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Capítulo 22 : Viagem atribulada


Talvez um tiro para o alto fosse o suficiente para acordar os dois irmãos. Contudo Elliot ficou surpreso ao ver que nenhum dos dois estava no quarto, ao menos tinham-lhe poupado o trabalho de os acordar, mas agora tinha de se dar ao trabalho de os procurar.

Depois de os procurar pela casa decidiu ir para o exterior, ainda estava escuro e era difícil para alguém da cidade os ver. No caso de Elliot era diferente já estava habituada a ambientes escuros e os seus olhos já estavam habituados. A noite era silenciosa apenas se ouvia uma morna brisa no ar e o som dos animais noturnos. Andou mais um pouco quando começou a ouvir algo a cortar o ar, e pequenos arfares quase imperceptíveis. O som era muito semelhante ao de uma espada afiada a golpear o ar e Elliot preparou-se caso um guarda perdido anda-se por ali. Moveu-se de cobertura em cobertura confiando plenamente na sua audição enquanto. Carregou a arma com uma lágrima e preparou-se para fazer pontaria.

-Ainda sou melhor do que tu - Ouviu.

Elliot reconheceu a voz mas ainda não tendo totalmente a certeza continuou a mover se furtivamente.

Duas sombras lutavam entre si, partilhando entre eles vários golpes de mãos nuas, golpes rápidos e precisos. Mesmo com a lua encoberta, percebeu pelas vozes que se tratavam mesmo dos irmãos. Elliot não sabia nem queria saber porquê eles estavam a lutar, mas por curiosidade ficou a assistir. Nenhum dos dois chegava propriamente a ferir o outro, mesmo com golpes tão pesados. Bill deu um poderoso soco nas costelas de Bell fazendo-o recuar por um instante antes de voltar a carga com uma rajada de socos consecutivos, porém a defesa de Bell era sólida e bloqueou cada um dos golpes, num dos ataques do irmão Bell reduziu drasticamente a distância e aplicou um golpe duplo no tronco de Bill criando uma nova abertura na rede de ataques consecutivos do irmão. 

Bill interrompeu-o a meio do terceiro golpe varrendo-lhe as pernas e atirando Bell para o chão, Bell enrolou-se ao mesmo tempo que as suas costas bateram no chão e colocou se imediatamente de pé, já numa posição defensiva. As nuvens abriram por um momento, e a luz da lua iluminou o estado dos dois irmãos. O vapor libertado pelos seus corpos era surpreendente, só depois de os dois pararem a série consecutiva de ataques e contra-ataques, é que reparou que tanto um como o outro estavam de tronco nu, sem as botas calçadas e meias calçadas. Ficou um pouco desconfiado ao ver o corpo trabalhado de ambos, porem o brasão nas costas de cada um despertou ainda mais a sua atenção.

-Impressionante, não? - Sugeriu uma voz atrás dele.

Com o susto Elliot desferiu uma cotovelada em quem estava atrás de si e fazendo mira ao homem ainda encolhido pela cotovelada. Suspirou quando viu o brilho nos óculos de Doreán e guardou a arma no seu devido lugar.

-Sabes que podia ter-te matado - Avisou Elliot preocupado com a atitude vulgarmente irresponsável de Doreán.

-Ui!!! já estou cheio de medo....desculpa lá mas não me imagino a ser morto por ti - disse ao levantar-se com as mãos no estomago.

Os dois ficaram a observar a luta de Bill e Bell, como se algum dos dois espera-se que algo de interessante acontecesse. Foi Doreán a interromper o silêncio que se tinha gerado entre eles.

-Vais dizer que aquilo é corpo de uma criança? - Perguntou sarcasticamente enquanto levantava uma das sobrancelhas - quantas vezes te ensinei que não se deve julgar um livro pela capa, assim como eles tu também não sabes pelo que eles passaram.

-Uma pessoa que trabalhe no campo também consegue ficar assim, não me compares a meros agricultores - Respondeu revoltado - quando alguém me estendeu a mão pela primeira vez eu valorizei esse gesto, eles não são capazes disso, quase ninguém é.

-Porque insistes nessa tua visão negativa sobre as pessoas - Comentou Doreán desanimado.

-Porque são todos iguais - Elliot observava os irmãos com um olhar muito sério como se não visse o mesmo que Doreán - não importa o que se faça, não importa por quanto tempo os conheces ou por quanto tempo andaram conosco, quando veem a primeira coisa que não compreendem fazem todos o mesmo.

-Todos fingem que são bons, mas quando a coisa complica é que vemos que está verdadeiramente do nosso lado, é isso que queres dizer?

-Basicamente.

-Acho que não posso fazer nada a respeito - Respondeu com um sorriso mal disfarçado - Ei vocês dois !! - Chamou Doreán quase aos berros, algo que não agradou muito a Elliot.

-Doreán! - Exclamou Bell surpreendido enquanto pegava nas suas roupas pousadas em cima de alguns detritos e se vestia atrapalhadamente.

-O que estão a fazer aqui?

-O que? agora não podemos sair, que eu saiba não somos vossos prisioneiros - respondeu Bill.

Bell deu um soco no braço ao irmão e dirigiu lhe um olhar de desagrado.

-A treinar, o nosso avô ensinou nos que se não treinarmos uma vez ao dia os nossos corpos ficam fracos.

-E qual era a necessidade de ficar em tronco nu? - Perguntou Elliot esquecendo-se do tom com que Bill responderá antes

-É para o corpo respirar melhor - justificou.

-E os pés descalços ? - Perguntou apontando para os pés de Bill.

-Quando eu e o Bell éramos mais novos o nosso avô não tinha dinheiro para sapatos então habituamo-nos a andar sem eles, além de que dá para sentir o adversário a mover-se desta maneira.

-A minha bolsa - Disse Bell voltando para trás a correr

-Tanto ânimo por uma bolsa?- Perguntou Doreán.

- Ao que parece á muitas ervas á volta da cidade que ele pode usar para fazer poções de cura, ele esteve a colher algumas antes de treinar nos.

-Desde quando o teu irmão sabe fazer poções de cura?

-Desde que me lembro, ele sempre tinha vontade de saber mais e mais até que chegou ao ponto que o nosso avô se viu forçado a ensinar algo mais desafiador - Bill parou e olhou fixamente para Elliot.

-Queres alguma coisa? - Disse friamente.

-De ti, apenas distancia - respondeu no mesmo tom.

-Podes ir a pé, se te incomoda tanto.

-E tu podes enfiar essa adaga no teu-

-Ok, estou a ver que nenhum de vocês está de bom humor - Disse Doreán colocando se no meio deles.

Bell apareceu algum tempo depois carregando uma maleta de couro a transbordar de ervas. Os cavalos estavam alimentados e prontos para a viagem, assim como Elliot e Doreán que iriam cada um em um cavalo diferente, tendo Elliot por companhia Bill e Doreán um alegre Bell. Bill chamou por Crainer que imediatamente apareceu por detrás de umas casas dirigindo-se a eles e deixando os cavalos assustados, batendo com a patas no chão e tentando derrubar quem estivesse na sua cela.

-Grande lobo! - Exclamou Trei espantado pela altura de Crainer.

-E tu és um grande humano, acho que estamos bem um para o outro - Convidou Crainer muito amigavelmente.

Trei só demorou um instante a ir buscar toda a bagagem e a amarra-a em cima de Crainer e depois saltou para cima dele.

-Como te estás a aguentar? - Perguntou Bill preocupado.

-É capaz de me abrandar um pouco, mas nada mais - Respondeu confiante.

Sem mais delongas o grupo começou a mover-se em direção as covas dos uivadores. Bill ainda se tentou amarrar em Elliot para evitar cair, mas ele olhou-o muito sério assim que ele lhe tocou e tirou de imediato as mãos. Os cavalos corriam tão rápido como Crainer. Mesmo com mais peso do que o habitual, Crainer não ficava atrás dos dois cavalos. Foram longas horas de viagem que deixaram Bell entediado, ao mesmo passo que Bill tinha desenvolvido um equilíbrio sobre-humano. Estava de braços cruzados, olhos fechados e as pernas firmemente presas ao cavalo e parecia estar a aguentar-se muito bem uma vez que Elliot não deixava que ele se aproximasse.

O sol já tinha nascido, e apesar de ainda ser de manhã o calor era tórrido. Sem darem por isso a terra cheia de erva onde antes os cavalos deixavam as suas pegadas tinha-se transformado num solo seco e quebradiço como num deserto. Bill abriu os olhos sentiu que Elliot tinha ficado subitamente agitado como se algo não estivesse certo. Fitava preocupado o solo e levantava-se várias vezes do cavalo sempre segurando as rédeas com as mãos a tremer.

-Doreán!!! - Gritou depois de aproximar mais do seu cavalo.

-Eu sei continua a correr, com sorte eles não dão por nós - Respondeu com exaltação na voz.

- O que se passa? - perguntou Bell curioso.

Doreán tinha a intenção de responder a Bell quando algo emergiu da terra, tão alto como uma torre, a sua imensidão tapou o sol.

-Larva da areia é o que se passa - gritou Doreán - Trei não pares ou abrandes por nada deste mundo - Trei em resposta gritou um "sim" choroso.

Doreán e Elliot afastaram-se um do outro muito rápido antes de um par de dentes se enfiar na terra adentro engolindo tudo á sua passagem e deixando um enorme buraco.

-Parece uma minhoca gigante - Comentou Bell despreocupado.

-Uma minhoca? olha para o tamanho daquela coisa - Gritou Bill tentando fazer descer o irmão á terra.

De novo a larva da areia emergiu do solo desta vez falhado os seus alvos por pouco voltando e voltando a cair de dentes na terra escavando um outro buraco.

Bell já tinha pensado em algo para quando a larva da areia volta-se a aparecer, assim que mostrou a sua carantonha várias árvores emergiram da terra levantando a larva da areia e envolvendo os seus ramos e folhagem á sua volta.

-Não vejo porque ficaram tão preoc...

Bell não terminou a sua frase por algum motivo a larva da areia soltou se da armadilha de Bell e continuava atrás deles, mas desta vez bem maior do que antes.

-Não podes derrotar uma coisa destas com magia elas absorvem-na - Repreendeu-o Elliot.

-Bell podes segurar as rédeas por um momento - Pediu Doreán enquanto as passava a Bell sem lhe dar tempo para responder - Espero não estar enferrujado - Disse estalando os dedos das mãos, o pescoço e cada lado das costas.

Doreán saltou do cavalo, levantando-o vvo contra a larva da areia. A larva levantou a cabeça do solo e abriu a sua enorme boca pronta a engolir Doreán. A farda voava ao sabor do vento, o metal polido das duas pistolas brilhava com a luz do sol. Desembainhou a espada com a maior tranquilidade do mundo, a espada branca contrastava bastante com as suas roupas pretas assim como o sangue da Larva de areia contrastava no solo seco. Doreán voltou a colocar a espada dentro da bainha antes da Larva de areia gritar em agonia e com metade da boca cortada. Doreán acabou por aterrar na pele da Larva da areia e tomou impulso dela para se atirar de volta para o grupo, mas acabou por cair em cima de Crainer e teve de dar outro salto para voltar ao seu cavalo arrancando as rédeas das mãos de Bell que olhava para ele estupefato.

-Um golpe...isso foi incrível, explica me como fizeste isso.

-E que tal eu explicar-te quando não tivermos uma criatura gigante atrás de nós.

-É acho que pode ser.

-Só achas!! - Gritou Bill.

Bill foi interrompido quando do solo sairam mais um bando de larvas da areia cada uma maior que a outra. Dorean deixou a cabeça pender para baixo e passou novamente as redes a Bell bufando irritado, passando para trás de Bell Doreán desembainhou novamente a sua espada, apontou a lamina para o céu e acendeu mais um cigarro, sem demonstrar a mais pequena preocupação com a redução da distancia entre eles e as larvas. Por fim desenhou um semi circulo bem a sua frente e sem explicação o bando de larvas da areia foi desfeito, ainda com vários pedaços de carne a voar para todos os lados Doreán tomou as rédeas e voltou a sentar-se, suspirando de alivio, antes de muitas mais larvas da areia saírem do chão.

Bill viu de longe as veias de Doreán a saltar, e a expressão de furioso do homem de meia idade quando tirou as duas pistolas da cintura.

-SEUS VERMES NOJENTOS ACABEI DE ACORDAR FAÇAM POUCO BARULHO - gritava enquanto os o som dos tiros disfarçava os palavrões que Doreán dirigia á mãe dos insetos - NEM POSSO FUMAR EM PAZ!!!!

Bell estava aterrorizado de como uma simples bala mesmo não sendo magica abria enormes buracos no corpo daqueles seres enormes.

-Se ficam assim só com esta demonstração então não imagino como ficaram ao vê-lo a lutar a sério.

-Então este a absurdo não é ele a lutar a sério? - Interrogou Bill

-Longe disso, isto é só o que acontece quando não o deixam fumar em paz, acho que só me lembro de o ver a lutar a serio uma vez - comentou Elliot pensativo.

-E como foi? - perguntou Bill curioso.

-Não tem como te explicar o que eu vi, o que as habilidades do Doreán me fizeram sentir, mas acho que foi a primeira vez que um humano fez um panteão de Deuses implorar pela vida.

-E o que ele fez?

-Acho que não é o melhor momento para esta historia - respondeu Elliot voltando a realidade.

-Não queres contar como foi? - Sugeriu ele.

-Depende, se me apetecer logo até posso contar - Respondeu no seu habitual tom frio e indiferente.

-Estamos a chegar - gritou Doreán para Elliot que logo se apercebeu das enormes grutas que emergiram do solo.

Elliot seguiu Doreán, encaminharam-se ambos para um único túnel que os levaria por uma passagem segura até ao seu destino. Trei foi o primeiro a entrar com Crainer que teve de assumir a sua forma de lobo para caber no túnel, seguido de Doreán e Bell antes do túnel desabar por causa de outra larva da areia, que lhes impediu de continuar atrás de Doreán.

Elliot tomou outro curso escapando por pouco a uma mordida que fez o chão e o teto da gruta começar a desabar. O cavalo relinchava á medida que o chão por baixo das suas patas rachava e o teto da gruta começava a ceder soltando várias pedras, umas estiveram perto de acertar em Elliot. Bill impedida os maiores blocos de cair, através de vários feitiços, manipulando as pedras e criando vários pilares ao longo do caminho para suportar o teto. Aos poucos a fendas do chão aproximavam se deles e com Bill ocupado a conjurar feitiços para que mais pedras não caíssem do teto e Elliot ocupada a dirigir o cavalo, foram ambos surpreendidos quando o chão por baixo deles cedeu.

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