Capítulo 38 - Prazer Selvagem
"Amo tudo que é selvagem. Selvagem e livre."
Era uma tarde clara do inيcio do mês de dezembro quando Pilar retirou Maktub da baia, depois de fazer uma visitinha a Tempestade. Ao passar pela baia de Tornado, o garanhمo dourado bufou e ele respondeu. Olhando o enorme garanhمo negro, Pilar nمo pôde deixar de pensar em Zayn e imaginou se ele viria a Istambul para a competiçمo.
Estava com as calças escuras e as botas mais velhas, uma camisa de algodمo grosso sob o suéter de lم preta, os cabelos presos num simples rabo-de-cavalo. No pلtio, depois de montar, sentiu a carيcia quente do sol com prazer. O frio parecia que daria uma trégua finalmente. Concentrou-se. Queria dedicar-se totalmente ao treino de saltos.
Uma hora depois, ao levar Maktub de volta à estrebaria, estava satisfeita: tinha esperança. Mais do que isso, queria ganhar, depois da conversa que acabou virando um discussمo com o pai.
Escovou o garanhمo dourado, massageou-lhe as pernas, enfaixou-as. Estava tمo distraيda falando com o animal, a fim de habitua-lo à sua voz, que nem percebeu a porta da baia se abrir. Quando se voltou, momentos depois, deu de cara com Zayn.
Ficaram olhando-se por longos instantes, até que ela quebrou o silêncio:
— Afinal, resolveu vir, entمo? — Nمo pôde evitar que em sua voz houvesse uma nota de desafio.
— Como você, Pilar, eu tenho um negَcio a concluir aqui...
— Encontrar a mulher de seus sonhos? — Provocou ela.
— Tive essa mulher por pouquيssimo tempo, antes de ser obrigado a afastل-la de minha vida... — Nمo havia sarcasmo na voz dele, mas sim profunda tristeza.
— Que pena nمo é mesmo! Mas com certeza ela vai perdoa-lo, tembém deve estar acostumada com as suas diversas traiçُes! — Disse Pilar, por fim, irônica.
— Uma tragédia, Pilar. — Os olhos dele brilharam sombriamente.
De repente, ela se sentiu amedrontada e confusa, como se aquele homem fosse um estranho. Pegou a escova, com mمo trêmula, e tornou a escovar o cavalo.
— Maktub é um excelente cavalo. — Disse, tentando desviar a conversa do terreno pessoal por enquanto. — Um dos melhores cavalo que jل montei e trenei.
— ة bom... Quem sabe vai ganhar, com ele, Pilar.
— Quem sabe... Sَ que agora tenho pouca ilusمo.
— Nمo é melhor a gente ter gozado de um sonho, mesmo sendo forçado a esquecer, depois, do que nunca ter sonhado? — Indagou ele, com voz profunda.
— As emoçُes da gente nمo sمo uma coisa que se pode ligar e desligar sempre que desejamos. — Respondeu Pilar, os olhos claros nos olhos escuros dele. — Vou continuar sentindo o que sinto agora!
— E acha que comigo é diferente? — Uma raiva contida começava a vibrar na voz de Zayn.
— Nمo interessa mais o que eu penso! — Respondeu ela, com fingida indiferença. — Consegui ver você como de fato é.
— Inferno, Pilar! Posso suportar qualquer coisa, menos o seu desprezo! Você insiste em falar, mesmo sabendo que as palavras nمo podem mudar nada e sَ nos fazem sentir mais miserلveis?
— Que palavras? — Murmurou ela.
— Três palavrinhas simples... Eu te amo! — Ele disse isso com uma veemência chocante. — Eu sempre te amei, Pilar França e sempre irei te amar.
Ela respirou fundo.
— Nمo sei, nمo, Zayn... Jل nem sei o que eu mesma sinto. Ouvi dizer que você... que você irل se tornar um caça-dotes, ou melhor um caça-acordos para o seu reino, um oportunista ou como dizem por aي, uma moeda de troca para quem pagar mais.
Os olhos dele fuzilaram de raiva.
— Venha comigo, Pilar... — Ordenou, rيspido, a mمo grande e morena envolvendo o pulso fino e arrastando a moça para fora da baia.
— Aonde vamos? — Perguntou ela, tropeçando, quase correndo, para acompanhar os passos longos e rلpidos de Zayn.
— Conversar!... — Respondeu ele. — Estل na hora de você conhecer a histَria toda. Afinal, devo ao menos isso a você. Jل que nunca confiou em me o suficiente!
Pouco depois estavam numa mesinha do bar-restaurante do Mercado de Especiarias onde tinham jantado hل algumas semanas atrلs. Quanta coisa tinha acontecido naquele intervalo de tempo, pensou Pilar. Zayn relanceou um olhar desanimado pelas mesas vazias.
— Por onde começo? — Murmurou.
— Que tal começar pelo começo? — Sugeriu Pilar, com aparente suavidade, mas no fundo estava ansiosa.
— Eu acho que o começo e o fim estمo no mesmo lugar: Aysun... — A voz dele era baixa e tensa. — Parte do contrato de casamento entre a famيlia de meu pai e a tribo de meu avô Osman envolvia uma forma complicada de pagamento pela uniمo das duas terras. Uma velha lei tribal curda reza que suas terras nمo podem ser dadas. Entمo, os Abadi tinham que pagar um preço... inicialmente em trigo e gado... para que as terras passassem para mim, como filho mais velho e, mais tarde, para meu primeiro filho. E assim por consequência...
Zayn pediu café ao garçom, antes de continuar.
— A coisa era muito complicada porque, como contei a você, o casamento de meus pais significava importante sيmbolo polيtico e como sabe isso nمo aconteceu, pois minha mمe é uma mulher rica, mas nمo trouxe tantos benefيcios assim para a nossa naçمo. Mais um gesto do que qualquer outra coisa, o Estado turco entrou no intrincado contrato nupcial como um terceiro curador... a fim de prestigiar mais a uniمo. Bem, no decorrer de quarenta anos muita coisa mudou em relaçمo aos termos desse contrato tribal. Para começar, os prَprios curdos tornaram-se mais sofisticados e passaram a exigir os pagamentos em dinheiro... E como sabem foram eles que aceitaram a minha mمe como sendo uma deles no final... — Zayn calou-se e passou a mمo pela nuca. — Você estل entendendo, Pilar?
Os olhos claros de Pilar espelhavam profunda emoçمo. Lembrara da conversa com Carana na velha capela armênia, quando falara do idealismo do marido, mas de sua inabilidade em negَcios.
— Acho que começo a entender um pouco. Mas o que houve para o seu pai nمo honrar esse contrato de outra maneira? — Murmurou, fazendo Zayn levantar uma de suas sobrancelhas. — Continue.
— Até recentemente... — Disse Zayn, com um suspiro. — Meu pai insistiu em continuar cuidando dos entendimentos. Pensavamos que tudo estava em ordem. Infelizmente, descobrimos tarde demais que os rendimentos do reinado nمo poderiam ser usados no pagamento, Nazira deu um jeito de meu pai assinar um decreto, pelo que apuramos ela teve ajuda de algum lيder. A miserلvel o fez assinar junto de outros docuemntos, entمo a divida nمo foi paga conforme deveria. E nمo sei como o meu pai nمo percebeu, de tمo claros que os papéis eram. No final o acordo jل nمo existia mais como o conheciamos... e que nossa famيlia estava devendo milhُes... Fomos notificados pelo Estado que, se a divida nمo fosse paga, nossas terras revertem para o governo... com base na clلusula de que o Estado é o "simbَlico" terceiro curador e avalista do contrato feito hل mais de quarenta anos! Aysun, entمo, acabaria! Esse era o plano de Nazira, destruir tudo o que o amor dos meus pais aidna simbolizava!
— Mas essas terras sمo das duas famيlias hل vلrias geraçُes! Isso seria terrيvel! Como ela pôde ser tمo mesquinha assim? — Disse Pilar, percebendo a dor profunda nos olhos negros de Zayn.
— O golpe final — Disse ele, sorrindo brevemente, sardônico. — Foi meu pai aplicar o َltimo dinheiro da famيlia em açُes de uma mina de cromo em Diyabakir e graças a manipulaçمo de Nazira. Minha mمe e eu nمo soubemos de nada antes dos papéis serem assinados. Ele esperava salvar Aysun com os lucros dessa mina. Eu, entمo, tratei de agir por outro lado, para conservar nossa herança...
O olhar de Pilar fixou-se no rosto tenso, teimoso, os olhos assumindo tal intensidade que pareciam dois frios lagos.
— Casar com uma mulher com contatos que poderiam trazer recursos para o reino. — Completou por ele. — Laetitia ou Zarra.
— Isso foi no inيcio, mas... — Confessou Zayn, com voz dura. — Para tristeza de meus pais, sempre fui ligado a terra e a cavalos, nunca me interessando por mulheres, a nمo ser por pouco tempo. Eu ria do que chamavam amor. Talvez por uma defesa inconsciente, jل que eu nunca tinha encontrado mulher nenhuma que, além de bonita e inteligente, gostasse da vida que levo em Aysun. Entمo... eu brincava. Minha mمe determinou que eu sou o َltimo trunfo. De repente, tornou-se meu solene dever descobrir uma mulher que queira fazer um acordo financeiro em troca de casamento comigo. — As palavras soaram secas, irônicas, mas nمo havia divertimento nos olhos escuros.
— Você pretende propor negَcio a uma delas? — Indagou Pilar.
— Claro que sim. Nمo sei a qual das duas, mas teria que ser depressa. Se nمo, eu enfraqueço e... Mas isso foi antes? Elas seriam menos difيcil do que as outras candidatas que os lيderes queriam me empurrar.
— Precisamos conversar direto e em outro lugar. Aqui estل começando a ficar muito cheio. Além disso, estamos chamando muita atençمo.
Devagar, em silêncio, ele sacudiu a cabeça, os olhos devorando Pilar, cheios de orgulho e profundo sofrimento. Ele era um homem يntegro, leal e Pilar descobriu-se amando-o muito mais profundamente do que pensava ser possيvel. Nمo ia perdê-lo sem lutar!
— Zayn... — Começou, de repente, os cيlios velando os olhos para nمo revelar o brilho de malيcia que havia neles. — Antes de decidir, quer jantar comigo hoje? Eu... eu quero retribuir a hospitalidade que sua famlia me deu em Aysun e por me terem cedido Maktub. E esta noite é toda minha, eu decido tudo. Pego você em seu apartamento às oito... Concorda?
Uma sombra de suspeita passou pelos olhos dele.
— O que estل querendo aprontar, Pilar França?
— Confie em mim, Zayn. Nمo se trata de um negَcio? — Perguntou, passando a mمo nervosa pelo rabo-de-cavalo, trazendo-o para a frente do ombro.
— Sempre a mulher misteriosa? — Indagou ele, brincalhمo, enquanto se levantava. — Vou levل-la para o hotel.
— Nمo, nمo... — Recusou Pilar, rلpida. — Nمo vou para lل.
Antes que ele pudesse insistir, ela ergueu-se e caminhou para a porta.
— Telefono para você às sete e meia... — Com um aceno e um sorriso, desapareceu entre as pessoas que iam e vinham pelas alamedas do mercado.
1722 Palavras
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