
60 - Razão e Emoção
"Como as folhas com o vento, até onde vai dar o firmamento. Toda hora enquanto é tempo, vivo aqui este momento."
L.S Jack
Rodando desnorteado pela praça, Petrus xingava em palavreados chulos as pessoas que deixavam a vaidade e os motivos fúteis lhes tomar a cabeça.
Por aquele motivo uma pessoa acabava de morrer e outra quase detonava o seu relacionamento com Zahra.
Isso se a garota lhe perdoasse por ter tocado os seios da princesa.
Enquanto deixava o medo e a raiva lhe abandonarem de maneira vagarosa, sentiu uma mão lhe tocar o seu ombro, fazendo de vez, cessar o seu falatório solitário.
— Está biruta, cara? — Caleb o questionou com a sua expressão de deboche. — Se ficar falando sozinho, podem te internar no manicômio!
— Não. Eu só estou irritado com as gabolices dessas pessoas de Epimoni! — Petrus se irritou, batendo o punho em uma árvore que havia no canteiro. — Onde acham que estão? No circo?
Caleb o encarou por alguns instantes, até cair completamente na gargalhada.
— Mais ou menos isso! — Ele esmurrou de leve o amigo, tentando irritá-lo um pouco mais. — Mas deixe esses empesteados com o destino deles, pois Mestre Minkabh quer ver você e parece meio urgente.
Petrus ajeitou a roupa, que parecia amarfanhada e tentou parecer um pouco mais refinado, pois quando se tratava de um chamado de seu mentor, a coisa era um pouco mais séria que os seus protestos pessoais.
— Está acontecendo algo?
— Está acontecendo muita coisa por aqui recentemente! — falou Caleb.
O moreno ficou sério instantaneamente.
— Mas trate a minha irmã com carinho — reforçou Caleb —, e não abuse dela, pois ela está ferida! — Fechou carranca, como se estivesse com ódio.
Era somente tocar no assunto que incluía Zahra e o fatorar ao perigo, que aquilo se tornava muito mais que um estimulante para que Petrus voasse — e não somente corresse —, até o templo.
— O quê? — Antes mesmo de terminar a frase, o loiro estava cruzando toda a rua e se dirigindo para a Cidade do Céu.
Caleb o encarou de longe, sabendo que aquilo poderia agravar muito mais as coisas, porém, o que estava feito, estava feito. E aquele era o seu ponto.
Caminhou pensativo, todavia, com uma expressão terrível na face e um sentimento inquieto jacente em seu peito.
Conforme os minutos iam se amontoando, Jocka sentia algo estranho se aproximar.
Queria ter um sexto sentido e poder ativá-lo, pois de alguma forma, o seu mestre não havia aparecido em um encontro marcado pela primeira vez em muito tempo.
Na verdade, ele nunca havia faltado.
Enquanto o grandalhão esperava por uma punição monstruosa por ter deixado escapar não só uma, mas as duas presas que buscava naquela noite, ele notou que talvez o encapuzado não aparecesse.
E aquilo só o deixava mais nervoso.
Apertando as mãos rechonchudas uma contra a outra, ele já formulava desculpas e mais desculpas. E talvez o seu mestre pudesse dá-lo mais uma chance, ao dizer que mesmo perdendo-as de vista, ficou procurando por elas no mato até aquele instante.
Mas não.
O homem com sua capa não deu as caras aquela noite
O que fez com que Jocka retornasse à cidade, mas ainda sim, esperando por um açoitamento breve.
Deitada sobre a tábua corrida gélida do aposento de Seth, Afrodite folheava cada página do diário de sua mãe.
Havia uma longa história ali. Haviam vários tabus aprisionados ao longo de anos. Mas algo chamou mais a atenção da moça do que tudo o que estivera grafado até ali.
Em uma página parda e tão antiga, jazia novamente o poema de sua mãe. Porém, a data era muito anterior; tão antiga quanto o seu próprio nascimento.
Mil novecentos e noventa e dois era o que dizia a data de criação.
Mas por que sua mãe copiara aquelas linhas, anos depois, para só aí então, indicar a sua prisão?
Não fazia sentido, assim como muitas outras coisas ali escritas, das quais Afrodite não conseguia compreender.
Todavia, algo a moça conseguia entender: com o trunfo do pedido de registrar a morte de sua dioneia em seu livro, a rainha os tinha deixado um tesouro muito poderoso.
Guardou o livro e a chave do calabouço embaixo de seu xale e se encaminhou furtivamente até o seu quarto, de onde esconderia ambos em um fundo falso do seu assoalho.
Enquanto se dirigia para a Cidade do Céu, Hector observou com cautela todo o Casebre na Mata.
O local parecia abandonado como sempre e sendo assim, ele decidiu que seria seguro levar Mariah e Zahra para ali.
Porém, não poderia adormecer nem um instante, pois era completamente perigoso baixar a guarda. Ainda mais agora que ele sabia que estavam sendo realmente perseguidos.
Seguiu sentindo como se a vida fosse um cubo mágico, que toda hora mudava, revelando uma nova faceta.
Ao adentrar no templo de seu mestre, Petrus se sentiu assombrado com a aparência pálida de Zahra.
A garota parecia sentir dor em sua coxa, que estava atada em um curativo perfeito.
“Hector”, pensou Petrus, ao se lembrar dos curativos que o amigo fazia, quando se machucavam no trabalho.
O rapaz realmente levava jeito para a coisa e vivia salvando várias situações.
No entanto, ainda pensativo, o loiro se aproximou da amada, lhe afagando os cabelos. No entanto, nada deixou de apagar o desconforto unânime que se instalara ali.
Petrus tomou espaço no sofá, ao lado de Zahra, enlaçando-a pela cintura com todo o cuidado.
Todavia, estava difícil esconder o incômodo por detrás de seus olhos verdejantes.
O temor parecia fazer moradia no coração do rapaz e mesmo Zahra estando apática, pôde notar.
— O que há? — questionou-o com seus olhos de champanha.
— Não é nada. É apenas toda essa situação em que você se encontra! — ele mentiu. — O que pode levar alguém a querer fazer isso com você?
Ele a acariciou na face, beijando-a de maneira terna.
Por alguns instantes os olhares se enfeitiçaram, amenizando a preocupação e a dor, prolongando assim o beijo.
— Nós vamos desvendar os mistérios, Petrus! — Minkabh se aproximou, um pouco mais sério que o normal. — Mas agora preciso muito falar contigo, em particular...
O ancião o chamou com o olhar, para que ele lhe acompanhasse até uma das saletas que se estendiam ali dentro daquela construção grandiosa.
Petrus se ergueu do sofá, selando os lábios de Zahra mais uma vez.
— Eu volto logo, meu amor!
Sorriu, um pouco moribundo.
— Eu lhe espero!
Afastaram-se do salão principal, deixando Zahra com seus pensamentos, enquanto se dirigiam para um pequeno cômodo, não muito distante dali.
Era uma pequena sala acarpetada e com as paredes pintadas de um azul tão celeste, que só de estar ali, podiam acreditar que estavam em paz.
Ambos se sentaram lado a lado, em um pequeno sofá de camurça bege.
— Eu vou direto ao ponto, meu filho: — Minkabh resolveu não fazer cerimônia — a missão poderá precisar de ajuda e cada mestre selecionou um de seus afilhados para partir, caso se faça necessário… e entre você e o Caleb, eu escolhi você!
Petrus lhe dedicou um sorriso afetado de nervosismo. Estava contente por talvez estar perto de Zahra, mas estava completamente curioso pelo motivo de Minkabh o ter escolhido.
— E o que acontece exatamente nessa ajuda?
— Você entrará nas trilhas mágicas, através dos meus artifícios, pois em momento de ajuda, um instante perdido é muito. — Notando o olhar suplicante de Petrus, o mago resolveu chegar ao ponto em que ele queria: — e qualquer falha pode fazer com que Hector e Zahra nunca mais retornem para a realidade!
Petrus engoliu em seco, tentando se esquivar do encargo que poderia cair sobre as suas costas.
— Eles morrerão? — perguntou de uma maneira esganiçada, mas não escandalosa.
— Basicamente! — respondeu Minkabh, sem rodeios.
O rapaz queria combater a preocupação e o nó que se formava em sua garganta, mas era inútil, quando sabia que a vida da amada e de um amigo poderia estar em suas mãos.
— E esse momento está se aproximando? — Tentou mostrar desonestamente uma coragem que não lhe pertencia.
— Nunca se sabe! — O homem se mostrou sério. — O portal já foi aberto por eles. E ambos estão nas trilhas mágicas, por mais que não aparentem estar. Em algum momento, bem próximo, poderão ser sugados para uma missão e nós não sabemos o que pode acontecer!
— E a Zahra estar ferida assim pode ser culpa dessa batalha? — Petrus questionou, tentando degustar o medo que só crescia com o tempo.
— Não, meu filho! — A voz de Minkabh soou como o tocar de clarins: calma. — Eu não posso lhe falar sobre as cláusulas dessa missão. É um segredo que ajudará a todos mais para frente. — O ancião se aproximou mais do apadrinhado, tocando o seu ombro e tentando fortalecê-lo, como se ele realmente fosse precisar. — Mas você precisa ser forte e me prometer lutar, aconteça o que acontecer… certo?
Petrus fechou os olhos, tentando imaginar o que lhe tomaria no percurso. Parecia algo nada bom, e ainda mais, aparentava que Minkabh tinha uma prévia de tudo aquilo em suas mãos calejadas.
— Certo, mestre! — concordou, sem mais nada a dizer.
— Você só tem que estar preparado para lutar com todo o ensinamento que lhe dei. — A voz do ancião parecia o recital de algo que Petrus temia não conseguir cumprir. — E não se esqueça: em uma missão é preciso deixar todo o emocional de lado. Mesmo que isso seja difícil, em certos momentos, é preciso escutar somente a razão!
Petrus consentiu com a cabeça, deixando escapar um leve trinado de desespero.
— Seja veemente, só isso! — Minkabh se ergueu, convidando-o a se erguer também. — E lembre-se que o seu cérebro e o ideal que o levarão a lutar, é a carta magna dessa missão, e os sentimentos, meras leis ordinárias. Então não se guie pelos seus sentimentos. Nesse caso específico entre a razão e a emoção, confie somente no racional.
Petrus consentiu mais uma vez, sentindo toda a palma de sua mão suar. Afinal, nem se procurasse nos dicionários e doutrinas, não encontraria o significado para as dúvidas que se formaram na sua mente naquele instante.
“O que mestre Minkabh queria dizer com deixar os sentimentos de lado? Será que terei que matar como uma besta endiabrada? Ou será que algo mais se esconde atrás dos montes da missão e os meus olhos me enganam?”, Petrus pensou.
Não sabia.
Então apenas caminhou de volta para o salão, ao lado do velho Minkabh. E naquele exato instante, Hector adentrava ao templo, com uma silhueta destroçada.
Não estava altivo e confiante como costumava ser. Muito pelo contrário, parecia estar desolado e pronto para desabar dos rochedos que os cercavam. Porém, falar alguma coisa, estava fora de cogitação.
— Acho melhor ir para casa, Petrus! — falou Minkabh de maneira gentil. — Você tem muito com o que refletir na noite de hoje.
Petrus assentiu, ainda sem palavras. Apenas caminhou até o sofá, dando um suave beijo nos lábios de Zahra e se aproximando mais dela para se despedir.
— Boa noite! — Acariciou a face da amada, dando-lhe um sorriso. — Eu te amo!
— Vá com segurança! — Zahra pediu. — E eu também te amo!
Não precisou mais que um minuto para que o rapaz acenasse para o amigo, ainda na soleira da porta e sumisse, pelas trevas da noite, que já começavam a engolir a mata.
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