Capítulo 13: Impregnado de medo
— Oi, oi, oi, como está o meu menino preferido? — Perguntou Valak tempos depois, a sua voz suave como uma lâmina afiada.
Entre as sessões de tortura física e psicológica, com mais um ou outro monólogo de Valak, Bell já tinha perdido a noção do tempo. As chibatadas em brasa ainda causavam comichão nas costas, queimando lhe a pele e a alma. Cada respiração era um esforço, um lembrete de sua dor.
Ele mal o deixava dormir, na verdade Bell não se recordava se já havia adormecido ou desmaiado, a ultima coisa que se lembrava era que Valak havia-lhe injetado com um vermes que ele próprio havia desenvolvido, e face a qualquer estimulo de dor externo, Bell sofria com intensas descargas elétricas vindas de dentro de si.
– Não sou o teu menino coisa nenhuma – Disse mal-humorado.
– Estamos rabugentos hoje, não é? Não te preocupes, que eu trouxe algo especial para ti hoje.
– Mais uma das tuas surpresas macabras? – Retorquiu desconfiado quando um guarda apareceu e viu Valak a sussurrar-lhe ao ouvido.
– Sim, algo que de certeza vais adorar. Sabes, tive muito tempo livre estes dias e pensei que podia preparar-te uma surpresa especial – O guarda trouxe uma cadeira para Valak, que, muito descontraído, se sentou a olhar para Bell. – Podes deixá-lo mesmo aqui – Disse para o guarda.
– O que andas a tramar?
– Eu... – Disse Valak fingindo-se de chocado – nada, como te disse, é só uma pequena surpresa, algo para não te sentires tão sozinho.
O guarda atirou algo para a frente da cela de Bell. Estava embrulhado num farrapo de papel. Pequenas gotas de sangue respingaram pela cela de Bell, e o embrulho malfeito desfez-se. Os pedaços de papel começaram a cair para o lado, revelando dois corpos enrolados. Valak não ficou desapontado com o resultado do seu trabalho e exibiu um enorme sorriso sádico ao ver Bell andar a curtos passos em sua direção. Um dos corpos estava deitado de barriga para baixo, contudo, o cabelo loiro e o brasão nas costas em forma de árvore revelavam a identidade do corpo. Mas, para tirar todas as dúvidas, Valak deu um chute ao corpo, virando-o para cima e eliminando quaisquer dúvidas que restavam em Bell.
Inicialmente, Bell quis chorar, depois partir as grades para, em seguida, partir Valak aos bocados, mas acabou por chocar com a realidade e apercebeu-se de que não era capaz. Ajoelhou-se no chão de frente para o irmão.
Os olhos de Bill estavam abertos, porém sem cor. A sua boca ainda tinha a forma do último suspiro, os seus lábios já sem cor, contrastando com as gotas de sangue que lhe pintavam a cara pálida. Não havia dúvidas de que era o irmão, mas Bell recusava-se a tirar os olhos dele, como se esperasse que ele ganhasse vida de repente e lhe piscasse o olho, como se aquilo tudo fizesse parte de um plano dele para o resgatar, mas não era o caso.
Valak deu um pontapé ao outro corpo para que Bell lhe dirigisse a sua atenção. O desespero foi demasiado, e Bell não sabia o que sentia. Os seus olhos choravam, porém o seu rosto ria incontrolavelmente. Bell ria cada vez mais alto à medida que mais lágrimas escorriam do seu rosto. O seu riso passou a uma gargalhada e depois a gritos furiosos e incontroláveis, e os olhos deixaram de chorar por um momento, pelo menos até que aquele riso inexplicável terminasse. Depois de gastar as forças, o rosto de Bell trancou-se numa única expressão enquanto continuava a chorar.
– É perfeito – Elogiou Valak em êxtase – nunca vi nada tão lindo, tão belo, tão fantástico. Há quanto tempo não me sentia assim? – Perguntou para si próprio. – Acho que nem mesmo ele tinha uma expressão tão bela – Disse, deliciado. – Sim... ele – Repetiu, com um tom nostálgico. – Ainda não, ainda não cheguei ao mesmo ponto, preciso de mais.
Bell tinha-se perdido nos pensamentos que lhe toldavam ainda mais a razão. A sua cara limitava-se a uma expressão indiferente, e os olhos não eram exceção. Não estavam tristes, nem algo parecido, muito menos estavam felizes. A expressão neutra era avassaladora, ainda mais pelas lágrimas que insistiam em correr, mas sem que um músculo fosse movido. Não era apenas um caso de não saber como reagir. Todos os seus pensamentos e sentimentos estavam embrulhados abruptamente, focando-se apenas na imagem trémula do irmão.
– Pendura-os de cabeça para baixo na cela da frente, acho que lhe passou despercebido um pormenor.
O guarda, enojado pelo serviço, assim fez o que Valak ordenou e pendurou os dois corpos de cabeça para baixo. Imediatamente, os cabelos ficaram a pender, tal como as suas mãos, cozidas uma à outra, como se simbolizassem algo.
– O que achaste do meu presente? - perguntou ansioso pela resposta de Bell
Bell não lhe respondeu. A sua resposta veio de outra pessoa que, com passos rígidos, provocava um eco terrível nos seus ouvidos.
– Eu adorei, um trabalho excepcional, como sempre – Respondeu-lhe uma voz familiar.
– Aposto que o Emiel ficará contente com isto – Acrescentou Valak. – E claro que temos de agradecer a quem nos disse onde eles estavam – Disse, esticando a mão a alguém que não se quis aproximar da cela.
– Os teus serviços foram úteis, já te podes retirar – Ordenou a mulher, atirando um pequeno saco rechonchudo para quem se resguardava fora da visão de Bell.
– Agora é esperar.
– E não podes continuar o teu trabalho já? – Perguntou a mulher, com um ar triste.
– Se começar agora, ele não sentirá nada por causa do choque emocional. Todos os guardas em fila – ao seu comando, mais cinco guardas correram pelo corredor, com alabardas nas mãos, e, quando alcançaram Valak, encostaram-se à parede, imóveis como estátuas, com armaduras. – Guardem este prisioneiro e certifiquem-se de que ele não tenta tirar a própria vida. Saíam da frente, quero que ele veja esta linda peça – De imediato, os guardas colaram-se à outra parede.
Bell tinha ouvido tudo do início ao fim. Alguém os tinha denunciado, era óbvio. Ouviu também que podia tirar a sua própria vida, mas no final não daria em nada. Colocar um ponto final à sua vida não lhe garantiria um reencontro com Bill ou uma nova vida caso resolvesse acreditar na reencarnação. Mas a possibilidade era tentadora; sempre era melhor do que ficar sozinho naquele espaço, com a bela vista de duas pessoas queridas penduradas pelos pés e com as mãos cozidas.
– Estás mesmo a pensar em fazer isso? – Interrogou-lhe uma voz na sua cabeça.
– E porque não? – Pensou ele em resposta.
– O que diria o Bill? – Disse, com ar de desilusão.
– O Bill está morto – Pensou para si.
– E qual achas que seria a reação dele ao ver o irmão ser derrubado pelas pessoas que ele odeia?
– Provavelmente não ia gostar – Pensou um bocado.
- Tu não queres morrer, eu sei, se quisesses mesmo morrer nem me estavas a ouvir.
- NÃO É JUSTO!!! - Gritou em voz alta, lançando um muro invisível ao chão, como se tentasse esmagar o próprio inferno que o consumia.
- Tens razão, primeiro não te consegues proteger, depois levas as pessoas que te são queridas para a morte. Sinceramente, não é justo acabares aqui.
- Eu sei, afirmou, a voz perdida, como uma brisa que já não encontra onde se abrigar.
- Devias ser tu ali pendurado, não era?
- Sim - respondeu Bell mecanicamente.
- NÃO!!! - Discordou a voz com um berro, forte como uma tempestade a rasgar o céu. - O teu irmão veio aqui salvar-te, não para te ver a lamentar a sua morte.
- Mas o que posso fazer?
- Nada... mas nós podemos fazer tudo.
- Não, não podemos.
- Porque?
- Não temos força, nem magia, nem motivo para lutar, argumentou Bell, com a alma já partida em mil pedaços, como um espelho quebrado que reflete um vazio sem fim.
- Como podes dizer isso? Olha o que eles fizeram ao teu irmão, olha o que eles nos estão a fazer! OLHA PARA O QUE LHE FIZERAM! O grito daquela voz alcançou pela primeira vez o seu coração, rasgando-o de dentro para fora. Olha o que fizeram a Elliot! Estava a sentir algo que nunca havia sentido antes. Olha o que fizeram contigo.
- Pouco me importa o que acontece comigo, respondeu indiferente, como uma árvore que já não sente o vento, desprovida de raízes.
- Sentes o mesmo por quem está na outra cela? – O olhar de Bell ergue-se com a referência, como se a pergunta tivesse sido uma flecha a atingir-lhe o centro da alma.
- Minha pobre criança - A voz mudou, tornando-se mais sensível, suave e feminina, como a brisa suave que acalma um campo devastado. - Como te puderam tirar as pessoas que amavas? Deve ser difícil ter o coração arrancado desta maneira.
-Dói muito, sussurrou Bell, começando a chorar. O meu peito dói, dói-me a respirar... As minhas costas ardem... – As palavras saíram como uma corrente de lava, queimando tudo o que tocavam.
-Pobrezinho... Bell não se tinha apercebido, mas uma figura humanoide materializou-se na sua cela. Era uma entidade simples, branca como as nuvens e de olhos amarelos como o sol, mas com a frieza de uma estrela distante. Foi aberta uma ferida em ti que não pode ser curada, e uma dor que jamais esquecerás.
-Então o que faço? Bateu com os punhos no chão, os dedos a arranhar a terra que não lhe pertencia mais.
-Não te preocupes, a entidade abraçou Bell friamente, e no mesmo instante a sua pele começou a tornar-se preta, como se a própria sombra o estivesse a engolir. Eu preencherei o teu vazio, eu dar-te-ei um motivo para viver, eu farei com que nunca mais sintas essa dor.
-Como?
-Se os anjos guardam o céu e os demónios o inferno, então eu guardarei os teus sonhos no purgatório, para que as flores não voltem a queimar.
- As... flores... - Bell pensou durante um bocado nessas palavras, mas quanto mais pensava, pior se sentia. E quanto pior se sentia, mais vontade tinha de esquecer a sua dor, como se fosse possível apagar as cicatrizes da alma com uma simples borracha.
-Não te preocupes, tudo ficará bem - Tranquilizou-o a entidade, tapando os olhos de Bell com mãos enegrecidas, como se quisesse poupar-lhe à visão do abismo que se abria dentro de si.
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