Capítulo 12 - Prazer Selvagem
"Amo tudo que é selvagem. Selvagem e livre."
A bolsa escorregou da mão dela e caiu sobre o balcão, abrindo-se e espalhando o que havia dentro. Três pares de olhos fixaram-se no volumoso envelope que escapou do livro. Com gestos casuais, o fiscal pegou-o e olhou o que tinha dentro. Retirou as notas, segurando-as com as pontas do polegar e do indicador. Houve longo silêncio, depois o homem sorriu e disse.
— Dez mil francos. Parece que a senhora quer mesmo se divertir em Istambul, por muito tempo. Como dizem, os americanos gostam de fazer compras realmente.
Pilar olhou rápida para Zayn, que mantinha-se altivo e arrogante. Num relâmpago, compreendeu o que ele pretendera fazer. Sorriu, com o ar mais inocente do mundo enquanto pensava que o tempo todo ele soubera onde estava o envelope. Avermelhou de raiva: ele quisera fazê-la de boba, passando o dinheiro dele na alfândega! Lembrou da ácida troca de palavras naquela manhã.
"Vai continuar querendo ser melhor do que eu... Olho por olho..." Um brilho de fria determinação passou pelos olhos escuros de Pilar quando se voltou para o fiscal.
— Esse dinheiro não é meu. É do capitão Kardashev Abadi, que o ganhou na corrida em Paris. Acho que esqueceu o envelope neste livro...
— Nesse caso... — Disse o fiscal, com um riso alegre e malícia. — É melhor declarar o dinheiro, capitão. Tem que pagar uma taxa... E pegou várias notas de quinhentos francos do envelope; pôs uma no bolso do casaquinho de Pilar. — Agradecemos sua honestidade... — Sorriu e devolveu o envelope, bem mais magro, ao dono.
Zayn olhou-a zangado enquanto guardava o envelope. Ela retribuiu com fascinante sorriso de vitória: tinha se vingado muito bem!
Mas essa sensação durou pouco. Enquanto ia penosamente de volta ao trem, Pilar começou a sentir-se aflita com a mudança de dono do dinheiro.
Quisera fazer Zayn de bobo, conseguira e achava que ela também bancara a boba: só o corpulento e sorridente fiscal de alfândega é que fora esperto! Bem, agora estava feito. Ansiosos, seus olhos procuraram o vulto imponente de Zayn entre a multidão, mas ele sumira.
A última etapa da viagem até Istambul pareceu interminável. Pilar ficou olhando a paisagem, sem nada ver, com uma xícara de chá entre os dedos crispados. Depois, comeu pouquíssimo no jantar servido no carro-restaurante, onde, no outro extremo, Zayn e Laetitia Casta ocupavam uma mesa com outros membros da equipe francesa. Por brevíssimo instante os olhos negros dele encontraram os de Pilar, mas desviou-os com uma calma indiferença que fez o estômago dela contrair-se dolorosamente.
Talvez seja melhor, afinal de contas, pensou. A atração violenta que sentia pelo capitão e que talvez num futuro próximo se tornasse um grande líder dentro do seu país, um homem magnífico, moreno e que a assustava. Homem nenhum a fizera sentir-se daquele modo. Com toda arrogância, era a pessoa mais apaixonada e fascinante que já encontrara. Entrara na vida dela como num toque de mágica e pensar que iria desaparecer como viera fazia Pilar sentir-se vazia, infeliz.
Inclinando-se um pouco, Pilar viu Saria três mesas adiante. Parecia distraída, os olhos fixos em algo. Seguindo o olhar, percebeu que ela fitava seu guarda-costas. Lembrou-se da fita de terceiro lugar que ficara na cabine.
Estremeceu e perguntou a si mesma, inquieta, o que iria acontecer com Saria se ela não tive resultados acima do que o seus governantes espertavam dela.
Era noite quando entraram na estação em Istambul. Situada em Sirkeci, o velho bairro dos fabricantes de vinagre, a estação gótica turca parecia o umbral de uma era perdida no tempo. Pilar mais ou menos esperara ver montes de mendigos e milhares de gatos vadios, homens suspeitos com seus turbantes caídos sombriamente sobre os olhos, todos ocupando a escadaria da estação, mas teve que reconhecer que a ameaçadora reputação de Istambul era coisa do passado.
Ao descer do trem pela última vez, parou um instante no degrau de aço. A estação estava cheia de gente, a maioria homens que lutavam desesperadamente com sacos de viagem e malas. Deviam estar partindo para os mais prósperos países do norte da Europa: Suíça, França e Alemanha, onde iriam trabalhar em lojas comerciais e restaurantes para juntar dinheiro; então, voltariam para a pátria, onde comprariam um pedaço de terra ou abririam um negócio. Era assim que a maioria dos turcos faziam ao emigrar para país que pagavam melhor, eles sempre pensavam em um dia retornar a sua pátria.
Olhando para o ponto onde o terminal de ônibus ficava, Pilar percebeu o vulto de Zayn sobressaindo da multidão. Moreno, traços fortes e muito decidido, parecia não fazer parte daquela gente, mas ao mesmo tempo seu tamanho e ar poderoso faziam com que sobressaísse, como um ser à parte. E mesmo que em suas veias corressem o sangue de um povo acostumado com o sol forte e areias escaldantes, ele se portava como se o mesmo fizesse parte da natureza desse lugar.
De súbito, seu coração apertou-se: Zayn abraçava, com tal entusiasmo e alegria que a erguia do chão rodopiando, uma bonita jovem em trajes lindíssimos. Repreendeu-se: nem sequer lhe passara pela cabeça que o mesmo podia ter uma linda conterrânea à sua espera. Uma noiva ou como os mesmo dizem por aqui, a sua prometida. Com um suspiro, desceu para a plataforma.
Logo ouviu gritarem seu nome. Voltou-se. Era seu tratador.
— Aí está você, Pilar! Ainda bem que é mais alta que essas mulheres todas a nossa volta, parece uma torre de ouro entre o pessoal daqui. Se não a gente nunca mais se encontrava neste hospício! Nunca vi pessoas tão barulhentas e curiosas sobre tudo!... — Espetou um dedo no ombro dela. — Consegui um carregador para nós. Jamal, ou algo parecido, como eles chamam. Vamos, estou doido por dormir numa cama de verdade!
Jamal Ali cumprimentou os dois e os ajudou com seus pertences. E logo em seguida disparou a falar em inglês falando sobre as belezas naturais de Istambul.
— A cultura turca e suas peculiaridades faz com que o nosso país seja muito inusitado, começando por ter a única cidade no mundo, que ocupa dois continentes, Europa e Ásia. Istambul é uma cidade transcontinental. O país tem uma história muito própria, além de curiosidades culturais e da vida diária, que podem surpreender a qualquer turista.
Pilar sorriu para ele, com afeição. Há tempo que a rudeza dele era só aparência. Gaspar Cortez era o homem mais bondoso que já conhecera e era gratíssima às piadinhas, às queixas exageradas dele que conseguiam erguer-lhe a moral.
— E como pensa que eu me sinto? — Respondeu, em tom provocante. — Levei um tempão procurando você neste congresso de pigmeus carrancudos! Péssimo não ter conseguido manter sua escandalosa cabeleira vermelha por mais tempo!
Gaspar olhou-a de modo beligerante, a boca querendo rir, mas se conteve a tempo.
— Vou ver se consigo umas asas, assim fico sempre por cima!
A brincadeira deles foi interrompida pela chegada de Saria Taylor, que parou na plataforma cheia de gente e estendeu a mão para Pilar, que parecia mais alta ainda perto dela.
— Você foi uma ótima companheira de viagem, Pilar França. Vamos nos encontrar durante a semana, no treinamento... — Voltou-se para Gaspar. — Muito obrigada pelos conselhos que me deu para melhorar o condicionamento do meu cavalo, Sr. Cortez.
Gaspar sacudiu-lhe a mão, com energia.
— Tudo de bom, tenente Saria! Sempre!
Já ia afastar-se quando Pilar disse, num impulso.
— Espere! Por que não vai tomar um aperitivo com a gente, no hotel mais tarde? Não vamos ficar em nada como os hotéis da França, ou dos EUA, mas o "Kazan Plaza" é bastabte peculiar. Quando fizemos a reserva, de Paris, o recepcionista disse que o hotel tinha "um antigo e mágico encanto"... Apesar que não sei bem o que isso pode significar.
Os olhos de Saria pareceram ficar concentrados.
— Não sei... Um enviado do Consulado do meu país devia estar aqui, me esperando. — Pôs-se nas pontas dos pés e olhou ao redor.
— Vai ver que esqueceram... — Resmungou Gaspar.
Surpresa, Pilar viu o rostinho da competidora se transformar, quando resolveu. Seus olhos brilharam, ficou até bonita. Poderia ser o sinal evidente de uma tão sonhada liberdade sem vigilância.
— Está bem, então... — Disse ela. — Vou até o hotel de vocês. Afinal, não vou gastar nada indo, não? — E olhou para trás, por cima do ombro.
De novo Pilar teve pena profunda daquela mulher cuja vida não era dela.
Mas esqueceu disso, quando saíram atrás de Jamal Ali e seu táxi.
— Então Jamal Ali o que tem para nos falar dessa cidade encantadora? Perguntou Gaspar sem imaginar o que poderia vir a seguir.
— Falar sobre a cultura turca, englobando os nossos costumes: É preciso lhes falar sobre o uso dos banheiros; das vestimenta da mulher turca; das comidas típicas. E tem o famoso banho turco - hamam; o ritual do casamento e claro, o ritual de enterro. Espero que seja útil, não só para a estada de vocês na Turquia, mas também para conhecerem um pouquinho mais das características do nosso povo e compreender melhor sua forma de pensar e agir.
— Você atiçou o Jamal, agora aguente as consequências. Finalizou Pilar rindo mais ainda quando o motorista disparou a falar sem parar.
— É importante conhecer como é a nossa cultura turca e os hábitos de meu povo se pretendem permanecer por aqui! Essa informação lhes ajudaram a se prepararem para situações muito diferentes das que estão acostumados, evitando gafes e até maus entendidos.
— Nisso ele tem razão! Afirmou Pilar ainda rindo e vendo Gaspar revirando os olhos.
— Primeiro – Uso de banheiros e os vasos sanitários. Nos locais menos turísticos os vasos sanitários são feitos com a bacia de louça no piso, e um buraco, onde caem seus dejetos. Excelentes, pois desenvolvem a musculatura da perna para manter-las fortes enquanto usa o sanitário. O riso do motorista os fez icarem pensativos por alguns minutos. — Já nos locais turísticos, geralmente tem vasos ocidentais e também os turcos. O mais interessante é que os sanitários de louça, ocidental, na Turquia têm um bico de água dentro do vaso, próximo à tampa que substitui a nossa ducha de lavagem íntima.
— Acho que não gostei de saber dessa imformação. Resmungou Gaspar.
Jamal Ali nem ligou e continuou o seu entusiasmado relato.
— Como turista prepare-se para usar esses tipos diferentes de banheiro. Especialmente nas estradas encontrará somente o modelo de louça no chão. Geralmente os sanitários são pagos, tenha sempre em mão moedas.
— Deixe de ser irritante, essa informação é muito útil. Disse Pilar com curiosidade.
— Segundo – A Vestimenta da mulher turca na Turquia e nossa cultura. A religião sugere que a mulher encubra sua beleza. Alguns interpretam que seja o corpo todo, outros só a cabeça.
— Agora sim, algo realmente útil para você menina. Comentou Gaspar a alfinetando.
— Aqui na Turquia, até por estar muito próxima ao mar, muitas mulheres usam somente lenço, um manto e saia comprida. As mulheres só podem estar sem o lenço perante o marido, pais e filhos. Com cunhados e outros devem se cobrir. O costume é de que a mulher deve preservar sua beleza para o marido, assim, para sair de casa tem que se cobrir. Mas não se preocupe senhorita, hoje apenas 45% das mulheres usam estas roupas, as outras já aderiram à roupa ocidental. Perceba, ao olhar elas caminhando pelas nossas ruas, a diferença entre as vestimentas das turcas e as das mulheres de outros países mulçumanos mais radicais, que adotam a vestimenta preta, cobrindo todo o rosto. Geralmente o rigor de vestimentas mais fechadas estão em países mais radicais ou em cidades mais interioranas. Na capital, já existe mais flexibilidade, geralmente pessoas com vestimentas mais cobertas são visitantes de outras localidades.
— Tudo é tão diferente de onde viemos. Afirmou ela com curiosidade, vendo os diversos trajes femininos, alguns lhe chamaram mais a atenção que outros.
— Já, alguns homens mulçumanos usam o Take, um chapéu parecido com o Quipá dos judeus. De toda a forma, não é hábito usar roupas decotadas e curtas. Você como turista, senhorita precisa compreender esses costumes e usar roupas um pouco mais comportadas. Opte por peças que cubram os ombros, de preferência que cubram as pernas. Lembre que nas mesquitas só se entra com a cabeça e os ombros cobertos. Evite ficar olhando para as mulheres que se vestem mais rigorosamente, elas ficam bem incomodadas. E se forem tirar fotos, faça-o discretamente, geralmente se percebem que está fotografando, avisam ao homem que as acompanha e ele de imediato, as protege. Sabe os homens daqui são extremamente protetores.
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