Capítulo 5: Entre a Dor e o Poder
— Aqui está o meu verdadeiro lugar de trabalho — disse ao chegar ao único lugar que não estava ocupado por armas. Em vez disso, havia uma estante com vários livros.
Clab voltou a aparecer, desta vez sem a ordem de Don, e seus olhos nutriram duas luzes que incidiram na estante. Clab deixou de projetar a luz momentos depois e voltou para junto de Trei. Enquanto Bill esperava que a estante de livros saísse do caminho para lhes revelar uma passagem ou que Don puxasse um livro e, de repente, algo acontecesse, nada que Bill pudesse imaginar o faria acreditar que estavam numa sala diferente.
Estavam no que parecia ser uma arena com bancadas para o público. Tudo havia mudado num piscar de olhos. Estavam todos no meio da arena, especados, a olhar para o nada, quando Don finalmente fez alguma coisa. Ao bater três palmas que ecoaram por toda a arena, Bell percebeu que estavam no subsolo. Don voltou a bater três palmas e, todos, menos Bill, foram teleportados para as bancadas.
Bill olhou em volta, confuso. Não havia nada ali, a não ser a areia sob os seus pés. Então, por que teria sido deixado no meio da arena?
— Bill, vocês precisam de poder para conseguir a licença, e para terem poder, não basta saber usar magia; uma arma adequada também será bastante útil.
— E o que estou a fazer aqui mesmo?
— Sabes, o tipo de armas que estás a ver não são propriamente fáceis de conseguir.
— Se não fores compatível com a arma, nunca a poderás usar — explicou Doreán.
— Logo serás posto à prova, e se passares, a arma será tua — retomou Don, com uma tosse seca.
— É assim tão fácil?
— Se tu o dizes... — concordou Don, com um sorriso matreiro.
Da areia emergiram vários pedestais por toda a arena. Nenhum continha qualquer objeto, apenas apresentava uma fissura do tamanho do braço de Bill, com letras à sua volta, escritas numa linguagem incompreensível.
— Então, basta meter a mão num destes e ver o que sai? — perguntou, ainda sem entender.
— Claro... — respondeu Doreán desviando o olhar
Bill olhou desconfiado para os pedestais. Na sua cabeça, se algo fosse demasiado fácil, era porque estava a ser enganado — uma das muitas regras que o avô lhe ensinara. Resolveu dar uma volta pela arena. Para si, os pedestais pareciam todos iguais. Centenas de pedestais, uns iguais aos outros. Será que fazia alguma diferença se apenas enfiasse o braço em um deles e visse o que acontecia? Esticou o braço para um dos pilares, pensou um pouco antes de pôr a mão no buraco, mas acabou por decidir avançar.
— ...se quiseres ficar sem braço. — terminou Doreán, muito depois de ter começado a frase, fazendo Bill retirar de imediato a mão.
— E quando tencionavas avisar-me? — gritou-lhe furioso. — Sabes, não vou arriscar o meu braço para isto! Vou-me embora! — disse, dirigindo-se às bancadas e sendo imediatamente detido por uma força invisível.
— Devo ter-me esquecido de mencionar que, enquanto não escolheres uma arma, não podes sair daí. — lembrou-se Don.
Com receio de perder o braço caso escolhesse errado, Bill voltou a dar uma volta por entre os pilares para confirmar se não haveria algo que diferenciasse um pilar em específico, mas não encontrou nada. Confiante apenas na sorte, escolheu um pilar — o único em que conseguia ler alguma coisa. Depois de procurar por algumas horas, chegou à conclusão de que era o único com uma letra legível.
Com o braço a tremer, começou a pôr a mão no buraco e depois o resto do braço. E, como se acabassem de tocar uma trombeta aos seus ouvidos, começou a ouvir um forte zunido. Por instinto, levou as mãos aos ouvidos e tapou-os, e, por mais conveniente que pudesse ser, o zunido dispersou. Voltou a aproximar a mão do pilar, contudo, o zunido voltou a atacá-lo. Tentou aproximar-se de outro pilar, mas assim que esticou a mão, o zunido recomeçou, e foi prosseguindo até que o zunido parasse.
Após várias tentativas, Bill sentia que os seus tímpanos estavam próximos de estourar e duvidava que aquele método fosse resultar por muito mais tempo. Com uma mão suspensa por cima do pedestal e a outra colada à orelha, Bill, já se preparava para outro zunido, e não foi diferente. O zunido veio mais forte do que nunca, mas, quando Bill tentou tirar a mão, algo o segurou e puxou até ter o braço todo enterrado. O zunido parou, e Bill viu os outros pedestais voltando para a areia, menos aquele em que estava preso. Assim que o seu pedestal se tornou o único ainda por desaparecer, sentiu o braço mais solto e, com os dedos, tateou o interior do pedestal. Sentia os dedos a arranhar em algo, algo que parecia feito de metal, mas antes que apanhasse o que estava dentro do pedestal, o seu braço foi subitamente apertado e, tal como o farejador, sentiu algo a cravar-se na sua pele.
Bill esperneava, debatia-se, dava chutes e murros ao pedestal, puxava o braço o máximo que podia, mas de nada adiantava. A dor ficava cada vez pior e pior, ao ponto de ele pensar em cortar o braço fora com o punhal. Contudo, outro pedestal emergiu da areia como um tubarão e apanhou-lhe o outro braço, impedindo-o de fazer alguma estupidez.
Se antes tinha posto sobre a mesa a possibilidade de cortar o braço fora, agora, via-se a pensar se não seria melhor arrancá-lo à dentada.
— Tirem-me isto! — gritava, mas ninguém lhe respondeu. — Estão a ouvir-me? — gritou novamente. — Façam alguma coisa! — e novamente ninguém lhe respondeu.
— Eu não aguento isto! — reclamou Bell. — Não podem mesmo fazer nada quanto a isto?
— Não — respondeu Don, com um peso tremendo nas palavras. — Cabe a ele sair dali, com ou sem braços.
Bell estava para responder a Don quando algo captou a sua atenção. Dos pedestais emanava uma luz azul eletrizante que fazia-se sentir para lá da barreira. Bell soube reconhecer de imediato que aquilo era coisa do irmão, enquanto Don demorou a perceber o que se estava a passar. Com um estrondo, os pedestais explodiram, fazendo vários fragmentos voar em todas as direções. Quando os seus braços ficaram finalmente livres, Bill soube que não tinham sido arrancados. Sentia-os mais leves, com uma estranha sensação a percorrer-lhe as veias.
Depois de limpar os braços, sentiu que algo frio estava colado à sua pele, frio e maciço. Após apalpar ambos os braços, deu-se conta das duas manoplas que os substituíram. Eram de um azul safira, desde a palma da mão até ao ombro. Uma delas chegava a cobrir uma parte da mordida do farejador. Apesar do azul ser a cor que mais se destacava, o que mais chamava a atenção de Bill era o aço cinza que emergia desde o seu pulso e se unia no brasão localizado na parte que cobria o ombro de Bill. Estavam ao seu gosto e eram bastante confortáveis. Era quase como se não estivesse a usar nada, mas ainda tinha de descobrir se eram resistentes. Um soco devia bastar para testar a sua força. Desferiu um golpe direto ao chão com pouca força, no caso de a manopla partir. Contudo, foi suficiente para provocar uma cratera no chão equivalente ao que ele conseguiria fazer se estivesse a usar uma magia de pedra e vento ao mesmo tempo.
— Estou impressionado! — comentou Doreán, ao ver o olhar sanguinário de Bill que lhe era dirigido.
— Nem venhas com falinhas mansas — percebeu de longe a falsa meiguice de Doreán. — Agora quero é dormir! — disse, ao mesmo tempo que soltava um bocejo e adormecia ainda em pé, antes de ir de cabeça ao chão e continuar a dormir com a cabeça apoiada na pedra.
— Como é que ele consegue dormir? — comentou Elliot, surpresa pela facilidade com que Bill adormeceu.
— Acontece que até há pouco tempo, nós dormíamos em camas quase tão duras como o chão.— explicou Don. — Agora, ele não é do tipo de adormecer de imediato, então não sei o que se passa.
— Normal. Uma manopla consome bastante energia. Fico surpreso por ela não o ter rejeitado.
— Por que surpreso?
- Ele está se referindo à magia de trovão que ele tentou soltar quando estava com as mãos presas – explicou Bell.
- Sim, felizmente, parece que a manopla sugou toda a energia do encantamento dele antes que causasse danos.
- Isso é bom?
-Não sei, se ele não morrer, acho que sim – deu de ombros.
- Mas a maneira como as manoplas o guiaram até elas... devo dizer que é estranho.
- O quão estranho?
- Bem, meu rapaz, podemos dizer que as manoplas queriam muito que fosse o teu irmão a usá-las – respondeu, ainda surpreso com a sua conclusão.
- Está me dizendo que aquelas armas estão vivas? – apontou Bell, inseguro.
- Meu caro, as minhas armas não são as melhores só porque são feitas do melhor material. Mas não, elas não estão propriamente vivas – respondeu, acalmando um pouco Bell.
- Suponho que agora sou eu?
- Sim, mas aviso-lhe já que será um teste diferente – adiantou Don, ao ver Bell saltar para a arena e carregar o irmão até às bancadas.
Não foi muito difícil saltar com o irmão para fora da arena; contudo, sentiu uma ligeira diferença quando voltou a entrar. Não conseguia ver, mas sentia que aquelas paredes erguiam algo invisível e impossível de atravessar. Por mera curiosidade, lançou um jato de água para o ar em direção às bancadas. E, como esperava, atingiu uma cúpula invisível que rodeava toda a arena. O seu ataque provocou o mesmo efeito na cúpula que uma pedra quando atirada para a água: a sua magia foi absorvida pela cúpula, que voltou ao seu estado translúcido.
Inspirou fundo e olhou bem à sua volta, antes de se dirigir ao meio da arena. Nada parecia acontecer, não importava o quanto esperasse. O cabo de duas espadas surgiu do solo. Bell esperou um pouco mais, mas nada aconteceu. Sendo aquilo a única coisa que havia aparecido, decidiu puxá-las o mais forte que podia. No entanto, as espadas não se moveram um único milímetro.
Deixou as mãos descansarem nos punhos de cada espada e fechou os olhos, cansado por nada acontecer. Então, começou a ouvir um ruído. Fazia lembrar o som de um vidro rachando aos poucos, mas muito mais rápido. Era como se o chão por baixo dos seus pés rachasse a uma velocidade vertiginosa, mas, mesmo com os olhos fechados, podia perceber que nada à sua volta estava a mudar.
-Doreán – chamou Don, em um sussurro.
-Diz?
-Tenho as minhas dúvidas sobre este rapaz – comentou, fitando Bell, muito desconfiado.
-Não te preocupes, ele é tão capaz quanto o irmão.
-Não é disso que estou a falar. Se são irmãos, as inscrições têm de ser minimamente semelhantes. No entanto, eles só têm uma única linha em comum.
-Estás a dizer que não são irmãos?
-Não, eles certamente são irmãos, mas as inscrições nos códigos deste são-me totalmente desconhecidas e completamente anormais, mesmo falando dos continentes para lá do mar.
-Então, o que sugeres? – perguntou intrigado.
-Tem cuidado com este em especial e mantém o outro debaixo de olho - aconselhou com um ar sério.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro