Capítulo 30: O Diário de Elliot
Verificaram cada casa da rua em busca de algo que lhes pudesse ser útil. Não importava em qual casa entrassem, todas estavam exatamente iguais à primeira; nem sinal de pessoas, comida ou qualquer outra coisa essencial. No escuro, era difícil saber quanto tempo já tinha passado. Elliot lembrou Bill de que era melhor voltar a colocar as gotas, não fosse o efeito acabar. A busca não estava a levar a nada, e Elliot decidiu variar o local de procura, optando por verificar o interior da torre do relógio. Bill não gostava muito de alturas, mas preferiu continuar a procurar dentro das casas. Separarem-se num ambiente desconhecido não era das atitudes mais recomendáveis, mas nenhum dos dois comentou isso. Combinaram encontrar-se na base da torre do relógio assim que Bill terminasse a sua busca.
Bill não deu grande importância ao que encontrou, mas algo chamou a sua atenção. Numa das casas, dentro de uma gaveta, estava uma moldura partida, ainda com uma imagem no seu interior. Era o desenho de uma criança. Havia três figuras desenhadas: uma mais pequena e, de cada lado, uma maior. Por cima de cada uma estava escrito "papa" e "mama".
Bill ficou a pensar por um momento. Com certeza, houve pessoas que viveram naquele lugar. Duvidava que ainda estivessem vivas, mas, se estivessem, o que teria acontecido com elas? Lembrou-se da Esquecida pela primeira vez em algum tempo. Havia várias crianças e provavelmente várias famílias. A vida dos outros não lhe interessava; por mais vezes que recordasse todas as cenas de morte que tinha testemunhado, não conseguia sentir nada por elas. Nunca o tinham ajudado e, se tivessem tido oportunidade, teriam-no matado sem hesitar, mesmo que fosse apenas para lhe roubar o que vestia.
Uma memória veio-lhe à mente. Lembrou-se do dia em que uma criança se perdeu na Esquecida. Recordava-se perfeitamente do que aconteceu. O irmão tentou aproximar-se para a ajudar, mas Bill agarrou-o. Naquele mundo, tudo era possível, e uma criança armada não era algo fora do comum, fosse com uma faca ou um pedaço de vidro partido. Momentos depois, apareceu um homem e pegou na criança ao colo. O sorriso na cara do menino fez Bill sentir algo que, na altura, não soube definir, mas que agora compreendia perfeitamente: tinha sentido inveja.
Suspirou, amarrou o desenho à moldura, atirou-os para dentro da gaveta e saiu da casa. Não queria voltar a pensar naquelas coisas. Tinha de se focar em sair dali.
— Vá lá, Bill, recompõe-te — murmurou para si.
- Snif... snif...
Se não fosse pelo silêncio absoluto, poderia ter pensado que estava a ouvir coisas. No entanto, ouviu perfeitamente alguém a chorar. Virou-se na direção do som e viu uma criança envolta em panos, que começou a correr assim que Bill a viu.
— Nunca é bom sinal encontrar uma criança chorosa numa masmorra deserta, especialmente quando há uma criatura vinda do inferno a passear por aí — resmungou para si, girando sobre os seus calcanhares e caminhando no sentido contrário de onde vinha o choro — Nem que o céu me caia em cima, eu vou atrás dela!
No mesmo momento, Bill ouviu uma telha cair um pouco atrás de si, seguida de outra, e depois outra ainda.
— Mas quanto azar pode Deus dar a uma pessoa? — exclamou, ao ver mais uma telha cair ainda mais perto. — Preciso mesmo de olhar para cima ou posso começar a correr?
Bill já tinha duas rotas de fuga na sua mente. Estava pronto para começar a correr, e o bloco de pedra que caiu a seguir foi o sinal de partida. Embrenhou-se nos espaços mais estreitos entre as casas para garantir que não estava a ser seguido. Depois, amaldiçoou o seu azar ao ver a mesma criatura de antes a persegui-lo pelos telhados das casas invertidas.
— E para piorar, aquela coisa sabe pensar — resmungou.
Bill corria o mais rápido que conseguia pelos becos estreitos, aproveitando o espaço que tinha, mas não conseguia despistar o Alock. Saiu dos becos para a rua e entrou na primeira casa que conseguiu, ou melhor, chutou a porta para dentro.
Deixou de ouvir as telhas a cair, mas, pouco depois, algo maior caiu em cima do telhado da casa. Correu para o segundo andar e deu-se por feliz quando viu que conseguia saltar para outra casa.
Com uma leve camada de terra a cobrir os vidros partidos, saltou pela janela e entrou na casa ao lado, deixando para trás uma janela desfeita e vários estilhaços espalhados pelo chão. Continuou por mais duas casas e apercebeu-se de que a criatura ainda o seguia, saltando de telhado em telhado. Na terceira casa, Bill conjurou uma bola de pedra e atirou-a com toda a força contra a janela. Sorriu ao ouvir o som dos vidros a partir e o Alock a saltar para a casa errada.
— Afinal, não és assim tão esperto — pensou para si, satisfeito.
Parou um pouco para recuperar o fôlego e voltou a correr, desta vez sem partir mais vidros, usando apenas uma corrente de vento para o ajudar a passar de casa em casa sem fazer barulho. Voltou à primeira casa onde tinha entrado e pensou em recuperar o fôlego escondido num dos quartos.
Ao abrir a porta, algo sorriu-lhe do outro lado da janela. Bill congelou, praguejando mentalmente contra a sua má sorte.
— Mas como é possível? — perguntou-se, ao fechar a porta devagar.
*
Elliot inspecionou a área à volta da torre do relógio antes de entrar. Os ponteiros estavam parados: o ponteiro menor apontava para as cinco, o ponteiro maior repousava entre o sete e o oito, e o ponteiro mais fino, que marcava os segundos, permanecia imóvel no número doze.
Não lhe foi difícil entrar. As portas estavam destrancadas, o que lhe poupou bastante tempo. Optou por não explorar a base da torre, prevendo que estaria vazia como todo o resto. Até chegar ao topo, teria de enfrentar uma lenta e tortuosa subida por degraus intermináveis.
Elliot olhou à sua volta. Estava sozinha, num lugar fechado e escuro. Não valia a pena gastar forças a subir um lance interminável de escadas. Algo nela mudou naquele momento — o facto de estar sozinha deixava-a mais à vontade para se libertar um pouco. Em vez de usar as escadas, Elliot saltou de parede em parede até chegar ao topo, um método muito mais fácil e menos cansativo.
No fim das escadas, encontrou uma porta. Abriu apenas uma fresta para espreitar o que havia do outro lado e concluiu que era o compartimento onde repousavam os mecanismos do relógio adormecido. Conseguia imaginar o barulho que todo aquele conjunto de engrenagens, cuidadosamente encaixadas, devia fazer quando o relógio estava em funcionamento.
Elliot tinha finalmente alcançado o topo. O espaço era quase vazio, tal como toda a cidade. Para além do relógio e de mais alguns conjuntos de engrenagens, não havia nada do seu interesse. Estava prestes a descer quando reparou noutra porta, desta vez no teto, com um fio pendurado, onde uma pequena esfera servia de pega. Puxou-o, e a porta abriu-se. Do seu interior deslizou uma escada, como se a convidasse a subir.
Era um sótão. Finalmente, Elliot encontrara algo de interesse. A divisão era pequena, com apenas uma janela e quatro móveis: uma cama, um armário, uma mesinha de cabeceira e uma escrivaninha, onde repousava uma vela parcialmente derretida.
Tinha esperança de encontrar algo útil na escrivaninha, mas decidiu deixá-la para o fim e vasculhou tudo o resto primeiro. Não encontrou nada.
— Vá lá, não me desapontes... — murmurou para si, enquanto abria gaveta após gaveta, ficando cada vez mais receosa ao não encontrar nada.
Foi apenas na quinta gaveta que Elliot sorriu vitoriosa: tinha encontrado um caderno. Folheou-o e esboçou um sorriso ao ver que alguém tinha escrito nele. A lombada estava gasta, e um papel com uma runa desenhada adornava a contracapa. Não tinha título nem nome de autor, apenas um pedaço de papel dobrado na primeira página. Elliot pegou nele e leu:
"Se encontraste, é teu. Que nome lhe vais dar?"
— É meu...? — murmurou. Pensou por um momento. — Que tal O Diário de Elliot?
Claro que não fazia diferença que nome lhe desse. Pelo menos para ela, não faria.
O caderno brilhou intensamente, e, na parte superior da capa, apareceram letras grandes e destacadas formando o título: O Diário de Elliot. Elliot largou o caderno de imediato, assustada com o súbito clarão de luz, que a cegou momentaneamente.
— Au! — exclamou uma voz.
Elliot, instintivamente, pegou nas suas duas pistolas e apontou para onde julgava ter vindo o som.
— Primeiro largas-me no chão e depois apontas-me não uma, mas duas armas?! Que mal é que eu te fiz?!
Elliot não se moveu. Tinha a certeza de que a voz viera da sua frente, mas não via ninguém a quem pudesse pertencer.
— Se ainda não percebeste, baixa as armas e olha para baixo — disse novamente a voz.
Elliot, desconfiada, trocou as pistolas pela espada. Num espaço pequeno, uma arma de curto alcance era-lhe mais conveniente. Arrastou-se lentamente até ao caderno caído no chão, estendendo uma mão para o apanhar enquanto a outra mantinha a espada apontada à sua capa.
— Cuidado, tenho cócegas! — avisou a voz, antes que Elliot lhe pegasse.
- Como é que podes ter cócegas, és um livro? – questionou-se, guardando a espada e pegando no livro com as duas mãos, vendo que não parecia ser hostil.
- Atenção, Beleza, sou um artefacto mágico e não um livro comum – respondeu, incomodado.
- A mim pareces-me um livro comum – observou, enquanto o analisava melhor.
-Só por fora. Estás a olhar para um guia de monstros, com informação sobre mais de trezentas e cinquenta e quatro espécies de criaturas – esclareceu, com muito orgulho.
-A sério? E o que fazias tu dentro daquela gaveta?
- Eu podia contar a história da minha vida, mas primeiro preciso que me tires daqui, antes que o Alock me encontre – disse, com ar preocupado.
- Já tive um encontro com ele mais cedo, não foi muito agradável - respondeu Elliot recordando-se do breve encontro entre eles.
- Impressionante – comentou pausadamente, completamente desacreditado.
O livro abriu-se repentinamente, como se tivesse uma mola no seu interior. As páginas passaram muito rapidamente para que os olhos de Elliot as conseguissem acompanhar.
- Afinal, és mesmo um guia de monstros.
-Não sou a revista da semana "A bruxinha cor-de-rosa" – respondeu ironicamente, contentando-se com o sorriso de Elliot. – As minhas páginas foram encantadas; se pousares qualquer coisa pertencente a uma criatura numa das minhas páginas em branco, elas vão absorver o que deixaste sobre elas, e além de te aparecerem todas as informações sobre a criatura, também aparece um retrato dela com algumas especificações.
- E estás tão preocupado com o Alock, porquê? - Perguntou Elliot no misto de curiosidade e receio.
- Uma lição rápida sobre os Alocks: o que eles amaldiçoam, eles absorvem. E quando absorvem algo, podem transfigurar-se nessa coisa.
- Ou seja, se ele te absorver, pode transformar-se em qualquer coisa que esteja nas tuas páginas? – concluiu Elliot, pouco chocada.
-Exatamente. Olha, este é o aspeto de um Alock – as páginas moveram-se subitamente, até pararem numa ilustração a carvão da criatura que eles haviam enfrentado.
Os olhos de Elliot desceram sobre duas páginas com um tom amarelado, onde se podia ler "Alock" no seu cabeçalho. Numa das páginas, estava escrito um longo texto sobre a criatura, incluindo a sua origem, a sua fraqueza, do que se costuma alimentar, onde costuma ser encontrada, o que fazer quando se encontrar com um e todo o tipo de informações valiosas. Na outra página, estava um desenho feito a lápis de carvão da criatura, juntamente com pequenas anotações que tinham uma seta a apontar para a parte do corpo da criatura a que se referiam.
- É exatamente igual ao que encontramos aqui quando chegamos - observou Elliot ao analisar atentamente as paginas do livro.
- Espera, há mais gente contigo? – perguntou alarmado.
- Sim.
- Diz-me que eles estão por perto, por favor - suplicou o livro visivelmente preocupado
- Não faço a mínima ideia. Quando te encontrei, estava à procura de algo que me pudesse ajudar a encontrá-los.
- Então, estás aqui sozinha?
- Quem me dera. O outro membro do meu grupo está comigo, mas separámo-nos para cobrir mais área.
- Rápido, faz um contrato de sangue comigo – suplicou o livro.
- Como? - perguntou Elliot achando estranho o pedido do livro.
- Agora que alguém me encontrou, as runas do disfarce e de proteção já não funcionam mais. É uma questão de tempo até ele me encontrar – disse, desesperado.
- Como é que eu sei que não estás a mentir?
- Achas mesmo que eu ia arriscar a minha lombada se não fosse por uma boa razão?
Elliot suspirou, tirou uma pequena adaga que trazia consigo e fez um corte na palma da mão.
-E agora?
- Carimba a minha última página.
-Só para saberes, sou mais rápida a fazer um buraco nas tuas páginas do que qualquer outra coisa que possas fazer.
-Os pactos de sangue impedem as duas metades de mentir ou fazer algo nas costas do outro. Mesmo que quisesse, ver-me livre de ti depois não podia, e para ser franco nem quero, já faz muito tempo que eu tenho uma dona tão atraente - elogiou o livro descaradamente.
Elliot revirou os olhos incomodada mas mesmo assim seguiu as instruções do livro. Assim que o seu sangue marcou a página em branco, o livro fechou-se e começou a tremer.
Elliot atirou-o para cima da cama, esperando que voltasse a brilhar tão intensamente como antes, e protegeu os olhos com o braço. Não houve luz alguma. A capa do livro sofria pequenas alterações, mudando de cor e de aspeto.
A primeira coisa que mudou foi a sua lombada, dividida em cinco quadrados perfeitos, dois cinzentos e três brancos. Em cada quadrado branco, havia uma figura: uma coroa, uma enxada e um joker de um baralho de cartas. A capa e a contracapa foram as próximas a mudar: o fundo de ambas tornou-se branco e, no centro de cada uma, brotou um trevo de quatro folhas dourado.
Nos quatro cantos da capa do livro, formou-se um semicírculo de um dourado mais claro do que o do trevo de quatro folhas. O título "O Diário de Elliot" desapareceu da capa e passou para a primeira página do livro.
- Uma mudança de visual sempre sabe bem depois de algum tempo – o centro do trevo de quatro folhas começou a mexer-se e, pouco depois, estava aberto, assemelhando-se muito à forma de um olho humano.
- Espera, tu consegues ver?
-Como está escuro até dizer chega, eu não consigo ver, mas agora tens de encontrar o teu amigo antes que o Alock o encontre.
-Ele sabe cuidar-se sozinho.
- Não, ninguém pode derrotar um Alock sozinho, nem mesmo um mago especializado em magia de alma, o mais forte dos bárbaros, o mais rápido dos assassinos, ninguém! Os Alocks são, acima de tudo, manifestações temporárias da própria morte.
- Eu compreendo a gravidade da situação, mas tenho de te dizer mesmo que o inimigo seja um Alock, o Bill não é assim tão fraco ao ponto de ficarmos desesperados.
- Não estás a entender, um único corte é o suficiente para matar qualquer ser humano - O livro voltou a abrir na página do Alock, mas desta vez avançou para mais uma página.
Elliot não se tinha preocupado muito com a questão do Alock encontrar Bill; a masmorra era gigante, a possibilidade era mínima, e isso deixava-a calma. Se não fosse pela nota escrita a vermelho no fim da página, Elliot continuaria relaxada.
- Agora percebes, se um Alock memorizar o cheiro da magia de alguém, pode seguir-lhe o rasto, mesmo que esteja no fundo do mar, tudo isso para, no fim, sugar a alma de um humano.
Elliot ficou paralisada. Não havia forma de encontrar Bill antes do Alock. Tinham combinado encontrar-se na base da torre do relógio, mas se o Alock apanhasse Bill antes, bem podia esperar que depois o Alock iria atrás dela. Tinha subestimado um inimigo desconhecido e, para piorar as coisas, Bill não sabia nada sobre ele. E, sabendo o que sabia, o cenário mais possível era Bill tentar encarar o Alock de frente.
Elliot ganhou balanço e saltou pela janela do sótão. Ainda tinha o livro preso a uma das mãos, quando este se soltou. Elliot nem reparou que ele já não estava consigo, ou que, no final de contas, o livro podia mover-se pelo ar. A escuridão era absoluta para o livro; porém, o contrato que tinha feito com Elliot concedia-lhe a vantagem de saber sempre onde estava o seu dono, mas algo nela estava diferente.
Elliot cerrava os dentes com força, a sua pele começou a mudar, os seus músculos a crescer, e uma luz azul emergiu do seu peito. As suas garras arranhavam a parede da torre do relógio, abrandando a sua queda. Saltou a partir de uma determinada altura para o telhado das casas. Durante o salto, Elliot sentiu a presença de várias magias na cidade. A sua força animalesca destruía parte dos telhados quando os calcava, e derrubava paredes quando as atingia. O livro seguia a nova figura de Elliot através do brilho que foi se desvanecendo conforme ela se afastava.
*
- Que maravilhoso - pensou em voz alta enquanto seguia Elliot pelo ar.
Numa das casas, uma figura observava os movimentos de ambos. De dentro de uma casa, uma figura analisava os movimentos de ambos. Com uma luneta mágica, analisou Elliot cuidadosamente e sorriu quando percebeu para o que estava a olhar.
Tirou um relógio de bolso do seu casaco preto. Não havia nem números, nem ponteiros no seu interior, apenas um vazio roxo que logo se preencheu com uma expressão severa de alguém que não estava contente com a chamada.
- Demoraste, eu não gosto que me façam perder tempo.
- Peço humildemente desculpas pela minha inutilidade, mas trago-lhe novos desenvolvimentos que devem ser do seu interesse. Está um Lycan sombrio com os rapazes que você quer mortos - Informou, muito satisfeito com o seu trabalho.
-Um Lycan sombrio, tens a certeza?! Perguntou a mulher estupefacta com a notícia.
- Não há erro.
- Eu quero-o, traz-mo vivo! - Ordenou.
- Como a senhora ordenar - Respondeu, inclinando a cabeça.
- E o Alock não será uma ameaça para o meu Lycan sombrio?
- Não se preocupe, eu tenho tudo sob controle.
E fechou o relógio de bolso com um sorriso malicioso, prendeu a luneta ao cinto e saiu da casa, caminhando na mesma direção que Elliot seguia.
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