Capítulo 4 - Explicação Difícil - Parte 2
Catherine olhou para ele e viu que estava parado poucos passos adiante e que observava a cena com ar de reprovação. Fingindo tranquilidade, Catherine despediu-se de José com um aceno de mão e pôs-se a caminhar na direção da figura autoritária e carrancuda que a esperava.
Ouviu ao longe o motor de uma lancha. Devia ser Gastão voltando. Ainda bem que Henry e Paulo não tinham presenciado a acolhida que tivera! Quem sabe dali em diante Nick iria tratá-la melhor. E se ela conseguisse lembrar-se de onde o conhecia, talvez pudesse entender a razão de tanta hostilidade.
Quando chegou à porta da cabana, Catherine precisou de muito controle para não perder a compostura. Olhou em redor, desolada. Era um lugar deplorável. Réstias de sol entravam pelas frestas do teto de palha e das paredes de barro. O chão era de terra batida e não havia mobília, a não ser uma pequena mesa capenga, uma cadeira e dois lampiões.
Mas o que significava isso, afinal? Será que Nick queria humilhá-la? Forçá-la a reclamar e se queixar, e assim ele teria uma desculpa para lhe pedir que fosse embora? Se era isso, o dr. Nick estava muito enganado! Ele não a conhecia!
— Você vai ter que dormir numa rede. — Disse ele, largando a mala dela no chão.
As palavras dele eram uma provocação, mas Catherine respondeu com um sorriso frio e enigmático, como o de Mona Lisa. Os olhos não refletiam nenhuma emoção.
— Já esperava por isso. — Disse ela com naturalidade. — Até trouxe uma rede comigo.
Nick franziu a testa, parecendo realmente preocupado.
— Se soubesse que viria uma mulher, teria providenciado alguma outra coisa. Acho que você vai ter que aguentar isso aqui por uma noite ou duas, até que se possa arranjar algo melhor. Sinto muito.
Catherine olhou bem para ele. Será que não fora de propósito? Será que a intenção não tinha sido assustá-la?
— Posso ficar lá no hospital com os outros... — Disse ela.
— De modo algum! — Ele voltou a ficar carrancudo. — Lá só tem um quarto desocupado, e eu não admito promiscuidade em minha propriedade. Se quer dormir com alguém faça isso em outro lugar! Não vou permitir que perturbe o sossego de meus pacientes! Enquanto estiver aqui você vai dormir sozinha, quer goste ou não, e ponto final!
Ela se assustou com a ferocidade nele. Tinha feito apenas uma sugestão, e lhe parecera coisa tão simples! Sentiu que enrubescera, sem querer.
— O senhor fez vários comentários, dr. Nick, que me fazem pensar que seu conceito a meu respeito não é dos melhores. Por acaso estou enganada?
— Não, não está.
Catherine engoliu em seco e cerrou os punhos com força. Não esperava uma franqueza tão rude. Ergueu a cabeça numa atitude de orgulho.
— Mas por quê? — Perguntou ela com voz calma e controlada, à custa de grande esforço. — Se o senhor teve algum motivo para formular essa opinião a meu respeito é melhor que me diga, dr. Curran.
Ele a olhou de alto a baixo, com desdém, e fixou o olhar na aliança que ela usava.
— Você é uma mulher casada, e, pelo sobrenome, não é com nenhum dos dois homens com quem está viajando. Seu marido permite que viaje assim para outros países, vivendo noite e dia com outros homens?
Catherine fitou-o de olhos arregalados. Umedeceu os lábios enquanto tentava conter a indignação. Era evidente que Nick queria fazê-la perder a paciência e ela não iria dar o braço a torcer.
— Eu sou viúva, dr. Curran, há quase cinco anos, e desde que meu marido morreu dedico-me apenas ao trabalho, e não estou nem um pouco interessada no tipo de coisas que o senhor sugeriu. Eu trabalho com meus companheiros, não vivo com eles no sentido que o senhor insinuou.
Ela disse isso tudo com muita calma e ponderação, e, por instantes, ele pareceu desconcertado. Depois, de olhos semicerrados, contemplou o corpo dela.
— Você é muito jovem para ser viúva... por acaso casou-se com um homem muito mais velho?
— Não. Meu marido tinha vinte e quatro anos quando nos casamos e eu, dezenove. Ele morreu num acidente, pouco mais de dois anos depois.
— Seu marido deve ter sido um homem extraordinário para merecer tamanha lealdade até tanto tempo depois de ter morrido! — comentou Nick, com sarcasmo.
Por instantes, Catherine foi assaltada por recordações queridas e sentiu um nó na garganta.
— Eu amava muito meu marido... e ainda amo!
— Acho muito difícil de se acreditar nessa lealdade de mais de cinco anos nos dias de hoje e na sua idade!
Catherine respirou fundo e suspirou. Esse Nick Curran estava mesmo a fim de provocar briga, mas ela não daria a ele a satisfação de cair na armadilha.
— Acredite ou não, isso é um problema seu. Eu estou lhe dizendo que não vou criar problema algum nesse sentido enquanto estiver aqui.
— Espero que não. — Ele se abaixou e pôs-se a examinar os lampiões, encerrando o assunto. — Vou pedir para Gastão colocar querosene nesses lampiões.
Deixe um deles aceso a noite toda.
— Não tenho medo de escuro, dr. Curran.
— Mesmo assim, faça o que eu disse.
Ele se ergueu e caminhou para a porta. Catherine, num gesto impulsivo, fez menção de cocar o pescoço todo marcado de picadas de mosquito.
— Não coce... — Ordenou Nick, que se virará para ela naquele momento.
Por instantes ele olhou a abertura da blusa de Catherine, depois desviou o olhar, depressa, e virou-se de costas.
— Picadas de pium, não foi?
— Foi.
— Estão cocando muito?
— Não... — Mentiu ela, não querendo mostrar fraqueza alguma. — Eu tinha passado repelente. Foi só uma ou outra picada.
Pela primeira vez ele não fez nenhum comentário sarcástico ou ferino.
— Vá até a enfermaria depois que eu lhe dou uma pomada para passar. Aquela parte fechada por cortina, logo na entrada, é o ambulatório.
— Obrigada, mas não é preciso. Eu vim preparada. Tenho uma pomada na mala e, além do mais, não acho necessário recorrer a um médico por causa de picadas de mosquitos.
— Eu não ia examiná-la... — Retrucou ele secamente, e saiu.
— Dr. Curran!
Ele parou no umbral da porta e esperou sem olhar para ela.
— O que foi?
O tom era pouco encorajador e Catherine quase se arrependeu de tê-lo chamado.
Tinha sido um impulso e, afinal, não sabia se o que lembrara estava certo ou não.
— O senhor é alérgico a perfume? — Catherine percebeu que ele ficou tenso.
— Não... — Respondeu ele, sem se virar para ela.
— Mas esteve no Rio há uns oito meses, não esteve?
— É, mais ou menos isso.
— E esteve num restaurante estilo colonial? Eu não me lembro o nome do lugar, mas sei que era decorado com peças antigas...
— Francamente, não me lembro.
Catherine percebeu, com satisfação, que ele se colocara na defensiva, e era justamente o que ela queria.
— O senhor pediu casquinha de siri, apimentada.
— É mesmo? Sua memória é bem melhor do que a minha. — Catherine lamentou não poder ver a expressão do rosto dele.
— Eu lembro do que pediu porque o senhor foi embora antes que lhe levassem o prato. Estava sentado perto de mim... e eu reparei. O senhor estava sozinho.
O silêncio dele parecia confirmar a exatidão da lembrança, e, então, ela continuou.
— O senhor saiu às pressas, deixando dinheiro sobre a mesa, para pagar a conta, e pouco depois ouvi o maitre comentar com o garçom que o senhor tinha ido embora porque dissera ser alérgico ao meu perfume. O restaurante estava muito cheio e não havia outra mesa disponível.
Ele continuou em silêncio e Catherine prosseguiu, decidida a ir até o fim.
— Se o senhor é alérgico a perfume, então, talvez seja alérgico a alguma outra coisa que eu estivesse usando... Fiquei chateada por tê-lo feito ir embora do restaurante sem comer aquele dia.
— Você está se valorizando demais senhorita. — Retrucou ele com raiva.
— Mas o senhor estava no restaurante, não é mesmo? — Insistiu ela.
— Estava, mas se você estava sentada do meu lado eu nem percebi. Talvez o que disse ao maitre tenha sido uma desculpa qualquer para explicar minha saída. Sinceramente, eu não me lembro.
— O senhor não estava se sentindo bem? Eu me recordo de tê-lo achado pálido e com a testa suada. — Exatamente como ele tinha ficado há pouco, ao olhar a abertura da blusa dela, mas isso Catherine não disse, é claro.
— Você deve ter imaginado coisas. Eu saí por outros motivos senhorita Tramell. — Disse ele.
— Um encontro lembrado na última hora?
— É, isso aí... — Concordou ele, a contragosto, e saiu sem olhar para trás.
Catherine ficou contemplando-o, até que ele desapareceu atrás dos arbustos que separavam a cabana das outras instalações.
Quando deu por si estava de novo cocando as picadas dos malditos mosquitos. Resolveu abrir a mala e pegar logo a pomada, para aliviar um pouco.
Pouco depois, confirmando suas suspeitas, descobriu que havia ainda vários mosquitinhos dentro da sua blusa. Estava cheia de manchas avermelhadas e inchadas pelo corpo.
Felizmente, o rosto, as mãos, as partes expostas em que passara repelente tinham sido poupadas.
Passou pomada em todos os lugares atingidos e acabou com o tubo. Enquanto vestia a blusa de novo, para sair à procura de Henry e Paulo, Catherine pôs-se a pensar que aquele dia no Rio tinha sido memorável para eles dois também, e por motivos que nada tinham a ver com o dr. Nick Curran.
Por que será que o médico relutara tanto em admitir que se lembrava daquele encontro?
Catherine sentiu que ele não dissera a verdade. Sua intuição lhe dizia que ele a reconhecera quando a vira chegar.
Por que será que ele tinha ido embora do restaurante naquele dia? Será que era mesmo por causa de algum encontro? Podia ser realmente que a atitude dele não tivesse nada a ver com ela, mas era evidente que estivera muito tenso e nervoso antes de sair às pressas. Tanto que chamara sua atenção e ela o observara furtivamente.
E o que será que José dissera ao dr. Nick para fazê-lo mudar de idéia quanto à sua permanência ali?
Quantas perguntas em tão pouco tempo! A pergunta mais séria, entretanto, referia-se ao que sentira por aquele médico. Ela o detestara, mas não podia negar que reagira fisicamente à presença dele, sentira uma atração que há muitos anos não sentia por nenhum homem. Ele parecia irradiar uma sensualidade que a atingia em cheio. Mas será que estava ficando maluca?
Devia ser o sol dos trópicos! Não era possível!
Nunca, em todos esses anos, deixara de ser fiel ao seu amado esposo! Não haveria de ser logo agora, com esse sujeito detestável!
Bem, era melhor parar de se fazer perguntas e querer adivinhar o futuro. Não adiantava nada. Era melhor procurar seus companheiros e começarem a planejar as filmagens.
De uma coisa estava certa: Não ia se deixar afetar pela atração tísica que Nick poderia exercer sobre ela! É verdade que aquele corpo viril e musculoso a tinha impressionado muito.
Reparara em todos os detalhes, na pele morena clara por causa de horas sobre o sol forte, nos pêlos dos braços, na mão bem-feita, de unhas bem cortadas e impecavelmente limpas... nos ombros largos...
— Ora, eu não vou admitir que ele me afete dessa maneira! Posso perfeitamente dominar essa sensação! — Disse ela para si mesma, com certa fúria, antes de sair da cabana.
1910 Palavras
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