Capítulo 11: Do outro lado dos muros
Bill e Bell já tinham andado um bom bocado quando a luz vinda da cidade começou a esmorecer, mesmo estando a chover as chamas do incêndio persistiram durante mais algumas horas, com um vigor intenso.
Ambos seguiram o trilho de pedra a passos apressados com um pequeno disco de vento a protege-los da chuva . Queriam se abrigar o mais longe possível da cidade uma vez que não se sentiam confortáveis ao pé dela depois de terem passado tantos anos rodeados por ela, além de que o cheiro a fumo e a gente morta não era propriamente agradável.
As poças de água aumentavam ao longo do caminho, e o mesmo se aplicava aos montes verdejantes que aos poucos se transformavam em pequenos montes castanhos alagados. Os seus passos pareciam abrandar à medida que se afastavam da cidade, a lama presa nos seus sapatos tornava-os mais lentos e desajeitados além disso o frio começava a encontrar falhas nas suas roupas velhas. Com uma magia rápida Bill criou um abrigo de pedra junto a uma árvore perto do caminho de pedra, com outra magia Bell secou o interior do abrigo instantaneamente, permitindo assim que eles se deitassem sem se molharem e com as roupas o mesmo, uma breve magia e estavam secos.
Assim que entraram repararam de imediato que o abrigo não tinha muito espaço, acomodaram-se rapidamente ao pequeno espaço.
Bell usou uma magia de fogo, criou algumas pequenas esferas que além de iluminarem o pouco espaço que tinham proporcionaram-lhes algum calor para se aquecerem. Podiam não ser condições perfeitas mas cansados como estavam adormeceram sem reclamar.
Acordaram ambos com inúmeras dores por todo o corpo, devido ao pouco espaço disponível ambos tiveram de dormir em posições bastante desconfortáveis.
Ainda não passava do meio dia mas o sol já brilhava intensamente como ambos puderam ver pela entrada do abrigo. Depois de longos segundos de espera que pareceram a Bell intermináveis ambos saíram do abrigo, alongando de imediato a suas pernas ainda adormecidas e os braços dormentes, só depois desse pequeno momento é que repararam que não conseguiam ficar muito tempo com os olhos abertos, havia demasiada claridade para eles os dois, nada que algumas piscadelas e um pouco de tempo não pudessem resolver.
-AiAiAi!!! - Gemeu Bell ao tocar com as mãos uma na outra vendo que ainda estavam com marcas de queimaduras - Tinha me esquecido por completo.
Sentou-se de pernas cruzadas de costas para o sol e começou a proferir algumas fórmulas de cura, que rapidamente fizeram desaparecer as queimaduras dando á sua pele uma nova cor
-Assim está melhor - Proferiu enquanto se levantava, abrindo e fechando repetidamente a mão confirmando que estava mesmo tudo bem, assim que terminou voltou-se para o irmão que observava descontente o enorme caminho que tinham pela frente.
-Estamos livres!!! - Exclamou Bell saltando para as costas do irmão - O que vamos fazer primeiro, explorar montanhas, florestas ou vamos ver como são as outras cidades.
-É bom guardares essa energia, porque temos um longo caminho pela frente.
-Não sejas assim, estamos finalmente fora daquelas paredes - Bell estendeu as mãos e deu uma volta sobre si próprio - já reparaste que até o ar é diferente aqui.
Enquanto Bell corria de um lado para o outro, saltando , rindo e deitando-se na erva. Bill estava mais preocupado em conseguir o que comer, a próxima cidade devia ficar bem longe deles e duvidava que conseguia lá chegar com as provisões que tinham nas sacolas de emergência.
-Era nestes momentos que gostava de ter ajuda - Pediu Bill para ninguém em especial.
-Não deve demorar assim tanto tempo - Retorquiu Bell inocentemente, comparando o estado em que estava no dia anterior nem se podia dizer que eram a mesma pessoa.
Tinha recuperado as suas forças assim como o seu sorriso, o seu bom humor, o brilho que somente os seus olhos conseguiam transmitir, mas Bill ainda duvidava que ele estivesse completamente bem.
-Quer dizer a pé deve-se demorar algumas semanas não menos é certo- respondeu uma voz muito certa do que dizia.
-Sim deves ter razão Bell - Começou Bill ao mesmo tempo que se ajoelhava no chão e remexia no interior do saco que trazia as costas.
-De que estás a falar eu não abri boca - Respondeu Bell confuso - pensava que tinhas sido tu a falar.
-Eu?? - Retorquiu Bill confuso.
Os dois irmão pensaram por um segundo nas suas palavras e depois voltaram-se para trás esperando que aquela voz fosse um delírio das suas mente recentemente acordadas. Bill reconheceu de imediato a figura enorme e selvagem que estava bem atrás deles, era Crainer que com um sorriso animalesco os fitava ajoelhado sendo ainda assim maior que eles dois metros e pouco.
-Olá - Cumprimentou Crainer vendo a reação dos irmãos.
-Olá - Cumprimentou Bell como se aquela figura lhe fosse familiar
-O que estás aqui a fazer? - Perguntou Bill ainda afetado pelo susto e pela maneira como o irmão reagiu.
-Então pediste ajuda ainda agora - Respondeu como se a resposta fosse obvia.
-Mas não estava á espera que alguém aparecesse - Bill raciocinou durante um segundo - espera porque é que tu apareceste mesmo e porque nos salvaste na mina?
-Tu tens espelho em casa? - Perguntou Crainer observando-o com os seus olhos verdes selvagem, que pareciam gozar com ele.
-Não? - Respondeu Bill sem perceber o sentido da pergunta.
-Bell podes levantar a parte de trás da camisola do teu irmão - Disse muito naturalmente, numa voz que Bell considerou ser muito gentil e educada.
-Espera tu nã... - Bell levantou a camisola de Bill num único movimento, e com um olhar comovido e um sorriso exuberante Bell abraçou o irmão com uma felicidade tremenda.
Nas costas de Bill estava desenhada em tons de preto uma árvore com vários galhos cinza, cada galho terminava num círculo e cada círculo apresentava um símbolo diferente.
-É lindo apesar de ser tudo desenhado a preto - Exclamava Bell voltando a focar a sua atenção nas marcas no corpo de Bill - Quem me dera ter um brasão desses? - Lamentava Bell.
-Aconselho-te a olhar menos para o seu irmão e mais para ti - Respondeu Crainer ao mesmo tempo que pegava em Bell com as suas garras metálicas ajudando-o a subir para as suas costas.
Depois de perceber a que Crainer se referia, Bell apressou-se a tirar a camisola, esticou o pescoço o máximo que conseguiu mas não conseguiu ver nada. Bell desceu das costas de Crainer e usou as suas garras para ver o reflexo das suas costas, a imagem nas garras de Crainer era confusa mas não havia dúvida que também ele tinha alguma coisa desenhada nas costas.
-Espera tu apareces quando nós pedimos ajuda, certo? - Perguntou Bill desconfiado.
- Sim - Respondeu Cainer.
-Então porque não apareceste quando estávamos...- Bill pensou nas suas palavras com cautela.
-Porque não me pediste ajuda - Respondeu de imediato vendo que Bill não queria tocar no assunto da cidade - A menos que me dês permissão eu não posso aparecer, assim como os outros.
-Pronto fica a saber que tens a minha permissão para aparecer sempre que necessário - Disse batendo com o pé no chão -... espera disseste outros?
-Todos os familiares, não te esqueças que apesar de tudo os familiares são escravos dos seus donos.
-E quanto a mim? - Perguntou Bell depois de ter escalado as costas de Crainer e se acomodar no seu pelo - Se eu pedir ajuda o meu familiar também vai aparecer?
-Antes de invocares um familiar tens de despertar o brasão que te permite invoca lo.
-E como é que faço isso? - Perguntou curioso.
-Bem há duas formas de se despertar um brasão - Respondeu Crainer novamente com um sorriso nos lábios - Que tal eu vos explicar isso durante a viagem - E convidou Bill a sentar, agachou-se e deu alguns toques de leve nas suas costas indicando a Bill que queria que ele subisse.
Assim que Bill se sentou em Crainer amarrou-se nervosamente ao seu pelo uma vez que não tinha mais nenhum sítio onde se podia segurar, o completo oposto do irmão que muito casualmente voltou a vestir a camisola e a deitar-se de barriga para cima esticando as mãos para o céu. Crainer começou a andar devagar e percorridos alguns metros já Bill sentia a força do vento a empurrar o seu corpo, até que mais alguns metros á frente viu-se obrigado a encostar o peito às costas de Crainer.
Estava nervosos, nunca havia montado um cavalo e agora estava em cima daquilo que mais se parecia com um lobo gigante. Respirava pesadamente e para se acalmar concentrava-se unicamente nas omoplatas de Crainer que assim como as suas garras e braços pareciam ter sido substituídas por partes metálicas. Ao mesmo tempo que Crainer corria sobre o caminho de pedra Bill podia sentir todo o seu corpo a sentir o movimento que Crainer fazia na corrida, as garras a raspar na terra, o movimento circular dos ombros, as batidas do coração animalesco de Crainer, a entrada de ar para os pulmões, momentos em que Bill jurava que ia cair ao sentir as costas de Crainer a empurra-lo com força para fora da montaria, como se ele estivesse no lugar errado.
Tudo um pequeno conjunto de reflexos e ações que deixavam Bill nervoso, pelo menos no início. Á medida que continuavam o seu percurso Bill foi-se habituando àquele misto de sensações, que a pouco e pouco relaxavam-no.
-Quanto às maneiras de invocar uma criatura - Gritou Crainer ainda durante a corrida - ou uma criatura se junta ao dono por vontade própria, isso acontece quando um criatura vê algo que lhe agrada no dono normalmente semelhanças que por acaso foi o meu caso, ou a maneira dos ricos que costumam fazer uso de artefatos mágicos e cerimônias para invocar criaturas e aprisiona las nos seus brasões, a partir daí as criaturas passam a ser tratadas por familiares - Crainer abrandou um pouco, apenas o suficiente para ouvir a voz de Bill.
-Como assim aprisionar? - Gritava Bill com esperança de que o ruído do vento não abafa-se a sua voz.
-O brasão não aparece no corpo de uma pessoa já com uma criatura lá dentro? - propôs Bell.
Antes de tudo os brasões nascem com a pessoa só que por essa altura não passam de um círculo vazio, que conecta o vosso mundo ao meu mundo, são como janelas abertas se pensarmos bem, e normalmente o símbolo de cada brasão só aparece depois que uma criatura se junta ao dono.
-Então os nobres não nascem já com familiares poderosos?
-Não, as criaturas dos nobres são um caso à parte - Respondeu Crainer - Depende tudo da família e da quantidade de poder que ela possui, as famílias mais poderosas tem mais meios para capturar e aprisionar uma criatura mais forte do que uma família nobre com pouco poder. Depende também da quantidade de poder mágico disponível, não adianta usar artefatos mágicos lendários se não for aplicada uma magia de selamento igualmente poderosa, mais uma vantagem para os nobres que nascem com uma quantidade de magia muito maior que a das pessoas normais.
-Mas o que impede essas criaturas poderosas de não aceitar o dono? - Continuou Bill.
-As criaturas mais poderosas encontram-se num sono muito profundo até ao dia em que sentem uma ligação especial com alguém do vosso mundo e imediatamente atravessam a fronteira que separa os nossos dois mundos para encontrar essa pessoa, contudo os nobres não podiam permitir que tal acontecesse e para isso arranjaram um meio de selar qualquer criatura, para depois a usarem como o seu familiar.
-O que acontece se a magia de selamento não for forte o suficiente? - Perguntou Bell com os olhos meios fechados por causa do sol.
-O selamento não acontece e a criatura volta para o mesmo mundo de onde veio e a pessoa em que a criatura ia ser selada morre.
-Então se é assim todos os nobres têm familiares lendários à sua disposição - Resmungou Bill sentindo novamente a injustiça de os nobres estarem acima de tudo.
-HAHAHA!!! - Crainer perdeu o equilíbrio por momentos ria-se descontroladamente, soltava várias gargalhadas agudas e teve de abrandar para se conseguir acalmar um bocado.
-Qual é a graça? - Perguntou Bill um pouco surpreso.
-Desculpa depois de tanto tempo ouvir isso de alguém é hilário - Respondeu soltando várias bufadas de ar e retomando o caminho - Para selar essas criaturas que estão a dormir é necessário muito mais do que magia e poder, há certos artefatos que devem estar presentes na cerimônia, artefatos bastante raros a maioria deles só existe no meu mundo, longe das mãos gananciosas dos nobres.
-Que sorte - Acrescentou Bill depois de limpar a testa com a manga da camisola.
-Mas isso não os impede de serem capturados - Avisou Crainer ao ver o postura descontraída de Bill - o difícil é mantê-los presos, ao contrário de todas as outras criaturas que quando capturadas ficam presas ao seu dono ate á morte dele ou até serem descartadas, apenas as criaturas lendárias e as que pouco abaixo delas estão conseguem desfazer os brasões e voltar para casa.
-Mas e quanto às outras criaturas, aquelas menos poderosas, o que acontece se elas não gostarem dos donos? - Perguntou Bell ao mesmo tempo que engolia uma golfada de ar fresco.
-Com as criaturas menos poderosas não acontece tanto, porque ao contrário das criaturas lendárias elas estão conscientes e normalmente cabe a elas escolher o seu dono. No entanto quando o familiar e o dono se desentendem, há quem resolva encontrar uma maneira de controlar o familiar obrigando-o a agir contra a sua vontade e há quem se esforce por tentar resolver as coisas.
-Há uma coisa que ainda não entendi? - Perguntou Bill confuso - Qual é a necessidade de as criaturas se juntarem a quem tem os brasões não era muito mais fácil cada um ficar no seu mundo sem problemas.
-Eu já devia saber que um de vocês ia perguntar isso - Assentiu Crainer com desânimo - Acontece que quando uma criatura se junta a um humano o seu poder natural aumenta assim como o do dono, quanto melhor for o relacionamento entre ambos mais o poder de ambos cresce.
-Os familiares desaparecem quando o dono morre? - Continuou Bell ainda mais curioso.
-Não é bem assim, se o familiar tiver muito poder ou um motivo muito forte pode permanecer neste mundo e nesse caso passa a chamar-se de caído, mas se o motivo não for forte o familiar morre juntamente com o dono, apesar que ainda tem outra situação.
-Outra situação? - perguntou Bell curioso.
-Existe um poder muito raro no vosso mundo que é extremamente comum no nosso.....o poder das promessas, um juramento feito diante os olhos de Deus, que deixa o familiar muito mais poderoso desde que sempre proteja o seu dono.....caso aconteça de o dono esteja a morrer o familiar caso tenha aceitado o poder vindo da promessa pode mesmo ressuscitar o seu dono dos morto.....
-Mas?
-Ao trazer uma alma de volta dos mortos o familiar tem a sua existência apagada deste mundo, sem reencarnação ou vida após morte apenas esquecimento.
-Isso é um pouco deprimente - comentou Bell em um tom mais triste.
-E se os familiares morrerem? - Perguntou Bill sombriamente.
-As criaturas voltam para o outro mundo e se recuperam com tempo e descanso e depois voltam para o brasão.
Crainer parou subitamente ao ver que o trilho de pedra os conduzia para uma floresta onde depois de alguns passos já não havia mais sinal do trilho. O trilho em si podia ainda lá estar mas muito provavelmente sobre várias camadas de terra e raízes. Enquanto Crainer examinava a floresta por fora, Bill e Bell já se preparavam para a examinar por dentro. Foi Crainer quem os impediu de entrar na floresta amarrando-os firmemente pelas golas quase desfeitas.
-Eu sei que isto é tudo novo para vocês e que isso vos deixa animados - Prosseguia Crainer como se estivesse a dar um sermão aos irmãos mais novos - Mas isso não quer dizer que precisam de ser descuidados.
Crainer rugiu em direção á floresta e quase de seguida um bando de pássaros abandonou as árvores onde repousavam. Da floresta não se ouvia um ruído estava demasiado calmo para um lugar que devia estar cheio de animais selvagens e claro demasiado calmo para o gosto de Crainer. Bill e Bell não tinham muita escolha a não ser esperar e observar. Bill e Bell examinaram cada detalhe da floresta, as enormes árvores cheias de enormes folhas, o trilho de raízes e terra iluminado apenas por pequenos feixes de luz que se infiltravam pelas densas camadas de folhas e galhos, as mais diversas e variadas formas enfeitavam os troncos das árvores, as enormes raízes que escavavam a terra, o som calmo daquilo que lhes pareceu ser um rio ou talvez um pequeno riacho.
Por vezes viam os olhos curiosos de alguns coelhos que assim que tivessem a sua curiosidade saciada voltavam para o interior da floresta. Crainer começou a sentir os dois irmãos a ficarem cada vez mais irrequietos não sendo ele o único a sofrer, sempre que se debatiam para se soltar as golas dos irmãos desfaziam-se mais um pouco.
As golas estavam prestes a romper quando algo lhes chamou a atenção. A terra começou a tremer, por todo o lado viam-se rochas a rolar, as raízes a emergir da terra, e por fim as árvores a adquiriram novas formas, algumas a limpar o musgo de cima de sí. Os irmãos ficaram confusos por momentos parecia que as árvores ganharam vida, sendo que a verdade não era muito diferente.
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