Capítulo 2 - Ardente Desejo - Parte 2
O avião pousou na água e encostou numa espécie de balsa enorme, ancorada no meio do rio. Foi aí que os passageiros desembarcaram e que a tripulação descarregou os suprimentos, dali, a embarcação iria até o lugar onde Nick Curran fundara sua clínica médica.
Das margens, onde se avistavam casinhas de sapé, aproximavam-se canoas coloridas e duas lanchas desgastadas.
— Eles vêm do povoado... — Explicou Medeiros com desdenho.
Catherine sabia que os habitantes daquela região eram mestiços de índígenas, europeus, e de outras raças que tinham tentado domar a selva durante vários séculos a fio, e que o tipo resultante dessa miscigenação chamava-se caboclo.
— Por que o dr. Curran decidiu fixar a sua clínica tão longe do povoado?
— Porque há outros povoados e vilas ao longo do rio. Nick escolheu um lugar central em relação a isso e também à tribo dos xarás. Essa viagem pelo rio não é nada agradável! Tomara, pelo menos, que Gastão não demore...
— Quem é Gastão?
— Guilherme Arantes Byrne, apelidado por todos de Gastão, ele é um homem que trabalha para Nick. Ele é caboclo, mas tem alguma instrução felizmente. Fala português muito bem, o que não acontece com a maioria deles neste lugar.
— Engraçado! Mestiço de indígena com um apelido destes! Nunca pensei que também que fosse encontrar um sobrenome irlandês no coração da Amazônia.
— Mas não é nada incomum. Gastão é descendente de Irlandeses que fugiram da perseguição religiosa e que se estabeleceram em Santarém. Você vai ver o cabelo dele!
Depois dessa indicação, Catherine não teve dificuldade em identificar o ocupante da lancha que chegou para buscá-los. A primeira coisa em que reparou foi no cabelo ruivo. Embora estivesse ficando grisalho, ainda era uma característica que chamava bastante a atenção, principalmente pelo contraste que fazia com o rosto de pele morena e traços indígenas. Os olhos eram escuros e os dentes muito alvos. Gastão devia ter uns cinquenta e poucos anos.
Outro detalhe que observou foi a pistola do lado direito do seu corpo, que fazia um grande contraste com o facão do lado esquerdo.
— Bom dia, sr. Medeiros. — Cumprimentou ele enquanto manobrava a lancha. — Não sabíamos que o senhor viria junto!
Só então ele viu Catherine e arregalou os olhos. Sem pensar que ela entendesse português, ele comentou, com total falta de tato.
— Não me diga que ela faz parte do grupo que vai filmar! Meu Deus! Quando o doutor souber disso...
— Não precisa ter receio, Gastão. — Apaziguou Medeiros, depressa. — Ele não vai fazer nenhuma objeção, você vai ver.
Gastão ia falar mais alguma coisa, mas Medeiros tratou de interrompê-lo, fazendo as apresentações e aproveitando para dizer que Catherine falava português fluentemente.
Gastão ficou meio sem jeito, mas o olhar continuou hostil, o que deixou Catherine apreensiva.
— Tem notícias do Manoel? — Perguntou ele, afinal, virando-se para Medeiros.
— Tenho sim. Estou vindo do Rio de Janeiro e tenho ótimas notícias para você.
— Manoel e Laura estão bem, e daqui a uma semana você vai vê-los.
Os olhos de Gastão se iluminaram.
— Manoel e Laura vêm para cá?! — Medeiros apenas sorriu sugestivamente.
— Agora chega de perguntas, Gastão. Depois a gente conversa com calma. — Em seguida, virou-se para a equipe de filmagens, explicando em inglês. — O filho de Gastão é médico no Rio de Janeiro. Manoel Arantes Byrne é um rapaz muito inteligente e culto. Vocês vão conhecê-lo na semana que vem, e à mulher dele também, Laura, ela é Assistente Social.
Pouco depois o avião decolou, tendo ficado combinado que o piloto voltaria depois de terminada a entrega de suprimentos, para levar de volta o sr. Medeiros, que tinha ido apenas para ficar algumas horas.
Gastão colocou a bagagem e o carregamento na lancha. Quando já não cabia mais nada, pediu a um outro companheiro, também de lancha, para transportar Henry, Paulo e o resto das coisas. Assim, Catherine foi só com Gastão e Medeiros.
A cena era indescritivelmente bela. O rio estava deserto, agora que o avião se fora e o povoado ficara para trás. Nas margens só se via o intrincado exuberante de árvores, formando uma densa e impenetrável massa verde, que o forte azul do céu realçava. O silêncio só era quebrado pelo ruído das lanchas que invadiam aquela aparente serenidade, em que mil perigos os espreitavam. Catherine sentiu um arrepio, apreciando e temendo ao mesmo tempo. a floresta tropical era imponente e majestosa como um imperatriz que sub julgava até os mais valentes aventureiros.
Não se avistavam sinais de vida, a não ser nas copas das árvores altas, em que aves de várias cores descansavam, apreciando e ora ou outra vinham se refrescar do calor do dia nas águas do rio. Uma delas estava tão carregada de periquitos coloridos, que parecia estar em flor. Havia garças brancas e várias outras aves multicoloridas. Uma fauna e flora riquíssima que faria inveja até aos mais altos jardins imperiais de alguns reinos espalhados por este vasto mundo a fora.
Catherine interrompeu um gesto impulsivo de mergulhar os dedos nas águas verdes e frescas do rio, e teve a sensatez de perguntar a Gastão se havia piranhas ali.
— É claro que tem, mas não precisa se preocupar. Há piranhas em quase todos os rios, mas as pessoas estão sempre viajando de barco, sem que aconteça coisa alguma. Os habitantes da região chegam a tomar banho nos rios, embora escolham com cautela o lugar. É sempre seguro nos lugares em que o rio corre bem rápido. Há outras coisas piores do que as piranhas... os piuns, por exemplo.
— Piuns? — Perguntou Catherine, que não conhecia essa palavra em português.
— É uma invenção do diabo com certeza senhorita. — Disse Medeiros, que tirara de sua mala um repelente de insetos em aerosol e aplicava-o nas partes expostas de seu corpo. Depois ofereceu o produto a Catherine. — Acho melhor você usar isso. É bom proteger-se antes de chegarmos ao trecho mais estreito do rio. Lá está cheio de piuns.
Ela aceitou o conselho e antes que lhe explicassem o que era pium, uma nuvem de insetos minúsculos cercou-os, tentando atacar as partes que o repelente não protegera.
— Não há piuns na reserva do doutor. — Garantiu Gastão, percebendo a aflição de Catherine.
Ele parecia imune às picadas.
— Não coce, senão piora!... — Aconselhou ele, percebendo que os mosquitos estavam atacando Catherine.
Ela obedeceu com certa dificuldade.
Passaram-se vários minutos, até que a lancha fez outra curva no rio e surgiu um enorme mastro de bandeira. Só que a bandeira não tremulava, o ar estava parado, pesado e quente. A nuvem de insetos tinha desaparecido quase por completo, mas Catherine ficara cheia de picadas no pescoço, nos pulsos e até nas costas, onde alguns mosquitinhos tinham chegado, entrando pela gola da blusa e pela manga. Agora já era preciso que se controlasse muito para não cocar.
A lancha parou num cais flutuante, feito de toras de madeira, e atado à margem por cordas grossas e fibrosas. Estavam bem abaixo do nível do chão e dali não avistavam nada. Gastão desligou o motor, desceu e foi amarrar a lancha com rapidez e destreza. Depois deu a mão para Catherine, ajudando-a a desembarcar. Havia uns degraus feitos de toras, precários e escorregadios, que conduziam até a parte mais alta.
Catherine estava agachada, de costas para o cais, tentando pegar uma valise, quando ouviu uma voz masculina, grave e sonora, cumprimentar Medeiros, que já estava quase lá em cima.
— Não sabia que você viria, José. — Disse a voz.
A frase pareceu meio rude, como se a pessoa que falara não gostasse muito da visita que chegara. Curiosa, Catherine virou a cabeça, sem se erguer.
O homem que cumprimentara Medeiros estava em pé na margem, logo acima, o que o fazia parecer ainda mais alto. Catherine não teve dúvidas quanto à identidade dele.
Soube logo que aquele era Nick Curran e sentiu um arrepio. Dele emanava uma aura de poder. Talvez porque fosse alto e musculoso, com um corpo forte e bem- proporcionado. Ele não olhou para onde Catherine estava e, assim, ela só pode ver o perfil dele. Só viu que os cabelos dele eram pretos e que sua camisa caqui estava molhada de suor. Com as mãos apoiadas no cinto da calça, a postura dele parecia rígida e até mesmo agressiva.
— Eu tive um motivo para ter vindo aqui hoje. — Disse Medeiros numa voz nervosa, em tom de desculpa.
Catherine não teve problema em acompanhar a conversa entre os dois. A entonação das vozes deles já havia despertado sua curiosidade, deixando-a alerta.
— Isso eu estou vendo! — Disse Nick, com sarcasmo. — Ficou com medo que eu mudasse de ideia e impedisse essa besteira de filmagem?
— Não, Nick, é claro que não foi por isso. — Apressou-se Medeiros em dizer, com polidez. — Sei que quando concorda com algo, você mantém a palavra. Eu lhe garanto que estou muito grato pelo favor.
— Eu não faço favores a ninguém... — Disse Nick, bruscamente, — Só consenti na filmagem porque isso pode ajudar as pessoas a entenderem melhor os indígenas xarás e as outras tribos semelhantes.
— Foi justamente o que eu disse aos ministros da Cultura e do Interior. — Disse Medeiros.
— Porém, se esses estrangeiros causarem qualquer problema, embarcam de volta no primeiro avião. Não vou permitir que perturbem os xarás.
— Os americanos concordaram com todas as condições. Sabem que só podem filmar os xarás uma vez por semana e que de modo algum devem ir à aldeia indígena sozinhos. Sabem também que não devem incluir você nas filmagens.
— Espero que eles não estejam esperando acomodações de luxo. O único lugar viável para dormirem é na própria clínica.
— Eles já sabem disso. Pode ficar tranquilo, Nick. Eu lhe disse que não vai haver nenhum problema!
— É o que veremos. — Disse Nick, com uma arrogância que arrepiou os cabelos de Catherine.
Ela não tinha o costume de julgar as pessoas pela aparência ou pela primeira impressão, mas não estava gostando nada do jeito hostil daquele médico. E ainda nem tinha visto o rosto dele!
Nick continuou a falar, agora num tom de sarcasmo.
— E a que devo a honra da sua presença, José? Sem dúvida você não veio só para me apresentar a esses americanos prepotentes, que nunca aprendem outras línguas! Para isso não precisava vir, porque eu falo inglês. Você detesta isto aqui e só vem em último caso, quando está precisando de mais fundos para alguma festa beneficente.
Por uns instantes Medeiros não respondeu nada, parecia estar criando coragem para dizer algo.
— E então? — Disse Nick, com desdém. — Diga logo, José!
Medeiros olhou na direção do barco, onde Gastão descarregava as coisas ajudado por Catherine.
— Acho melhor conversarmos em particular, Nick. O que eu tenho para lhe dizer...
— Sempre o velho diplomata, hein, José! Nem precisa me dizer qual é o assunto. Se veio me pedir para mudar de ideia... ai resposta é não. Eu pretendo continuar. — Depois, mudando de assunto completamente, perguntou: — Como vai Melissa? Sempre acontecendo no mundo social?
— Nick... — Disse José em tom de súplica, visivelmente perturbado com o sarcasmo do médico, que não poupava nem a própria irmã.
Nick, entretanto, continuou investindo contra o cunhado, com cinismo e ironia.
— E então, José? Você não vai me contar o que Melissa anda fazendo?
Suando em profusão, Medeiros gaguejou:
— Ela mandou lembranças e uma carta que está aqui na minha maleta.
— Que emocionante!
— Não há necessidade dessa agressividade toda, Nick. Será que não podemos, afinal, falar em particular?
— Mas quanta impaciência, José! Confesso que já estou ficando curioso.
— Então vamos conversar a sós. É importante, acredite, e não posso falar diante dos outros.
Dessa vez quem olhou na direção do barco foi Nick, e pela primeira vez Catherine pôde ver o rosto dele por inteiro. A pele morena clara, os traços lembrando características europeias, aquela boca cínica... já vira aquele rosto em algum lugar. Mas onde?
Ao deparar com Catherine, Nick franziu a testa, incrédulo e furioso, os olhos escuros faiscando.
— O que é que ela está fazendo aqui? — Explodiu ele, com uma raiva tão intensa que chegava a assustar. — Que ideia diabólica foi essa de trazer essa mulher para minha casa? Como ousar me enganar assim?...
2053 Palavras
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro