Nate tinha um compromisso.

Ainda era cedo e ele percorria as ruas estreitas da Cidade Pacífica. Ao seu redor, os altos e imponentes prédios de concreto, alinhados lado a lado, criavam um horizonte sombrio que quase apagava os primeiros raios solares surgindo no céu. Enquanto o dia ganhava forma, a cidade também despertava. A multidão começava a preencher as ruas e o silêncio de poucos instantes atrás dava lugar a um burburinho crescente. Um segundo atrás, ele estava só, e agora precisava desviar de corpos apressados para seguir adiante.

Ele gostava de pensar nas pessoas como um grande amontanhado de formigas, marchando pelos túneis de um formigueiro e presas a uma rotina monótona e repetitiva, dia após dia. Pelo menos, por um único momento, sua imaginação o fazia escapar da sua realidade sombria.

À primeira vista, parecia que nada havia mudado desde a guerra. Contudo, a luta pela sobrevivência daquelas pessoas era tudo, menos superficial. A sociedade agora era moldada por Elostralia. Ninguém sabia mais o que era sentir orgulho por estudar, trabalhar ou construir algo próprio. O prazer de formar uma família ou perseguir sonhos havia sido substituído por um único e brutal objetivo: permanecer vivo, longe dos infectados, em um mundo devastado pelo apocalipse.

Haviam se passado apenas dez anos desde o fim da Guerra Nuclear. O mundo ainda lidava com as cicatrizes deixadas pelo conflito, mas a radiação trouxe uma descoberta: um gene oculto presente em grande parte dos sobreviventes. Quando expostos a níveis extremos de radiação, esse gene se ativava, transformando as pessoas. Elas perdiam sua aparência humana e sua essência, tornando-se criaturas ferozes, letais e consumidas por uma sede insaciável de sangue.

Mas, a humanidade encontrou formas de se adaptar. Eostralia se tornou o único lugar seguro no mundo. Construído às pressas e mesmo com uma ideia impossível de convencer as pessoas a acreditarem um novo governo criado do zero em meio ao caos, o plano funcionou. Conhecida como Illinois, a região abrigava uma área de aproximadamente 180 quilômetros quadrados e agora servia de lar para cerca de um milhão de sobreviventes. Protegida por muros de concreto com cinco metros de altura e portões rigorosamente vigiados, Elostralia era uma fortaleza impenetrável na qual ninguém podia entrar ou sair sem autorização.

Era uma prisão onde ninguém poderia escapar.

Elostralia foi criada como um símbolo de esperança, com o propósito de unir os sobreviventes do fim do mundo. Porém, a realidade mostrava que mesmo após as catástrofes, a população ainda eram divididas em classes sociais. A mobilidade social era praticamente inexistente e o que restava da humanidade era limitado pelo setor em que foram designadas.

Foi dividida em três setores. No centro ficava a Capital, o menor setor e o menor anel geograficamente. Lá, os líderes de Elostralia se reuniam para planejar e governar. A Capital também abrigava as melhores instituições de ensino, responsáveis por formar os futuros líderes, cientistas, médicos e soldados. Era o símbolo máximo de poder e privilégio. Abraçando toda a Capital, estava a Cidade Pacífica, o maior setor em população. Apesar de seu nome, a Cidade Pacífica era caótica e a dominada pelo comércio, vendedores ambulantes e mercados ao ar livre. Os moradores sofriam curiosos com a diferença de status entre eles e os habitantes da Capital, mas a estrutura de "pão e circo", como bordéis, casas de apostas e outras ilegalidades de Elostralia, mantinham a insatisfação sobre o sistema por baixo dos panos. Envolvendo a Cidade Pacífica, a Cidade Rural encerrava os limites de Elostralia. Esse setor era habitado pelos trabalhadores que sustentavam o país, cuidando de gado, plantações, pesca e extração de minérios.

Nate vivia na Cidade Pacífica com sua mãe, Amália, e seus dois irmãos mais novos, Matheus e Olívia. Amália era uma fiel devota a Elostralia, como muitos outros que, após a guerra, cederam as antigas religiões pela devoção ao lugar que os mantinham protegidos.

Quando chegou a notícia de que o E.L.E. – Equipe Letal Especializada – estava recrutando novos membros, Nate tomou uma decisão. Assim como sua mãe, ele resolveu seguir com a lavagem cerebral do país. Era mais fácil seguir as regras dos criadores daquele mundo, se tornar obediente e lutar por uma chance de crescer na Capital.

O sacrifício era claro: se alistar no E.L.E., integrar o exército de elite que enfrentava os perigos fora dos muros, e em troca, garantir privilégios. Como soldado, Nate teria acesso a medicamentos, educação e sua família poderia se mudar para a Capital. Teriam os recursos escassos e viveriam livres da incerteza do que comeriam no dia seguinte. Para jovens como Nate, vindos da Cidade Pacífica e da Cidade Rural, a oportunidade era incrível demais para não ser considerada.

Naquele momento, era para onde ele estava indo. O começo dos testes de seleção para o E.L.E. e o início da sua  nova adaptação ao impossível.