Capítulo 19 - Prazer Selvagem
"Amo tudo que é selvagem. Selvagem e livre."
A Hípica Scheherazade, homenageava uma rainha lendária persa e narradora dos contos de AS MIL e UMA NOITES, segundo a lenda da antiga Pérsia, Sherazade, com sua beleza e inteligência, fascinou o rei ao narrar histórias fantásticas por mil e uma noites, poupou sua vida e ganhou o eterno amor do Rei Shariar. Esse monumento em sua homenagem era uma imensa propriedade, com um amplo pátio no meio. No prédio quadrado ficavam a estrebaria, as baias, departamento de manutenção, cozinha, etc. No enorme pátio ficavam as pistas de corrida. Era tudo do reinado do três sheiks regentes, pois o mais velho administrava tudo e era ele que também ordenou ao Exército turco que cuidasse do local. E por consequência pertencia a família real de onde o Zayn havia nascido.
Pilar acordara cedo, fora a pé até a praça Taksim e pegara o primeiro ônibus para Usküdar, depois caminhava por algumas quadras até o local designado para os treinos. Havia uma neblina que parecia não querer levantar tão cedo. Estava preocupada com Tempestade tanto de chuva que poderia deixar a areia pesada ou mesmo o vento forte que poderia levantar as famosas tempestades de areia que deixaria todos os competidores cegos e desnorteados por algumas horas. O desempenho da égua não fora bom na manhã anterior e ela estava começando a ficar preocupada, sua amiga e companheira de quatro patas estava estressada e de péssimo mal-humor.
A possibilidade de haver algum problema físico a deixava aflita mais do que outros impecilho que pudesse surgir. Seu próprio problema era fácil de resolver: bastava controlar o nervosismo, o tremor das mãos e concentrar-se. Já uma lesão na égua poderia tornar o resultado das corridas incerto e talvez até impossibilitar a participação.
Cerrou os punhos, com raiva, só de pensar em voltar para os Estados Unidos sem um centavo e derrotada. Já estava ouvindo os "eu não disse?!" dos seus mados e adoráveis pais.
Então, não houve jeito de não pensar em Zayn. Enquanto os pais insistiam em tratá-la como uma criança caprichosa, o princípe metido a cavaleiro turco a tornara plenamente consciente de que era uma mulher ousada e cheia de desejos profanos. Queria competir de novo com ele na pista para mostrar-lhe do que era capaz. Mostraria a ele e qualquer um que cruzasse o seu caminho que poderia ser tão ou mais selvagem que a própria natureza em sua fúria.
No entanto, não podia negar que se sentia cada vez mais atraída por Zayn Kardasher Abadi. A poderosa atração sexual que havia entre os dois ameaçava explodir numa tempestade de paixão. A atração física chegava até a impedir que se percebesse se havia algum sentimento mais profundo. Encontrara em Zayn uma força irresistível que não vira em nenhum outro homem. Uma força que o tornava inflexível, teimoso e cheio de força de vontade. Em toda essa dureza havia pontos tocantes como a devoção à família, o amor a nação e o seu refúgio particular escondido nas distantes estepes da Ásia. Por momentos viu a si mesma levando aquela vida dura e excitante, os longos e gelados invernos, depois a triunfante chegada da primavera com o nascimento de potrinhos.
Sacudiu a cabeça irritada com o rumo dos pensamentos. Desceu do ônibus e andou depressa para os jardins de Usküdar. O vento frio que vinha do mar obrigou-a a agasalhar-se mais no casaco com gola de pele. Sem que pudesse impedir, a imagem morena e forte de Zayn desenhou-se em sua mente, os olhos misteriosos, brilhantes, ora risonhos, ora famintos e apaixonados. Não queria admitir a si mesma que estava se apaixonando por um homem que ria dela, que brincava com ela como se fosse uma boneca que podia guardar na caixa para tratar de coisas mais sérias.
Lembrou das irônicas palavras que ele dissera, quando a deixara na porta do quarto: "Acho que nos entendemos muito bem, Pilar". Só que ela não entendia nada. Que misteriosas qualidades a sensual Laetitia possuía para fazer Zayn estar sempre com ela?, pensou Pilar, com raiva.
Tempestade bufou quando Pilar entrou na baia. Havia feno fresco no chão, comida e bebida. Estavam tratando bem os animais.
Enquanto tirava as bandagens das canelas de Tempestade, Pilar lembrava das instruções de Gaspar. Dissera que fosse delicada com a égua, que saíssem da baia com calma e cuidado, como se estivessem se escondendo para fazer travessuras. Que a égua poderia sentir as suas mudanças de humor, sentir o seu emocional e ficar abalada. Mas como esconder do mundo e de sim mesmo o forte desejo que um certo príncipe lhe havia despertado, Pilar tinha certeza que esse desejo só passaria, ou melhor jamsi passaria na verdade, mesmo que ela conseguisse domá-lo como fazia com a sua égua Tempestade. Adoraria usar o seu chicote naquele arrogante e fazê-lo ficar de joelhos diante dela em todos os sentidos possivéis.
Não queria que nenhuma tensão fosse revelada a Tempestade. Estavam a vinte e quatro horas da corrida agora! Nada poderia por em risco a sua vitória, nem mesmo os seus mais profundos e obscuros sentimentos.
Depois de chegarem à pista, montou e deram uma volta pelo pátio.
Depois, andaram alguns quilômetros a passo rápido, o que serviu para descontrair Tempesatde e cavaleira. De repente, Pilar sentiu-se presa em uma teia de incertezas quanto ao futuro.
O caminho subia e a égua trocou para o passo largo, andando com graça e facilidade. Pilar sentiu, então, a confiança em si mesma e na égua voltar.
Esqueceu do frio no ardor do exercício e abriu a gola da jaqueta. A linha graciosa e clara do pescoço sobressaiu do tecido escuro e dos cabelos claros que deixara soltos.
A névoa da manhã estava se dissipando e Pilar percebeu mesas e bancos de madeira ao longo da estrada. Imaginou famílias felizes fazendo piquenique ali, nos fins de semana, no verão.
Chegaram ao alto da colina e pararam. Pilar desmontou, segurando as rédeas com as mãos enluvadas. De repente, a cabeça de Tempesatde ergueu-se e ela se virou, como que em resposta a algo atrás de um grupo de árvores à direita delas. Pilar teve impressão de que alguma fera ia saltar das árvores, mas o barulho de cascos acalmou-a. Pouco depois, tinha diante de si o orgulhoso perfil negro de Tornado. Zayn dirigiu o garanhão para o lado dela.
Recusando-se a corresponder ao olhar interrogativo dele, Pilar voltou-se para Tempesatade e deu-lhe umas pancadinhas no pescoço, a fim de acalmá-la.
Zayn desmontou e parou ao lado dela.
— Vejo que a noitada alegre não prejudicou seus deveres da manhã, Pilar. — Disse, sem rodeio.
— Esperava outra coisa? — Retrucou ela, olhando-o de relance e percebendo um brilho diabólico nos olhos dele de repente.
— Não pensei que Humberto fosse deixar você sair da cama dele tão cedo!
Pilar, que tinha começado a andar, parou, estremecendo com a ofensa grosseira.
— Você merecia ser chicoteado por essa insinuação imunda. — Disse, com voz contida, apertando o chicote curto que tinha na mão livre.
— Por que não experimenta fazer isso? — Provocou ele.
Os olhos de gelo brilharam de ódio fitaram-no por instantes, aí ela falou.
— Acho que não vale o esforço.
Voltou-se para montar Tempestade e ir embora, mas o tom com que Zayn disse seu nome fez com que se virasse para ele outra vez.
— Não temos nada a nos dizer, Zayn. — Retrucou Pilar de modo frio: seu orgulho não admitia que demonstrasse a mágoa que ele causara.
— Esquisito isso ser dito pela mesma mulher que ontem afirmou ter passado um dia inesquecível comigo... — Ele dava impressão de brincar, mas Pilar notou seriedade e amargura no tom de voz.
Ela soltou um curto suspiro.
— Era apenas um sonho, Zayn. Ninguém sabe isso melhor do que você. Não temos lugar um na vida do outro, temos? — As palavras ditas em tom macio eram um desafio. — Você deixou isso bem claro.
Percebeu um brilho rápido nos olhos dele antes que as espessas pestanas negras os velassem e ele baixasse a cabeça em muda concordância. Teve impressão de ver sofrimento em suas pupilas, mas podia ser um engano. Ele só queria divertir-se com ela, usá-la. Ou seria o contrário na verdade?...
Quando ele falou de novo, a voz soou fria como aço em brasa.
— No entanto, temos um negócio inacabado.
— O que quer dizer? — Indagou Pilar, desconfiada.
— Não vou discutir isso aqui. Ali, mais abaixo, há um pastahane, onde podemos conversar sossegados.
Cinco minutos depois estavam sentados um diante do outro, numa confeitaria simples, com um bule de chá, duas xícaras e um prato de salgadinhos sobre a mesinha entre os dois.
— Agora, quer explicar que negócio inacabado existe? — Pediu Pilar.
Os olhos dele ficaram escuros e percorreram-na devagar, antes de ele responder.
— Trata-se do dinheiro que me enviou. — Disse, tirando um envelope do bolso interno da jaqueta. — Isto estava na minha caixa de correio quando cheguei aqui, hoje cedo. Foi você que mandou, Pilar?
Ela empalideceu e não disse nada. Ele falou de novo, ferino.
— Não quero seu dinheiro. Pensa que sou o que para aceitar o dinheiro de uma mulher?... — Indagou pegando o envelope e estendendo a ela.
— É seu e... — Rebateu Pilar, ignorando o envelope.
— Não, Pilar. Você o ganhou... — Insistiu Zayn, amargo, pondo o envelope entre as luvas que ela pusera sobre a mesa. — Tenho certeza que vai gastá-lo bem, como o fiscal do exército queria não é mesmo.
— Eu não sabia que ele ia ficar com o dinheiro... — Disse Pilar, baixinho, ficando vermelha.
— Aprendeu mais uma coisa sobre o mundo em qual vivemos. A corrupção e a falata de caráter estão em todos os quatro cantos desse mundo. — Comentou ele, sacudindo os ombros, indiferente. — *Baksheesh é um velho hábito neste país. Se um funcionário ganha mal, trata de conseguir dinheiro por outros meios. Isso se tornou uma espécie de jogo e eu perdi... com a sua ajuda — Riu, entre divertido e amargo.
— Eu... — Ela ia pedir desculpa, mas o profundo orgulho não deixou. — Eu acho que a conversa de construir em Riadja é disfarce. Você ia usar esse dinheiro para comer e beber com alguma mulher por aí ou mesmo comprar presentes para as mulheres que decidir conquistar. — Disse, enfim, desafiadora e triste ao mesmo tempo.
— Dá tudo na mesma. — Respondeu Zayn. — E por que se importa com isso, Pilar? Também não arranjou um protetor rico... Humberto Couto? — perguntou. — O que faço ou deixo de fazer com o dinheiro que ganho nas competições é problema somente meu.
Pilar esqueceu a raiva e olhou-o, curiosa, surpreendida pela amargura que percebeu na voz dele.
— Você conhece bem o Humberto Couto?
— Só pelas fotografias em jornais e revistas. É um dos maiores industriais americanos que praticamente vive dentro da Turquia. Sei que saiu da sua terra para escapar de um casamento por interesse, mas talvez tenha julgado você mal, Pilar. Pensei que estivesse procurando o amor verdadeiro, mas agora percebi que sua jogada é mais alta. Acho que merece os parabéns pelo resultado da caçada! Humberto Couto logo será embaixador designado por seu país em nosso reino. — A amargura dera lugar à ironia.
Aquilo era demais para Pilar. Ele pensar que ela era capaz de se casar com um homem pelo dinheiro e a posição dele, quando fugira exatamente desse tipo de vida! Dominou o impulso de dizer a verdade: que Humberto Couto era amigo do pai dela, que era tão rico quanto o industrial turco. Não queria invocar o mágico nome da família França para provar que não era uma caçadora de ouro. Era mais simples dizer.
— Acho que agora é que errou o julgamento, Zayn. Humberto Couto não é nada para mim. Eu o conheci ontem.
— Então, é de admirar a rapidez com que ele se apoderou do território!
— O que quer dizer? — perguntou Pilar, irritada.
2038 Palavras
*Baksheesh = Presente - é um termo que vem de uma palavra persa que significa "presente". Nos países do Oriente Médio e Próximo, é parte integrante da vida diária. As regras que o governam podem às vezes parecer confusas e arbitrárias para os visitantes ocidentais, que muitas vezes o associam com corrupção política e suborno.
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