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Capítulo 26: Bom dia


Sirius estava de pé, em postura rígida, as costas direitas, com as mãos entrelaçadas atrás de si. À sua frente, Bill, focado, moldava uma massa negra que pairava no ar. As formas variavam: de geometria para animais e, finalmente, para algo mais humano. Sirius, não perdendo o ritmo, replicava a mesma tarefa, mas com mais agilidade, criando duas massas negras ao seu redor.

Bill soltou o fôlego e a massa negra dispersou-se, voltando aos seus pontos de origem.

- Mais uma vez. — A voz de Sirius cortou o silêncio. — Agora, quero que faças duas portas.

Bill não questionou, a sua concentração era total. As sombras ao seu redor esticaram-se até convergirem num único ponto. Gradualmente, tomaram a forma de uma porta. Ainda estava longe de completar a segunda, pois as sombras começaram a tornar-se difíceis de controlar, como se a própria noite se rebelasse contra ele. A primeira porta começou a tremer. No entanto, com esforço, ele conseguiu estabilizá-la. Agora, apenas restava a segunda porta.

- Satisfatório, agora quero que entres numa das portas e saias pela outra.

Bill assim o fez, arrastou os pés até à primeira porta que tinha criado, que desapareceu assim que ele tocou na maçaneta.

- Acho que por hoje chega – concluiu Sirius. - Bell, podes trazer os frascos, por favor?

Bell levantou-se com dois pequenos frascos nas mãos e entregou-os a Bill, que verteu o líquido para a boca e esperou que fizesse efeito, fazendo uma careta ao sentir o sabor ácido a descer-lhe pela garganta.

- Mais uma vez, obrigado. Sem ti, este processo seria muito mais difícil.

- Não tens de quê, afinal não me custa nada preparar algumas doses.

- Vamos continuar – pediu Bill, ainda sem fôlego.

- Não podes apressar as coisas. Para uma noite, não está mal, mas continuar só iria destruir tudo o que aprendeste até agora.

- Como queiras concordou Bill, amuado, sabendo que não era possível argumentar contra Sirius.

- Além disso, aqueles dois não tardam a acordar.

Elliot levantou-se assim que Sirius terminou de falar. Por estarem no fundo de uma enorme ravina, o sol não os atingia antes do meio-dia, quando estivesse no seu ponto mais alto. O caminho era sempre a direito, e Elliot sabia pelos mapas que não faltava muito até ao vale das montanhas. O maior perigo depois daquela ravina seria, muito provavelmente, o calor intenso. Enquanto estivessem protegidos pela sombra da ravina, estariam seguros, mas assim que esta se encontrasse com o vale, teriam um longo caminho sem sombra alguma para se esconderem do sol abrasador.

- Bom dia – cumprimentou Bill.

Elliot apenas assentiu com a cabeça. A memória de Bill e Bell a atacarem-na ainda era muito recente. Mesmo que tivesse sido um sonho, sentia-se desconfortável ao pé de qualquer um deles.

- Dormiste bem? – perguntou Bell.

- Só um pouco de frio – respondeu, tentando soar o mais neutra possível.

- Deu para perceber – Bell esboçou um sorriso e olhou de canto para o irmão. - Este aqui disse que não conseguia dormir e, como tu estavas a tremer, deu-te o cobertor dele.

- Se eu não o ia usar, para que me ia servir? – respondeu Bill, sem dar muita importância. - E, para ser sincero, se soubesse que era ela, tinha dado a outra pessoa.

- E pronto, o menino já está de mau humor.

Sirius exprimiu um leve sorriso antes de voltar à sua expressão rígida.

- Se sabias que apenas nós três estávamos a usar um cobertor, porque não deixaste o teu no chão? Combinava muito mais contigo – apontou Elliot.

- Que tal acalmar um pouco? O ambiente já está tenso o suficiente – disse Bell, tentando impedir que aquilo se tornasse numa discussão.

- Sabes, um "obrigado" era suficiente, mas tens sempre de ter a última palavra, não tens? – insistiu Bill.

- E tu tens sempre de ter esse ar arrogante quando falas.

- Malta, não é melhor parar por aqui antes que digam algo de que se arrependam? – avisou Bell. - Outra vez...

- Sempre é melhor do que ter essa expressão vazia o tempo todo.

- A única coisa vazia aqui é o que tens dentro da cabeça.

- OU!!! – gritou Doreán. - Parecem duas crianças de cinco anos a discutir! Nem se pode dormir direito!

-O único que parece ter cinco anos aqui é este, que não sabe falar e ainda está sempre a gritar.

-Podia ser, estás sempre tão focada em ti que nem ouves o que os outros dizem.

-Calem-se os dois, não sei o que se passou entre vocês e, para ser sincero, nem quero saber. No entanto, é melhor que resolvam isso ou peço ao Trei para vos carregar o resto do caminho debaixo dos sovacos.

-Os dois ficaram calados com a ameaça de Doreán e, pouco tempo depois, Trei acordou com um bocejo capaz de assustar um urso.

- Doreán chamas te por mim? - perguntou ainda meio sonolento Chamas-te Doreán.

Doreán olhou para os dois atentamente antes de se voltar e responder a Trei que devia ter sonhado. Ambos ficaram desencorajados com a ideia de Doreán e, para evitar discussões, afastaram-se um do outro. Percorreram a ravina sem sequer trocarem olhares e Bell sentia-se mal só por estar no meio dos dois. 

Trei seguia mais à frente com Doreán, sempre a tagarelar sobre tudo o que antes não conseguia dizer a Doreán. Estava de facto feliz, pelo menos até sentir o mau humor de Elliot e Bill. Fez um sinal a Bell para se aproximar e, lentamente, foi abrandando o seu ritmo até estar no meio dos dois. Sem que estivessem à espera, espremeu-os num abraço apertado e macio.

-Então, que caras tristes são essas? Parecem o Doreán quando está com prisão de ventre.

-EI!! Não me chames para a conversa, que eu não tenho nada a ver com a situação – Gritou Doreán, mais à frente.

-Mas é verdade, quer dizer, tirando a parte em que parece que vais rebentar. Sabes quando começas com aqueles sons estranhos.

-O que acontece na casa de banho fica na casa de banho – avisou Doreán, envergonhado.

-A questão é essa, é que o cheiro não ficou pela casa de banho – acentuou, fazendo uma careta.

-Isso não importa, não deves andar a espalhar isso para as outras pessoas.

-Eles estão com o ânimo em baixo, e foste tu que disseste que é responsabilidade de todos ajudar quando um amigo precisa.

- E tiveste de contar logo essa situação - comentou Doreán desacreditado.

-Pronto, desculpa, quem quer saber como o Doreán conseguiu ser rejeitado sete vezes numa noite? - mudou de assunto muito animado.

- Afinal, o que é que eu te fiz? - questionou-se Doreán julgando que tinha feito algo a Trei que não se lembrava.

-Lembras-te quando fomos perseguidos em Akar por termos entrado num castelo às escondidas?

-Sim, e...

-Lembras-te de dizer que tínhamos de nos separar para os despistar?

-Sim, o que é que isso tem a ver com o resto?

-Na verdade, não estava com paciência para pensar num motivo – afirmou Trei, com um sorriso.

Bill e Elliot ainda não se olhavam, porém ficaram um pouco melhor depois de ouvirem a pequena discussão entre Trei e Doreán. Vendo que tinha cumprido a sua função, Trei libertou-os do seu forte abraço e seguiu para a frente.

Bell voltou para o meio daqueles dois. Pelo menos já não sentia o clima tão pesado como antes, mas sabia que algum deles estava incomodado com algo.

Obrigado... pelo cobertor – começou Elliot, ainda com o olhar desviado.

Não tens de quê – disse Bill, da mesma maneira – seria chato se ficasses constipada.

Vocês não podiam só ter começado por isso? – disse, Doreán suspirando.

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