Capítulo 3 - Difícil Explicação - Parte 1
— Espere, Nick, eu posso explicar...
— Eu não dei permissão para mulher alguma vir aqui!!
Nick desviou o olhar da figura sex e feminina de Catherine. Ela, então, ergueu-se, indignada. Não que esperasse ser recebida calorosamente, já imaginava que enfrentaria frieza... mas, também, aquilo já era demais. Era uma falta total de civilidade, uma selvageria. Ele parecia um animal feroz diante de um inimigo natural.
— Pois então trate de explicar logo, José! Quero ver se consegue!
— Mas, Nick, você precisa saber da história toda... não diga nada enquanto não ouvir o que tenho para lhe dizer em particular. É muito importante...
— Quem é ela? — Interrompeu Nick, com voz autoritária. Mesmo de longe, Catherine podia ver que o rosto dele que estava tenso.
— Ela é da equipe de filmagem... aliás, é a produtora. Mas eu juro que você não vai se importar quando souber das circunstâncias. Em geral você costuma ouvir a razão...
— Não desta vez!
Catherine, sentindo toda aquela agressividade, começou a ficar com uma raiva feroz dele. Uma raiva que nunca sentira por ninguém antes.
— Diga a ela que vai voltar para Manaus junto com você! — Continuou Nick. — Ainda se fosse por alguns dias eu aguentaria a presença de uma mulher aqui, mas um mês inteiro... jamais!
— Mas outras mulheres já estiveram aqui. Pacientes, visitas. Eu achei que...
— Essa aí eu não quero aqui!
— Nick, por favor, precisamos falar em particular...
— Está bem, José, eu lhe dou um minuto, mas não pense que vai me fazer mudar de idéia!
Num gesto brusco e hostil Nick fez meia volta e começou a se afastar, seguido pelo cunhado que preciso correr para alcança-lo.
— Meu Deus do céu, José! Justo você, que está cansado de saber, vai trazer uma mulher para passar um mês aqui! Mulher só traz problemas, ainda mais no meio da selva!... Eu já não tenho problemas o suficiente, você precisa me trazer mais ainda.
A voz ríspida foi diminuindo com a distância, até que os dois homens
desapareceram de vista, mas, antes, Catherine ainda ouviu Nick exclamar indignado: — O quê?
Olhou interrogativamente para Gastão, que apenas encolheu os ombros e não disse nada. Ela sentiu um calafrio, mas não demonstrou apreensão. Em vez disso sorriu para Gastão, fingindo calma.
— Isso é que é recepção, hein? — Brincou ela. — Parece que eu não sou mesmo bem-vinda.
— Não se preocupe, talvez as coisas se ajeitem. O doutor resolveu escutar o cunhado, e quando ele se acalma fica um homem sensato.
— É sempre assim que ele recebe as mulheres?
Gastão franziu os lábios e continuou sua tarefa de descarregar a lancha.
— Não com essa fúria toda. Em geral ele as recebe com frieza, e, às vezes, consegue ser até cortês com algumas. Com Laura, a mulher de meu filho, ele sempre foi muito gentil. Quando ela esteve aqui há quatro anos, logo depois de ter se casado com Manoel, o dr. Curran tratou-a muito bem.
Era difícil acreditar que aquele homem exaltado, grosseiro e autoritário pudesse tratar bem alguma pessoa. Mas... de onde é que conhecia aquele rosto cínico? Sabia que já o vira em algum lugar, embora não se lembrasse de ter falado com ele. Mas aquele rosto ela tinha certeza de já ter visto, era muito marcante para ser esquecido!
Onde poderia ter sido?
Em Manaus, na semana passada?
Não... alguma coisa lhe dizia que não fora recentemente. Tinha sido há muito mais tempo.
Para afastar as preocupações, Catherine decidiu se ocupar da bagagem. Ela não era do tipo que costumava fugir dos problemas, e não tinha a menor intenção de fugir desse. Precisava apenas munir-se de paciência porque não ia ser fácil o que teria pela frente. Sabia que não devia de modo algum perder a calma e retrucar com a mesma agressividade e ironia que ele. Não queria arriscar o sucesso de seu empreendimento.
Depois de tantas dificuldades e burocracias para conseguir permissão para filmar os indígenas Purus e Juruá não pretendia estragar tudo e voltar sem realizar o projeto.
Para Catherine o trabalho era sempre mais importante do que qualquer problema de relacionamento. Contanto que o dr. Curran a deixasse ficar, ele que a tratasse como bem entendesse.
Gastão ia retirar da lancha as malas de Catherine, mas deteve-se e olhou para ela, indeciso.
— Já descarreguei tudo, menos a bagagem da senhorita.
— Pois pode descarregar essa também, Gastão. — Disse Catherine com firmeza.
Não admitia nem pensar numa derrota. Desde o início sabia que a expedição ao Amazonas não seria brincadeira. Tinha se preparado para tudo, menos para encontrar um tipo como Nick Curran. Mas estava com todos os papéis e documentos legais que permitiam a filmagem e não pretendia abrir mão desse direito. Iria fazer de tudo para ficar ali. Mas por dentro, em seu mais profundo íntimo, entretanto, não estava tão segura quanto queria aparentar.
Até aquele momento, a outra lancha, com Henry e Paulo, não tinha chegado e não havia o menor sinal dela.
— Acho que é melhor eu dar uma olhada para ver o que aconteceu. — Disse Gastão, olhando ao longe. As malas, caixas e caixotes estavam todos no cais. — Pode ser que o motor tenha encrencado... são todos muito velhos.
Gastão deu a partida na lancha e pouco depois de ter se afastado com a embarcação, um rumor de vozes indicou a Catherine que José e Nick estavam voltando.
Ela pegou a mala e a sacola a tiracolo e se preparou para o pior, munindo-se de calma e paciência, mas surpreendeu-se ao ver que José parecia mais tranquilo. Nick ainda estava carrancudo, mas parara de esbravejar como um selvagem.
— Venha comigo. — Ordenou ele, em tom ríspido, falando em inglês.
Catherine sorriu, mas Nick nem prestou atenção. Ele olhava através dela e não para ela, como se ela fosse transparente, ou como se assim ele pudesse anular sua existência. Nick não estava mais amistoso do que há pouco, porém parecia que José conseguira fazê-lo mudar de ideia. O que será que José tinha dito para conseguir isso?
Nick começou a pegar as malas e as caixas que estavam na parte de cima do cais e virou-se para o cunhado, ordenando rispidamente em português:
— E você, José, trate de se mexer. Vá lá embaixo e pegue as malas daquela vagabunda!
Catherine arregalou os olhos, chocada. Não podia acreditar no que ouvira e nem conseguiu disfarçar sua reação. José, por sua vez, ficou constrangido e mortificado.
— Nick, ela fala português. — Disse José, depois de instantes.
— Nesse caso retiro o que disse — Falou Nick, zombeteiramente. — Pegue as malas da... senhorita!
Aquilo não era um pedido de desculpas, nem o tom em que foi dito sugeria retratação. Nick continuava a não olhar para Catherine, ignorando-a completamente.
— Vamos, José! Você é ou não um cavalheiro? Vai deixá-la carregar a bagagem sozinha? — Continuou Nick, com sarcasmo.
Catherine precisou de muito esforço para se controlar e não dizer uns bons desaforos. Era melhor conter-se por enquanto e revidar de outra maneira, na ocasião propícia. Não haveria de faltar oportunidade! Pois ela sabia que teria a oportunidade com certeza.
— É muita bondade sua preocupar-se comigo, dr. Curran, mas não é preciso incomodar o sr. Medeiros. Ele tem sido um perfeito cavalheiro.
A comparação implícita não o atingiu nem um pouco. Nick apenas sorriu com desdém.
— É a obrigação de qualquer homem. Além disso, as mulheres são muito frágeis para carregarem peso.
Nick continuava evitando olhá-la, mas Catherine mantinha o sorriso sereno. Não iria contestá-lo nem defender a igualdade das mulheres naquele momento, seria pouco diplomático.
— As aparências enganam... na verdade eu sou bem mais forte do que aparento ser e de várias maneiras... — Disse ela, apenas.
— Sem dúvida, mas... — Disse Nick, sarcástico, — Mas mesmo assim José vai carregar suas malas. Um pouco de exercício vai fazer bem a ele.
— Tem outras coisas para levar também. — Disse ela, apertando a alça da sacola.
José ficou indeciso, sem saber o que fazer. Impaciente com essa demora, Nick largou nas mãos dele o que estava carregando e pegou, ele próprio, as malas que Catherine segurava com firmeza.
Por um breve instante as mãos deles se tocaram e Catherine sentiu uma estranha sensação com aquele contato, que só podia ser de desagrado, sem dúvida! Ficou louca da vida, mas achou melhor não protestar. Não ia discutir por causa de uma besteira daquelas.
— Ora, muito obrigada, dr. Curran. — Disse ela, mantendo a pose. — É muita gentileza sua. Hoje em dia é tão difícil encontrar-se um verdadeiro cavalheiro!
Só então é que José fez as apresentações, e nem assim Nick encarou Catherine, olhou-a apenas de relance. A hostilidade que emanava dele era uma barreira quase indestrutível.
Por que será que a detestava tanto?
Será que o tinha ofendido alguma vez e não se lembrava?
— Engraçado, eu tenho uma estranha sensação de já tê-lo visto antes, dr. Curran. — Disse ela, logo após as apresentações, decidindo que era melhor saber logo de uma vez se Nick tinha algum motivo particular para não gostar dela. — Será que já não nos encontramos no Rio de Janeiro? Parece que o senhor costuma ir lá de vez em quando...
— Infelizmente... — Respondeu Nick, e ela ficou na mesma. A resposta pareceu deixar José constrangido.
— Estive no Rio há uns oito meses. — Continuou ela, com naturalidade, — Filmando a cidade e pesquisando a cultura local.
Nick recebeu a explicação com um silêncio frio e não deu a mínima
demonstração de tê-la reconhecido. Foi José quem remediou a situação.
— É bem possível, Nick. A equipe de filmagem ficou hospedada na minha casa por algumas semanas. E você esteve uns dias no Rio, nessa mesma ocasião...
Nos cantos da boca de Nick formou-se um ligeiro meio sorriso de amargura e nos olhos dele brilhou, por instantes, lampejos de uma emoção que Catherine não soube explicar.
— Você já mencionou isso, José — Disse Nick, tenso, — Mas eu estava muito ocupado e vi muita gente, não dá para me lembrar de todos.
— É, eu...
— Vamos logo com essas coisas. — Interrompeu Nick, virando-se bruscamente e pondo-se a caminho, literalmente fugindo de qualquer outro tipo de conversa.
— As coisas vão melhorar, você vai ver. Apenas dê um tempo pra ele se acostumar com você. — Murmurou José para Catherine, enquanto seguiam o médico. — Nick é um cavalheiro, no íntimo. É um bom sujeito... um pouco amargurado, é verdade, mas agora que permitiu que você ficasse não precisa temer mais nada. Ele sempre mantém a palavra dele.
Andaram na direção de uma construção baixa, branca, que ficava no centro de uma clareira e que, sem dúvida, devia ser o hospital. Mais adiante ficavam outras construções menores e depois só a mata fechada cercando tudo. Um dos barracões abertos era a cozinha, um outro ao lado, a despensa, a julgar pelos caixotes empilhados. Havia ainda um gerador abrigado numa casinha bem menor. Eletricidade! Que bom! Uns dos artigos de luxo que poucos possuíam nessa região. Com essa Catherine não contava. Um pouco afastado desse aglomerado central ficava um pequeno bangalô de paredes brancas feitas de tijolos pequenos e madeira, com um terraço e, em frente, um gracioso jardim florido. Devia ser à casa do médico. Pois era a única construção que parecia realmente uma moradia, acolhedora e fresca, naquele sol abrasador.
Será que o jardim tinha sido feito por Gastão?
Pouco depois chegavam à construção central. Nick entrou direto, com passos largos e firmes. Catherine parou na porta e num relance examinou o ambiente. Um indígena mais velho, vestido de branco, cochilava sentado diante de uma escrivaninha e acordou assustado quando Nick se dirigiu a ele, falando em tupi-guarani e chamando-o de Pedro.
— Ele não fala português. — Explicou José a Catherine, — Por isso, se você precisar de alguma coisa vai ter que pedir a Gastão ou ao próprio Nick.
A esquerda da entrada havia uma cortina grossa separando uma outra dependência. A direita havia uma porta larga, de duas portas, com tela, que dava para uma enfermaria, onde os pacientes descansavam em redes. Só no fundo do dormitório é que havia dois leitos de hospital, mas não estavam ocupados. O equipamento médico surpreendeu Catherine pela variedade e modernidade. Remédios e instrumentos de aço inoxidável lotavam várias prateleiras. Sem dúvida, para um local remoto e abandonado pelo governo atual como aquele, até que a clínica estava bem equipada! Catherine deduziu que havia outras dependências que não estavam à vista, talvez uma pequena sala de operações e um consultório, além dos quartos em que ela e os rapazes da filmagem ficariam hospedados por um mês.
Não havia enfermeiras, nem Catherine imaginou que houvesse, sabendo que Nick não gostava da presença de mulheres ali. Além do mais já esperava recursos precários num local tão longínquo. Talvez Pedro e Gastão exercessem as funções de enfermeiros nesse lugar.
Nick largou a bagagem que trazia e ajudou José com a dele. Num determinado momento, quase colidiu com Catherine, que também se curvara para largar a mala no chão. Por um breve instante seus olhares se cruzaram, e Catherine teve certeza de que ele a tinha reconhecido. O brilho no olhar dele denunciava isso.
Onde é que o tinha visto antes?
Como era possível não se lembrar?
Enquanto buscava na memória, Nick pegou a bagagem dela e virou-se para o cunhado.
— Espere-me no meu bangalô, enquanto acabo de instalar a sra. Tramell. Se quiser, pode ir tomando alguma coisa. Isto é seu também? — Perguntou ele, com frieza, virando-se para Catherine. — Não acha que trouxe coisas demais? Aqui não vai haver ocasião de usar roupas bonitas e provocantes.
O tom de desdém provocou uma onda de revolta, que Catherine conteve a custo.
Quem esse médico pensa que é afinal?
— Não, só a maleta é minha. — Respondeu ela, mantendo a naturalidade.
— Então, venha comigo.
Ele foi indo, sem olhar de novo para Catherine. Saiu lá fora e caminhou em direção a uns arbustos, entre os quais se avistava um telhado de sapé.
Catherine ficou na dúvida.
— Pensei que eu fosse dormir no hospital, junto com meus companheiros — Murmurou ela.
Mas só José ouviu. Nick já estava indo mais adiante.
— Talvez Nick tenha achado que você ia ficar mais à vontade numa dependência só para você, longe dos outros.
— Longe dele, você quer dizer. — Retrucou ela, secamente.
— Faça o que ele diz. É melhor obedecer, se você quer contar com a boa vontade dele nesse mês pelo qual ficará aqui.
— E será que ele tem boa vontade?
José achou graça e os dois riram juntos. Naquele momento, Catherine sentiu que até gostava dele. Podia ter lá seus defeitos, mas era humano, o que não acontecia com o cunhado dele.
— É melhor você ir. — Disse José, apertando de leve o braço dela para encoraja- la. — Nick está ficando impaciente.
2475 Palavras
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