× Prólogo ×
Finalmente, mais um fim de semestre se aproximava. Tinha cheiro de liberdade, mas também de caos. Ayla brincava com a cerveja quente em seu copo, ignorando a música da Pabllo Vittar que falava sobre amor de quenga. A semana não estava sendo fácil, estava tudo uma bosta, tão amarga quanto essa cerveja barata sob a mesa. O bar, ponto de encontro dos universitários, por ser perto do campus, estava completamente lotado.
Corpos suados, nervosos, aliviados e receosos se dividiam no mesmo espaço, sem dar a mínima para a classe social neste momento. Todos parecem compartilhar de um sentimento universal: FINALMENTE, mais um semestre tinha acabado.
— ... Se anima, Ayla! Essa cara de bunda murcha não combina com você! — Tati berrou, na tentativa de sobressair as músicas da banda Deja Vu que agitava todos nesse momento. Ayla queria metade daquela energia. — Essas suas roupas aí, tão combinando com a sua cara!
Ayla observou a si mesma. Não via nada a consertar neste momento. O cabelo cacheado e preto, estava bem armado na altura dos ombros, tinha glitter em sua pele escura, alguns resquícios de sombra preta em seus olhos castanhos-escuros e uma estrelinha vermelha colada na testa.
O vestido justo de alça marcava um pouco da barriguinha saliente, devido a tanto estresse e bolo de pote durante o semestre. Ou, era o que ela julgava ser. Preferia assim, ao invés de culpar os péssimos hábitos alimentares que passou a ter desde que começou a morar sozinha.
Uma grande conquista, sair da república feminina da faculdade tinha trazido independência, liberdade, mas também lhe arrancou algumas coisas. Garotas para conversar, estudos e aflições para dividir. Claro, nem todo dia era fácil, mas na maior parte deles, eram dias bons. No entanto, liberdade era algo que ela prezava muito. Principalmente quando Tati levava as mais diversas garotas para dormir com ela e durante a madrugada, Ayla ouvia bem mais do que risadinhas...
— Não tem nada de errado com a minha roupa, sua cretina! — sorriu, ao constatar que Tati estava apenas chamando sua atenção. Tatiane cursava Direito por influência de sua família. Não era uma coisa que afetasse ela; seu sonho sempre fora se engajar nos negócios da família e abrir a empresa para atendimentos com preços sociais, mesmo que para isso, tivesse que brigar com unhas e dentes por esse direito, já que sua família só visava grandes empresas.
Tatiane era a figura completa de uma patricinha. Mimada, rica, cabelo de loira-odonto, carro dado pelos pais, bolsa de marca. Odiava ser bajulada com artigos caros, mas essa era a especialidade de seu pai.
— Espera, eu só... — Ayla resmungou, mas fora interrompida por uma vibração do celular que ela guardava no meio dos peitos. — Porra... Essa orientadora é foda...
Ayla sabia. Precisava começar seu trabalho de conclusão de curso, o famigerado TCC. Literatura, ela precisava pensar em algo urgente pois sabia que sua orientadora não pegaria leve. Ayla tinha escolhido a professora Jaqueline, a mais carrasca de todos os professores que já passaram em sua grade curricular. O motivo? Não conseguia gostar de professores bonzinhos demais.
Ela era dedicada, esforçada e gostava de tirar as melhores notas, mesmo que para isso, despertasse o ódio mortal de sua turma da faculdade. Afinal, todos queriam ser melhores em tudo, principalmente nas coisas que sequer faziam. Ayla não tinha os privilégios de Tati, por isso sempre precisou trabalhar o dobro para conseguir tudo. Nos dois estágios como revisora freelancer, sofreu para não desistir de tudo para apenas trabalhar ao invés de estudar.
Apesar disso, Tati era sua melhor amiga. Bem mais do que Ellen e Jéssica. A loira alta, rica e magérrima era dona das melhores piadas, dos melhores rolês e ninguém tirava seu lugar de melhor empata do grupinho. Tati sempre seria a favorita, menos agora, que insistia tanto para que Ayla dançasse uma música de Calypso. Ok, por alguns minutos, Tati agora se tornou sua pior amiga.
Mas, como sempre fez, Tati arrastou a amiga para a pista de dança. Tirou os saltos, os jogou de qualquer lado do bar e fez coreografias que Ayla jamais repetiria, mesmo que tivesse com uma destilaria inteira em seu organismo.
Duas cervejas depois, Ayla tinha esquecido completamente da frustração de seu TCC e agora aproveitava melhor as músicas e a dança com os desconhecidos que após o álcool pareciam quase como amigos íntimos do bar de quinta categoria perto da faculdade. Um lugar que os pais de Tati jamais poderiam imaginar que ela é a maior frequentadora. Não tinha nada além de uma pintura vermelha gasta, mesas e cadeiras de plástico, um som turbinado com luzes piscantes, um banheiro unissex e a cozinha onde preparava os petiscos e traziam a alegria líquida desses jovens receosos com seus futuros.
[...]
Tati resolveu sentar, exausta após dançar tanto e beijar uma garota de cabelo azul usando uma camiseta de político. Ayla a acompanhou e viu que Ellen e Jéssica se aproximavam, trazendo os notebooks nas bolsas e o peso de um semestre exaustivo nas costas. Ellen iria apresentar seu trabalho de fim de curso.
A ruiva de cabelo cacheado tinha tantas incertezas, mas apenas uma verdade ela carregava consigo: as coisas acontecem por uma razão, seja pela pressa ou imperfeição. A roupa meio hippie dava um ar engraçado para a futura psicóloga, enquanto Jéssica veio com uma roupa social, bem trajada como uma repórter, saindo direto da TV Universitária para o bar. Sem desculpas, sem conversas, o namoro conturbado com o cameraman da emissora já teve dias melhores e este, com certeza, não estava sendo um. Jéssica tinha flagrado seu namorado com a estagiária da rádio, se pegando na sala de reunião de pautas.
Ela nem precisou dizer para as amigas que tinha quebrado os dois na porrada. A roupa desengonçada e repuxada, o cabelo preto e liso estava com fios para cima e suas unhas impecáveis de gel estavam quebradas. Mas, no final, valeu a pena. Sávio recebeu uns bons socos em lugares que ele terá trabalho para esconder.
— Tô puta pra caralho e quero uma bebida! — Jéssica anunciou quando todas se juntaram na mesa. Ayla achava a amiga gostosa e inteligente demais para o homem meia-boca que Sávio era. Mas, sabem como são os homens, eles sempre tentarão diminuir mulheres que são boas demais para eles.
— Claro, pode deixar! — Tati se ofereceu para pegar mais cerveja, enquanto Ellen não desgrudava os olhos do celular.
— Ai, amiga, eu sinto muito... Aquele filho da puta não te merecia. Minha intuição não falha com babacas. — Ayla consolou, abraçando a amiga e dando um tapa bem gostoso na bunda grande e apertada no jeans de Jéssica. — Esse rabão aqui, ele não tem mais!
As duas sorriram e deram aquele abraço de sempre, de amigas-irmãs que se apoiam em tudo. Após as lamentações de Jéssica, a cerveja antes quente, agora estava bem geladinha e ainda mais convidativa. Ayla contou de seus problemas para as amigas. Da grana curta, da necessidade de um estágio que pagasse mais, da frustração com seu antigo projeto experimental.
Porém, toda a conversa fora interrompida por um bando de marmanjos sem camisetas que começaram a fazer barulho, cantando músicas antigas da universidade e reforçando a masculinidade em seus poros. O grupo de veteranos trazia os calouros para conhecerem o bar Bebi e Não Morri, um marco da vida universitária.
— Por que você não escreve sobre bad boys? — Ellen sugeriu, alheia aos assuntos das amigas, agora focando sua atenção em Ayla, que parou de rir na hora, sua amiga estava falando sério. — Por que você não escreve sobre esses machos gostosos que lemos em livros?
— Eu ouvi um SENTAR em macho gostoso? Já começou a sacanagem e eu perdi. Vocês são foda mesmo! — Tati reclamou e as amigas gargalharam alto, chamando a atenção dos caras. Ayla, no entanto, observou um dos caras sem camiseta e mentalmente traçou o perfil de bad boy.
Cabelo escuro ✓
Olhar misterioso ✓
Maxilar bem marcado ✓
Corpo sexy e tanquinho definido ✓
— Acho que a Ayla gostou do Tristan, o calouro que vai abalar o próximo semestre. O campus só fala desse cara... — Ellen brincou, ainda sem largar o celular, estava lendo fanfic erótica sobre o Zayn Malik. Seu maior prazer literário.
— Ah, fala sério? Nome de gringo? Você só pode estar brincando com a minha cara! — revirou os olhos para o clichê tão previsível e recebeu uma gargalha de Tati, bem audível.
— Vai se fuder, seu nome é Ayla. O destino de vocês foi traçado na maternidade, como dizia meu grande amigo Cazuza. — Tati mostrou a língua e Jéssica se dispersou do grupo, lendo as inúmeras mensagens de seu ex-namorado, agora, mais um contato bloqueado em sua lista.
— Olha, até que vejo vantagem nessa ideia louca da Ellen. Escreve sobre bad boy. São ascensão no mercado literário. Seja na magia, temos o Rhys, ou sei lá, o James da Sasha, tantos outros... Por que você não escreve sobre um gostoso com passado triste enquanto senta nele? — Jess sugeriu ao retornar à mesa.
— Eu apoio essa ideia! Vamos escolher a nova vítima da nossa amiga, antes que ela vire uma freira! Porra, Ayla, quando você transou pela última vez? Anda focada no TCC, no estágio. Quando foi a última vez que viu um pau limpinho e cheiroso bem diante dos seus olhos, amiga? — Tati provocou, já sabendo da resposta.
— Hum, eu não lembro, mas tenho certeza de que não faz muito tempo... — mentiu na cara dura, tendo o olhar desconfiado de suas amigas como resposta.
Elas não disseram mais nada, beberam num silêncio estranho. Ayla quebrou o gelo e se levantou em direção ao balcão, indo pagar a consumação da mesa. Porém, Tristan esbarrou em seu ombro e quase a derrubou. Estava distraído brincando de lutinha com um loiro gostosinho de Medicina. Tristan ainda parecia um mistério, não bem o cara que despertava algum tesão nela. Somente agora ele teve sua atenção, depois de um sorriso perfeitamente branco e alinhado pedir desculpas e em seguida, dar continuidade a lutinha infantil com seu amigo.
Naquele instante, por ironia do destino ou não, o som nada modesto tocou "Exagerado" do Cazuza. E Ayla podia ouvir suas amigas rindo ao longe, que tinham colocado a música pra tocar na caixa de som, por pura sacanagem. Após pagar a consumação e dar a festividade por encerrada, ela recebeu mais uma mensagem de sua orientadora, exigindo alguma coisa em até um mês. Ela teria que pensar em toda a parte teórica de seu TCC, no entanto, a prática poderia ser bem mais interessante.
Até que sua mente tão insana quanto a de suas amigas pareciam vibrar com essa ideia. Ayla seria uma presa fácil para o babaca bad boy e em troca, teria seu trabalho de conclusão de curso finalizado. Dizem que a prática leva à perfeição, mas Tristan não parecia ser o tipo de cara que faz nada com perfeição e sim, deixava destroços por onde passava. Ele não sabia que sua futura presa, na verdade, seria o seu maior caçador e uma completa ameaça ao seu plano de jamais se apaixonar novamente.
Syren Girl, 2023 ©
Próxima atualização: sexta-feira
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