra. Só percebo que o dueto terminou quando ele me abraça e, só então, percebo que estou chorando.
Agarro-me a Nate com carinho e adoro o cheiro dele: suave e doce. Quando nos afastamos, ele me beija com carinho e seca minhas lágrimas.
━Esse Natal foi diferente para nós dois. Realizei um sonho, te beijar. E você quebrou sua corrente de azar anual.
Ele fica completamente vermelho e tenta disfarçar dando uma risadinha.
Nesse momento, vendo-o envergonhado, um garoto querido, gentil, engraçado e bonito no qual eu nunca reparei, percebo: estou apaixonada por esse menino.
Quando nos damos conta do horário olhamos para a rua e, através da janela, conseguimos ver tudo nitidamente.
A neve já derreteu lá fora. Nos olhamos com um pouco de pesar.
Não sei o que deveria dizer nesse momento. Mordo os lábios, penso, penso e penso, mas não consigo falar nada. É Nate quem levanta-se, pega meu casaco e o entrega para mim.
━Vai passar o Natal com a sua família? Ele pergunta.
━Sim, mas não comemoramos o Natal, como você deve imaginar.
Meço a dose de ironia na minha voz. Nate ri, segura a minha mão, beija minha bochecha e diz:
━Eu adoro quando você é irônica.
━Anotado, serei irônica mais vezes com você.
━Só não machuque meus sentimentos, ele diz, brincando.
Mas a frase é tão real que fecho os olhos e balanço a cabeça. Não posso magoá-lo. Ele gosta de m de verdade, mesmo que eu nunca tivesse tomado conhecimento disso.
Ele deve ter idealizações sobre quem eu sou, mas a verdade é que eu sou triste. É difícil ser uma pessoa feliz após perder a pessoa mais importante da minha vida. Mais difícil ainda é tornar o Natal tolerável depois dessa perda.
━Nate, eu não sou aquela garota confiante que dança nos jogos, murmuro com frustração.
━Então alguém assume o seu corpo quando você faz aqueles movimentos?
Ele arqueia as sobrancelhas com uma expressão tão incrédula que preciso rir.
━Certo, talvez eu também seja aquela garota. Mas eu não sou tão feliz quanto transpareço ser.
━Tudo bem, eu também não. Ninguém é, Hanna.
━Não acha que vai se decepcionar se me conhecer melhor? Pergunto com hesitação, sem coragem de encará-lo.
Em minha mente, vejo minha mãe sorrindo e me abraçando.
━Acho que conhecemos mais as pessoas quando as observamos sem que elas percebam. Eu conheço você muito bem. Eu soei como um psicopata agora, mas não foi essa a intenção, desculpe.
Rio e abraço-o pela cintura. Gosto da maneira como ele rodeia meus ombros com seus braços.
Nos afastamos para pegar nossas coisas e indago:
━E a sra. Weiss?
━Acha mesmo que vou estar aqui para ela ver a bagunça que fizemos com os livros?
Ele dá uma risada nervosa e aperto sua mão com mais força.
Quando pisamos fora da biblioteca, a rua continua vazia. A neve derretida cria poças sobre os paralelepípedos.
━Para qual lado você vai? Pergunto, chateada por ter de me separar dele.
E dizer que eu nem conhecia esse garoto! Em um dia já descobri o segredo dele, beijei-o e toquei uma música com ele. Além disso, agora algo está pulando dentro do meu estômago como... Borboletas! Engulo em seco. É esse o preço do ritual? Ficar apaixonada?
Quando ele sorri, vira-se para mim e pergunta:
━Quer passar o Natal comigo e ressignificar de vez essa data?
Eu sei que eu pagarei esse preço com alegria.
━Eu adoraria, Nate.
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