Capítulo 13 - Você Sabia?
Enquanto Catherine comia uma banana prata, ele foi até o outro quarto e voltou logo em seguida, trazendo o que ela pedira e a bolsinha plástica, contendo seus produtos de maquilagem. Deixou as coisas em cima da cama e sentou-se de novo na cadeira.
— Faz quatro anos que meu filho esteve aqui com a mulher, logo depois de terem se casado. Depois disso ninguém mais usou a cabana. Por isso ela estava naquele estado, cheia de goteiras. Nosso filho veio outras vezes, mas sozinho, e então dormiu no posto médico, onde estão os seus amigos agora.
— Por que os doentes indígenas não dormem mais no hospital como antigamente? Nick me contou isso.
Almerinda passou a mão pelos cabelos ajeitando a longa trança.
— O dr. Nick acha que é melhor eles ficarem na aldeia deles. Só quando o caso é muito grave, então, ele traz o doente aqui para o hospital de campana.
— Por que, Almerinda?
— Ele quer que fiquem afastados dos outros pacientes os caboclos que vivem aqui por perto e nas margens do rio. É muito perigoso deixá-los juntos. Sabe, antigamente, quando tinha algum paciente que precisava ficar longe dos indígenas, o dr. Nick trazia aqui para a cabana dele e proibia que fosse no posto médico. Até que um dia um homem desobedeceu, e foi aí que começou o problema. Foi há dois anos.
— Problema?
Almerinda encheu uma xícara com café quente, da garrafa térmica, adoçou com mel de abelha e entregou a Catherine.
— É. Sabe, o homem veio para cá por causa de um braço quebrado, mas acontece que também estava com uma espécie de gripe. E foi o que bastou. Uma semana depois quase todos os indígenas que estavam no hospital tinham morrido.
Catherine ficou horrorizada.
— O quê?
— Mas acho que o dr. Nick não poderia ter evitado que isso acontecesse, mesmo que tivesse amarrado o homem na cama. O homem estava procurando ouro num afluente do Amazonas quando quebrou o braço. Foi encontrado e trazido para cá por alguns indígenas da aldeia do outro lado do rio, e, uma semana depois, muitos indígenas dessa aldeia estavam morrendo também. E em seguida foi a outra aldeia vizinha, depois a outra e a outra...
Então era essa a Grande Doença de que falara a bela indígena? Catherine pensara que se tratava de alguma estranha moléstia tropical, e pelo jeito não fora apenas um surto de gripe comum.
Seria mesmo possível? Chocada, ouviu a continuação da história, que confirmou a sua conclusão.
— As doenças tropicais não são graves para os indígenas, eles têm imunidade contra elas por causa do convívio com os homens brancos que vieram anos atrás para as tribos e também graças as vacinas. Mas qualquer coisa que venha de fora... aí é um horror! Eles morrem como moscas e o dr. Nick não podia fazer nada para impedir, mesmo com os recursos mais modernos da medicina. e para piorar o governo deu ordem para que a notícia fosse abafada, enfim, todos morreram, mas não existem para a maioria da população brasileira. O dr. Nick mudou tudo isso com o passar dos anos.
Não era à toa que Nick era tão paternalista e protetor com a tribo! Por isso tinha ameaçado deixá-los, caso apresentassem qualquer sintoma de doença! Devia ser um horror para ele a simples lembrança do que acontecera. Ele, como médico, devia ter se sentido arrasado por não ter podido impedir tantas mortes.
Almerinda continuou narrando a terrível história.
— Naquela época, havia cinco aldeias indígenas mais perto daqui. Durante dois meses o doutor mal dormia. Ainda bem que ele é forte como um touro. Saía de manhã, passava o dia numa aldeia, voltava só de madrugada, dormia algumas horas, e de manhã cedinho já ia para outra aldeia. Não sei como ele aguentou. Eu fiquei exausta, e olha que eu dormia durante a noite! Foram umas semanas terríveis, e, quando acabou, só haviam sobrado os mais fortes. O dr. Nick sentiu-se culpado de não ter salvo todos, mas eu lhe digo que se não fosse por ele nenhum indígena teria sobrevivido. Dias depois o próprio dr. mandou comprar as vacinas e ele mesmo fez questão de aplicar em todos. — Almerinda fez uma pausa e olhou para ela, com os olhos úmidos, só de ter-se lembrado. — Quando tudo terminou, o dr. Nick sentou-se aqui nesta cadeira, assim, com o rosto escondido nas mãos, sem comer, sem dormir e sem falar com ninguém. Ficou horas desse jeito... Eu confesso que chorei só de vê-lo, mesmo que a senhora ache fraqueza. Mas naquele dia eu vi um homem branco chorando por um povo que não era dele e que ele lutou com todas as suas forças para salvar. Todos aqui amam e respeitam demais o dr. Curran.
— Imagine, Almerinda! E o governo em relação as vacinas o que fez?
— Como sempre nada. São poucos os governantes que querem nos ajudar de verdade. O que a maioria deseja são as terras, pois abaixo delas a muitas riquezas. Contou a mulher com um a magoa em seu olhar sofrido. — Pois é, mas o doutor não se lamentou nem um pouco pelo o que o governo nos negou... guardou tudo dentro dele. E, quando anoiteceu e ele afinal se levantou dessa cadeira, tinha envelhecido anos. O rosto dele tinha mudado, seu olhar também.
Catherine entendia agora por que Nick era fechado, amargo e tão sério. Que angústia ele devia ter sofrido.
— Depois disso, o doutor disse aos indígenas que não deviam, mais dormir aqui no posto médico. Foi de aldeia em aldeia e convenceu os poucos sobreviventes de cada uma a se reunirem numa aldeia só, para poderem procriar. Explicou a eles que era para não tomarem mais as ervas que costumavam tomar para evitar filhos. Disse que precisavam ter muitos filhos e que precisavam ser muito fortes. Aconselhou-os a plantarem milho e ensinou a eles todos muitas coisas, para que entendessem o que a civilização estava fazendo com o Amazonas e com a floresta.
Agora Catherine entendia por que Nick ensinara tantas coisas ao jovem líder indígena e trouxera Maria de volta para a reserva.
— Antes havia três mil indígenas, agora só há trezentos. E isso aconteceu com todas as tribos do Amazonas. É uma coisa muito triste. Minha avó era uma indígena, que foi roubada da tribo por um dos estrangeiros, na época das árvores de borracha. Era comum naquele tempo. Os brancos usavam armas para roubarem a mulher que quisessem e os indígenas não podiam impedi-los. Eu me lembro dela ainda, quando era velhinha e eu apenas uma menina. Ela me contava que quando era jovem havia dez mil indígenas somente na tribo abaixo do rio. Os garimpeiros e madeireiros da região ainda usam e abusam das mulheres, depois as abandonam com seus filhos. Pra eles não somos nada, apenas objeto de uso e prazer.
Catherine passou a compreender Nick melhor, depois dessas revelações. Ele era um homem de fibra e, apesar de detestar as mulheres, era um humanista.
— Meu Deus, seu café ficou gelado senhora. — Disse Almerinda. — Espere aí que vou jogar fora este e sirvo outro quentinho.
Ela foi até lá fora, jogou o café e voltou com outro.
— O rio subiu por causa das chuvas em sua nascente. — Comentou ela. — Alem disso choveu de novo durante a noite. Começou a estação da cheia e daqui a alguns dias vocês vão ter coisas interessantes para filmar! Ah, estou tão contente por meu filho vir morar aqui de novo!
— Morar aqui de novo? — Catherine tomou um gole do café e olhou para Almerinda.
Então era essa a notícia de que Silas Medeiros havia trazido!
— É, o sr. Medeiros não lhe contou? Não é segredo nenhum, e ele próprio providenciou tudo. Meu menino vai voltar a morar aqui como médico da reserva. O governo brasileiro vai pagar a ele para isso. Mas na verdade todos sabemos que o governo quer alguém aqui para vigiar o dr. Nick Curran, eles sabem o bem que ele andou fazendo aos indígenas, os ensinando sobre os seus direitos e deveres.
— É uma ótima notícia, Almerinda apesar da forma que tudo está ocorrendo! — Tomou mais um gole. — Mas esse posto precisa de dois médicos? Parece que um só dá conta de tudo...
— É verdade. Depois da dizimação das tribos não há muitos pacientes. Até para o velho barqueiro e enfermeiro Valdeci Lemes não tem trabalho. Ele já teria sido mandado embora se não fosse tão velho e se não tivesse para onde ir.
— Então, porque...
— A senhora não sabe? O dr. Nick vai embora quando meu filho chegar, na terça-feira que vem. Para sempre.
1453 Palavras
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