Capítulo 39 - Prazer Selvagem
"Amo tudo que é selvagem. Selvagem e livre."
A noite hibernal tinha caído há horas, mas Zayn não acendera a luz. A sala estava escura e fria, mas ele não sentia. Estava de pé junto de uma das portas-janela, olhando para fora. Ainda não conseguia entender por que diante de Pilar ele ficava indeciso e não lhe revelava tudo de uma vez. Ela é a única mulher que lhe causa tamanho efeito paralisante.
Pensava em alguém que raramente deixava sua cabeça nos últimos tempos: a americana loira que entrara em sua vida como ardente raio de sol tropical. Sempre que visualizava Pilar, desejava-a. A atração que sentia por ela era como uma febre: devoradora e sem cura. Se a tivesse levado para a cama logo, talvez se tivesse curado, mas a rendição deliciosa, doce e explosiva acontecera tarde demais. Então tivera consciência de que caíra no laço da profunda emoção da qual rira tanto tempo depois que descobriu que poderia ter a mulher que desejasse. A maior ironia é que se apaixonara por uma mulher como sonhara a vida toda. Na verdade era isso que havia pedido a Alá ainda quando era apenas um garoto ingênuo: Uma mulher linda, orgulhosa e forte... Selvagem como os corcéis criados no deserto. Encontrara essa mulher no momento em que ela era proibida para ele. Lembrava claramente da emocionada admiração nos olhos dela ao ver Aysun: partilhavam da mesma paixão por aquela terra.
Uma terra tão sagrada como o sentimento que crescia dentro de seu peito.
O dever de se casar, e de salvar Aysun, seria para Zayn um simples final de uma série de aventuras amorosas sem compromisso... se Pilar não tivesse aparecido. E pensar também que foi graça ao seu surgimento que havia deixado Nazira receosa, a fazendo cometer diversos erros. A americana de lindos cabelos como o sol de verão e os olhos mais azuis que o céu do deserto, sim Zayn havia descobrido o amor nos braços quentes dela.
O ardente desejo que sentia por ela, a união completa que se dera entre eles, faziam o dever parecer algo menos importante. E foi isso que Nazira não contava, que tanto o filho como o pai tinham o mesmo destino, amar mulheres estrangeiras.
Visualizava o corpo nu de Pilar na tenda curda, a pele macia, a doçura cálida dos seios dela, a firmeza e mornidão das longas e bem modeladas pernas pressionando a sua cintura. O sabor doce e pecaminosos de seus lábios. Tratou de se dominar e fazer a respiração voltar ao normal.
Sabia que precisava decidir-se rapidamente e contar a verdade também a Laetitia e Zarra, porque a sua escolhida era Pilar e ela sim seria a única mulher que deseja em seu leito nupcial. Seu corpo e sua alma clamavam que ela era a verdadeira noiva para ser levada a Aysun, apesar dos possíveis problemas que teria com aquela decisão, e sua consciência lhe dizer que não podia ser. Estava disposto até mesmo a fugir com Pilar para algum lugar desse vasto planeta, talvez um outro deserto abrigasse o amor dos dois.
Sorriu, emocionado, ao lembrar da descrição que sua mãe fizera do encontro de Pilar com seu pai e avô. Osman quisera saber imediatamente se a loira de olhos celestiais, com ar tão orgulhoso e olhar inteligente, era a mulher escolhida por Zayn. Quando Leona dissera que não, o velho insistira, teimoso.
— Essa é a mulher para meu neto sim!...
Muito bem, velho Osman, pensou Zayn. Você viu em Pilar as qualidades que eu vi. Avô e neto eram muito parecidos em alguns pontos! Mas a paixão com certeza havia herdado de seu pai.
Mas o que o velho poderia fazer?
A união entre Pilar e Zayn era impossível aos olhos de muitos. Ele precisava colocar o dever acima do amor. Ao pensar nisso, uma garra enorme, fria, pareceu apertar-lhe o coração. Estava tão angustiado, o olhar perdido no nada, que não notou o luxuoso carro preto que estava estacionado lá embaixo, diante do prédio. Ainda estava imóvel quando a campainha soou. Foi abrir a porta e teve a surpresa de ver um motorista uniformizado com os símbolos dos EUA.
— Por favor, senhor... — Disse o homem. — A senhorita está esperando.
Zayn parecia olhar para um fantasma. Perguntou, abrupto.
— Que diabo é isso? O que está havendo? Por que um carro oficial do governo americano está aqui?
Mas o motorista virou as costas e começou a descer a escada. Zayn não teve outro jeito senão segui-lo. Na rua, o motorista abriu a porta traseira do carro e aguardou, calmo. Zayn parou e inclinou-se para ver quem estava dentro.
Arregalou os olhos, surpreso, chocado, ao ver o rosto sorridente de Pilar. O rabo-de-cavalo, a calça de montaria escura, a blusa de algodão branca que aprofundava a cor dos olhos dela, tudo tinha sumido. Aquela visão feminina de elegância e riqueza — enormes diamantes nas orelhas, vestido de seda dourado, casaco de pele... — era a de uma desconhecida.
— Que palhaçada é esta? — Perguntou, a voz apertada de zanga.
O coração de Pilar disparou, aflito. O queixo quadrado de Zayn, tenso, apertado num gesto de teimosia, os olhos cheios de desconfiança. O rosto moreno sobressaia do conjunto de sua túnica branca, a peça, sempre com manga longa e comprimento até o tornozelo, o deixava mais atraente ainda. O Igal estava sobre o Ghtrah, sem esquecer o bisht de cor escura com seus detalhes em dourado.
— Já ouviu falar da história Gata Borralheira? — Replicou ela, com um sorriso brincalhão. — Entre e saia desse frio, Zayn querido. Temos reserva para jantar às oito.
Zayn entrou, acomodou-se ao lado de Pilar e passou os dedos de leve na orelha dela. Esse toque suave bastou para fazer um arrepio percorrer a espinha dela. Os olhos dele continuavam selvagens.
— Quer me dizer o que significa isto, miss França?
— Zayn, você me escondeu seus verdadeiros motivos durante semanas. eu também tenho algo muito importante para lhe revelar. Mas tem que me deixar esconder os meus por mais algumas horas. — Disse ela, sorrindo.
— Me parece que depois dessa noite, nossos segredos irão ser todos revelados.
— Eu diria que apenas alguns, meu querido. Pois você jamais vai conhecer todos os meus segredos. Disse ela sorrindo mais ainda.
Ele cruzou os braços ao peito, com ar teimoso, e ficou olhando para fora, enquanto o carro andava e Pilar sorria maliciosamente.
Depois de sair do mercado, Pilar fora falar com o pai. Dissera que mudara de ideia e resolvera ficar no luxuoso hotel com ele. Marcelo França ficara desconfiado da súbita mudança, mas era um homem prático. Para ele, Pilar ir para o Sheraton era meia batalha ganha. Mas no fundo ele conhecia muito bem a filha que tinha, Pilar havia decidido algo e agora nem um terremoto seria capaz de impedi-la.
Depois, ela passara algum tempo ocupada com as roupas que o pai e a mãe lhe trouxeram. e negando completamente a ajuda que sua mãe lhe quis dar para se arrumar com requinte, Kara desistiu depois de um interrogatório de quase uma hora. Como Pilar já estava mais do que acostumada com o jeito extravagante da mãe foi fácil mantê-la entretida. Achava uma extravagância, mas tinha que admitir que a mãe tivera o maior bom gosto, como sempre, ao escolher o que mandara e pelo menos sete malas grandes, fora as pequenas com kits de maquiagem e acessórios. Era evidente que Zara França encarava a estada da filha em Istambul como brilhante acontecimento social. Em vez de sentir desprezo, Pilar sentira-se ternamente agradecida às atenções da mãe. Escolheu um vestido de seda dourado com micro brilhantes que lhe envolvia o corpo como macia luva. Sempre dispensara peles e joias caras, não ligando a mínima para essas coisas. Mas naquela noite ia respirar riqueza! Era a arma para ganhar o homem que amava e ser aceita na sociedade real da Turquia.
Com certeza, os boatos já estavam correndo por todo o pais, o congressista e futuro presidente dos EUA estava visitando o país juntamente com sua única filha e herdeira. E com certeza os boatos seriam maiores por que todos estariam curiosos para saber o que eles estariam fazendo na Turquia.
Agora, no carro que já entrava na alameda dos jardins do Sheraton, Pilar olhou mais uma vez para Zayn. Ele se mantivera em zangado silêncio os vinte minutos do trajeto e ela sorriu, ao ver a surpresa nos olhos negros ao perceber onde tinham entrado. Fitou Pilar, sombrio.
— Posso saber que diabo viemos fazer aqui?
— Jantar e dançar, só isso. — Disse ela, rindo cada vez mais.
A vista do terraço envidraçado do restaurante, no trigésimo-sexto andar, era fantástica. Depois que o garçom trouxe uma garrafa de vinho Château-Neuf-du-Pape e serviu, Pilar ergueu o copo para Zayn.
— A Aysun, meu querido... — Murmurou.
Ele pestanejou ao ouvir aquilo, mas bebeu, Zayn não parecia disposto a conversar durante o sofisticado jantar, mas Pilar falou animadamente sobre vários assuntos. Depois, foram para o Sultan Bar, onde um pequeno conjunto tocava músicas românticas. Pilar deu a mão a Zayn, que a levou para a pequena pista de dança exclusiva. A pulsação dela acelerou-se quando seus corpos se uniram.
Ergueu um pouco a mمo na nuca de zayn e enfiou os dedos pelos cabelos negros, numa carícia. Ele gemeu baixinho e apertou mais o braço que lhe rodeava a cintura, sentindo os seios macios esmagarem-se contra seu peito.
Separaram-se quando a música terminou e fitaram-se, os emocionados olhos claros suportando o brilho faminto dos olhos negros.
— Eu... eu acho que precisamos conversar agora. — Disse Pilar, enfim.
O Harém, salão anexo ao Sultan Bar, parecia outra evocação das Mil e Uma Noites, com pesadas cortinas de veludo e sofás macios ao longo das paredes. Pilar acomodou-se num dos divãs, sentando-se sobre as pernas dobradas. Zayn sentou-se ao lado dela, cruzou uma perna sobre a outra e ficou olhando, distraído, a fonte no meio do salão.
— Zayn... — Começou ela, hesitante. — Você jل ouviu falar na "no Congressista Marcelo França, ele é um dos candidatos a eleição da casa branca ano que vem"?
Ele sacudiu os ombros, indiferente.
— Acho que já vi esse nome em revistas de fofocas. Se não me engano esse congressista ganhou não só a aprovação do povo americano, mas também a afeição do atual presidente. Se não me engano foi ele que o indicou a cadeira presidencial. Por quê?
— Tenho que fazer uma confissão, Zayn... — Suspirou ela. — Acho que chegou a minha vez de revelar meus segredos... — Ele lhe deu um rápido olhar, desviou os olhos de novo.
— Marcelo França é meu pai. Sempre tive uma vida de riqueza, estava destinada a me casar com um homem rico, como você insinuou quando conversamos no trem. Só que o homem que meus pais escolheram não era destinado a me fazer feliz, mas sim a continuar o império dos França na política e nas empresas comerciais. Meu nome inteiro é Pilar Angéle França.
Um riso amargo entreabriu os lábios de Zayn ao ouvir aquilo.
— Então, a Pilar França de meus sonhos não passa disso: uma herdeira rica, sem substância!
— Não, Zayn! — Protestou ela. — Este show de riqueza é sá para esclarecer uma coisa: você pode ter a mulher de seus sonhos e Aysun! Você pode viver como sempre quis!
A conversa foi interrompida por uma garçonete morena, em trajes próprios de um harém, que lhe ofereceu raki. Depois que a moça se afastou, Zayn observou o líquido claro no copo, antes de falar. Pilar teve a impressão que ele ia estourar o copo.
— Então, Pilar? Está querendo organizar o seu harém com um concubino, um macho apenas? — A voz ardia de ódio contido.
— Diabo, Zayn! — Ela se agitou, nervosa. — Nós nos amamos! Que importa de onde o dinheiro vem?
— Para mim importa sim. — Murmurou ele, devagar, a voz sibilando perigosamente; segurou com uma das mãos a seda caríssima do vestido dela. — Acha que isto faz parte da mulher que eu amo?
— Zayn, nós não mudamos! Eu continuo sendo a mesma mulher. — Raciocinou Pilar — O que mudou é que além do meu amor posso dar a você o que está precisando, também... O dinheiro para ficar com Aysun definitivamente e construir a nova estrebaria. Quero realizar este sonho com você.
— Você já calculou tudo direitinho, não? — Os olhos dele pareciam brasas. — Só que esqueceu uma coisa: meu orgulho turco. Eu estava disposto a me casar com uma mulher rica por dever. Mas...
— Eu sou uma mulher rica.
— Você é a mulher que eu amo, Pilar... profundamente, além de toda razão. Nunca vou poder aceitar dinheiro de você. Seu dinheiro pode destruir meu orgulho e o nosso amor. É impossível... — Ele falou de modo incisivo, cruel, sem alternativa, depois ergueu-se e Pilar também.
— Então, nada mudou... — Disse ela, angustiada. — Vai se casar com Laetitia ou Zarra?
— Sim, com qualquer uma menos com você por causa de dinheiro. — Respondeu ele, seco sem conseguir raciocinar direito.
Os olhos dela brilharam com a intensidade de vitriolo azulado.
— Esse seu maldito orgulho é uma maldição!
— Pilar, sinto termos magoado tanto um ao outro — Murmurou ele.
— Zayn... — Sussurrou ela, desprotegida.
Por um segundo abraçaram-se desesperadamente, levados por um impulso indomável. Ela sentia a fome que consumia o corpo dele e ele teve a angustiante consciência do corpo macio de Pilar sob a seda fina.
De imediato Zayn largou-a e caminhou para a porta. Parou, voltou-se, os olhos amorosos, negros, cheios de sofrimento.
— Boa noite, Pilar França. E boa sorte amanhã, na corrida. Espero que você vença e, assim, realize pelo menos um de seus desejos.
Depois foi embora, deixando Pilar terrivelmente só.
Quando se aproximou da vidraça e olhou a cidade adormecida, lá embaixo, ela lembrou da descrição que Leona fizera do filho: "Um homem de orgulho e espírito inquebrantáveis". Ela tinha avisado Pilar: "rica ou pobre você não tem a menor chance com Zayn".
Será que essa profecia seria mais forte do que a prediçمo da cigana naquele bar de Kars?
Lidar com a teimosia de Zayn não vai ser fácil, mas quem nunca foi teimoso? As vezes, vai levar um tempo para Pilar e Zayn se darem conta de que não estão com a razão e isso envolve humildade também.
A tentativa de mudar o jeito do outro normalmente é desgastante e não dá muito resultado. Por isso, ao lidar com uma pessoa teimosa, aproveite para mudar o seu próprio comportamento, encontrando sua melhor versمo. e é isso que ambos ainda irão precisar aprender.
Reconhecer e entender que uma caracterيstica própria é prejudicial para si e para os outros leva um tempo. Ou seja, não é uma mudança que acontece da noite para o dia.
2450 Palavras
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