Capítulo 1: Memorias
Uma sensação de medo, foi assim que este jovem acordou. Não sabia exatamente onde estava exatamente, apenas que estava escuro como se ainda estivesse com os olhos fechados. E no meio do nada, simplesmente apareceu um enorme portão, irradiando dele uma fraca luz. Trancado com enormes correntes, presas a um crânio não humano de tamanho descomunal, no centro do portão.
Apesar de tudo ser muito assustador, o jovem sentiu se tentado a dar uma espreitadela, aproximando se aos poucos do portão. Ao chegar mais perto notou que não havia nenhuma maçaneta, e que apesar da superfície rochosa e das gravuras desconexas e sinistras, ele conseguia sentir um certo calor vindo do outro lado, era fraco mas estava lá.
-E cá estás tu de novo - comentou uma voz sem dono visível - É desta que vais passar para o outro lado Bill?
-Eu não tenho a certeza - respondeu pensativo.
-Que novidade - A voz estava visivelmente desiludida com a sua decisão.
-Eu nem sei se a consigo abrir e quando penso em tentar sinto algo a segurar-me - Bill espreitou por cima do seu ombro.....não tinha mais ninguém com ele - Mas esta sensação é tão familiar.
-Queres saber o que se esconde por detrás deste portão ou não? - Perguntou lhe a voz sem paciência.
-Sim, quero! - Respondeu Bill.
Gargalhando a voz respondeu-lhe:
-FINALMENTE - Comemorou surpresa - Depois de tanto tempo finalmente podemos começar!!!!
O portão começou a mover-se após a comemoração da voz misteriosa, com um som ruidoso e alto as correntes que o prenderam durante tanto tempo partiam uma após a outra, e a cada nova corrente no chão mais forte ficava aquele calor que Bill havia sentido antes. Pela primeira vez em séculos a escuridão conheceu a luz e quanto mais o portão se abria mais forte era a luz que passava pelas suas portas.
Bill começou a seguir na direção da luz, ofuscado com o seu brilho intenso mas entusiasmado pelo que viria, além da necessidade de saber o que era aquela sensação tão familiar. Bill queria respostas, e mesmo quando a luz começou a queimar a pele e o calor a palma dos pés, os seus passos não diminuíram de ritmo. Por mais forte que a luz ficasse Bill não se deixava desanimar, pois algo lhe dizia que não haveria uma próxima vez se ele recuasse agora.
-Metade do caminho já está feito - incentivava a mesma voz de antes, torcendo por Bill enquanto este avançava - mas para quem ficou tanto tempo nas sombras poder caminhar sobre a luz é algo impossível - riu maliciosamente.
Bill deixou de sentir a luz e o calor por um momento e logo depois disso a luz ficou varias vezes mais intensa, mas da mesma forma que antes Bill continuou a seguir em frente, mais rápido, mais entusiasmado, uma onda de adrenalina percorreu o seu corpo e agora corria em direção luz, sentindo as camadas de escuridão depositadas no seu corpo serem arrancadas e junto com elas as suas cores tornavam-se mais vivas.
Após passar pelo portão este fechou-se bruscamente, deixando a voz de antes sem palavras.
-Eh? E não é que ele conseguiu?
Do outro lado Bill via as feridas sararem aos poucos, tratadas pela mesma luz que o havia queimado. E á sua frente estava uma silhueta de uma figura humana nitidamente perplexa pela presença de Bill naquele lado.
-Sê bem-vindo! - Pronunciou-se a entidade, inclinando-se para o cumprimentar - O meu nome é...
Contudo, assim que Bill estendeu a mão para o cumprimentar o seu peito foi perfurado pelo braço luminoso da silhueta, que com nojo e repudio apressou-se a tirar o braço do peito de Bill sacudindo-o violentamente e respingando o sangue dele pelo chão branco.
Bill começou a cambalear para trás enquanto o sangue escorria pelo buraco no seu peito, antes que ele pudesse ao menos cair no chão desacordado aquela silhueta sem expressão amarrou-o pelo pescoço e empurrou-o contra o portão, desta vez com um tecido branco a cobri-lhe a mão.
-COMO!!!COMO CONSEGUISTE PASSAR!!!! - Gritava exigindo uma resposta - PORQUE NÃO ESTAS A QUEIMAR!!!!!?
-Quem és tu? - Sussurrou enquanto tentava inutilmente libertar-se.
Quanto mais Bill se debatia mais o seu sangue jorrava pelo buraco no seu peito, deslizando pela porta atras de sí até ao chão, deixando o chão tão branco e brilhante mais escuro aos poucos.
Em algum momento pela falta de oxigênio ou de sangue Bill começou a alucinar, aos poucos um rosto foi moldado na superfície lisa e neutra da silhueta. Os olhos foram os primeiros a ser desenhados naquele rosto de manequim, e talvez em outras circunstancia Bill até ficaria curioso para saber qual seria o rosto daquela silhueta.
Contudo alguém parecia ter outros planos, Bill sentiu o seu corpo a cair na direção daqueles olhos. Um túnel luminoso sem fim ou começo, apenas sentia-se a cair ao mesmo tempo que as cores daquele túnel alternavam entre branco, preto e alguns tons de cinzento. Quão mais rápido as cores alternavam entre sí, um burburinho começou a instalar-se na cabeça de Bill, ficando cada vez mais alto passando de um barulho chato, incomodo e indecifrável para um coral de vozes desorganizadas.
Algumas gritavam por salvação, outros imploravam por misericórdia, enquanto outros choravam e imploravam por um milagre. Paralisado e quase morto Bill viu centenas de almas atormentadas a esticar as mãos cadavéricas na sua direção, aquelas almas desconhecidas começaram a culpar Bill pelos seus infortúnios.
Em resposta veio o silêncio, Bill fechou os olhos se fossem os seus últimos momentos não os iria passar a ouvir reclamações pessoas mortas, quando voltou a abrir os olhos era como nada tivesse acontecido, a silhueta, o portão, os espíritos até mesmo o buraco no seu peito desapareceu.
-Boa... e agora onde é que eu estou? - A pergunta ecoou pelo local.
Em resposta o espaço onde se encontrava ficou branco e enevoado e uma pequena chama vermelha apareceu á sua frente, aumentando e mudando de cor até tomar a forma de outra silhueta.
-Não te lembras de mim pois não? - perguntou em um tom de choro.
O rapaz não sabia o que responder. Nem sequer conseguia compreender o que se passava. Estava novamente frente-a-frente com um ser sombrio, mas desta vez era diferente. A sombra misteriosa estava sentada no chão com a cabeça entre os joelhos.
Alguns flashes passaram na sua mente, trazendo consigo uma insuportável dor de cabeça. Aquele ser tinha-lhe despertado algumas memórias, mas aparentemente sem nexo algum.
-Porque é que não me salvaste? - Perguntou a sombra num sussurro, despertando-o dos seus pensamentos - Deixaste-me morrer!
O tempo pareceu parar...Sobrou o silêncio, a duvida, e Bill que não conseguia encaixar a sequencia de acontecimentos até agora, ou alguma relação entre elas.
-Porquê? PORQUÊ? - repetia a sombra mudando a forma do seu corpo, constantemente nunca adotando uma forma definitiva - Aceita aquilo que és! - Rosnou a entidade, agora em frente ao rapaz - Não existe luz forte o suficiente que ilumine este mundo, da mesma forma não existe uma sombra capaz de cobrir o mundo.
-CHEGA!!! Tu não fazes sentido, ISTO - Gritou dando uma volta sobre sí - Não faz sentido, a única coisa que estas a fazer é mexer com a minha cabeça, ser bombardeado com memorias e mais memorias sem ligação umas com as outras, colocar me a ver coisas que não existem para ter uma crise existencial não vai funcionar, e sabes porque?
-Humano tolo-
-Só fica calado, o teu truque perdeu a graça quando eu deixei de sentir pelo que eu vim atrás, depois de passar por aqueles portões, ou achas que eu simplesmente iria me esquecer disso.
-Estás certo - admitiu a criatura e ao som de um estalar de dedos o ambiente mudou.
Bill estava novamente junto ao portão, mas desta vez o céu estava enfeitado com varias nebulosas de cores vibrantes e um outra silhueta observava esse mesmo céu através de telescópio.
Depois de alguns segundos a silhueta deixou de ignorar a existência de Bill e deixou o telescópio de lado.
-Que achas?
Bill não sabia bem o que achar, a sua frente estava outra silhueta porem o seu corpo era dividido a meio, a metade direita dele era branco como mármore já a outra era completamente escura como o piso debaixo dos seus pés. Também ele parecia um manequim mas com algumas características diferentes, o seu olho direito tinha uma forma circular e era completamente negro, já o seu olho esquerdo tinha o formato de uma estrela que de tão branca parecia brilhar com o contraste de cores. O mesmo contraste estava presente nos seus braços, no esquerdo o seu tom de pele sombrio era interrompido pela imagem de sete planetas alinhados do maior para o menor em direção á sua mão, terminando em um ponto circular do tamanho de uma moeda desenhado a Dourado na palma da sua mão. E no braço direito o mesmo porem com as cores invertidas com exceção do pequeno ponto dourado na palma da sua mão. O seu corpo era coberto por vestes finas e leves tingidas de dourado que iam dos seus ombros até á ponta dos pés.
-Acho que te quero partir esse telescópio na cara - comentou de forma natural.
-Tens a certeza? - perguntou ao transformar o telescópio em uma pequena borboleta vermelha e lançando-a na direção de Bill - Familiar?
-Não era isto que eu estava a procura - comentou quando a borboleta pousou nos seus dedos - Não tem como toda aquela luz vir de algo tão pequeno.
-E tem como uma pessoa tão pequena como tu ter aberto aquele portão? - questionou enquanto flutuava ao redor de Bill.
-O portão abriu-se sozinho.
-E uma resposta melhor? - perguntou desiludido com a justificação de Bill - Das outras vezes foste mais criativo.
-Que outras vezes?
Com um estalar de dedos a borboleta emitiu um brilho vermelho e o céu acima das suas cabeças começou a mudar. E Bill viu se a sí próprio em varias situações diferentes, varias versões suas cada uma mais próxima do colapso do que a anterior.
-Tentativa numero 146 096
- Tu ABANDONASTE-ME! -! DEIXAS TE ME PARA MORRER NO MEIO DAQUELE FOGO, NO MEIO DAQUELES MONSTROS, NEM TE DESTE AO TRABALHO DE ME TENTAR IMPEDIR.
-O QUE QUERIAS QUE EU TIVESSE FEITO!!!?
-QUE ME PROTEGESSES COMO PROMETESTE QUE FARIAS.
-Tentativa numero 154 006.
-A CULPA NÃO FOI MINHA!!!!!
-Mentiroso! - Retrucou a entidade - Tu podias ter te solto se quisesses mas deixas te que ele me leva-se. Tu fugiste! Limitaste-te a fugir e abandonaste-me há minha própria sorte. É por TUA causa que eu tornei me nisto. No fundo és tal e qual como todos aqueles que desprezas...
-Não....eu não sou como eles!
-Não? Tens razão, não és! – As palavras pairam no ar, chicoteando consciência de Bill -És pior! - Concluiu a sombra com repulsa. - Confiei em ti! E TU DEIXAS TE ME NAS MÃOS DAQUELE LUNATICO!!!!.
-Tentativa numero 86 091.
-EU ARRISQUEI-ME POR TI, SE NÃO FOSSE POR MIM ESTARIAS MORTA.
-EU NUNCA TE PEDI PARA TE ARMARES EM HEROI, NÃO FAÇAS PARECER QUE FOSTE OBRIGADO A ALGUMA COISA.
-Tentativa numero 132 465
-Estou farto, disto.....eu só quero que me matem de uma vez.....eu não tenho nada pelo que viver.....por favor alguém...acabe com isto.
-Tenho de admitir que esta foi deprimente, chorei um pouco sem exagero.
-Eu pensei que os truques tinham terminado.
-Nada de truques.
-E isto é o que?
-Todas as vezes que já sonhas com o que estaria por de trás daquele portão - respondeu sem grandes entusiasmo
-Repete a ultima parte.
-Acho que o nosso tempo por aqui acabou na verdade, será que é nestas alturas que se deve dizer uma frase inspiradora e com um significado profundo?
-Vais mesmo ignorar-me?
-Nunca vás para a cama com a barriga vazia? Neh isso é para depois.
-Onde é que esta uma pedra quando precisamos dela - comentou em voz alta enquanto procurava algo para atirar contra a aquela silhueta.
-HMMMM e se for......nunca sigas um idiota impulsivo por causa de uma rapariga....também não ele vai descobrir isso por ele próprio também.
-Será que ainda da tempo de ir buscar um daqueles pedaços de corrente que ficaram do outro lado?
-Já sei....- Disse voltando-se para Bill -... o que estas a fazer? - Perguntou ao ver Bill a tentar a abrir o portão.
-Se eu conseguir passar para o lado de lá vais descobrir - ameaçou-o com as veias do pescoço a saltar.
-Bill....conserta o telhado.
-Isso é a tua grande revelação?
-Sim exatamente isso e que não deves confiar em quem parece uma pessoa muito boa, os mais confiáveis são os idiotas vai por mim.
-Que sentido faz isso?
-Atrás de ti - avisou.
No momento em que Bill se virou, viu por um breve momento um sorriso impecavelmente branco e malicioso.
Estava sentado na sua cama, no seu quarto completamente suado, estava ofegante. Não havia ferida alguma, nem sequer um arranhão. Apenas sentiu o seu coração, acelerado quase a saltar-lhe do peito. Devido ao sonho, ou melhor... ao pesadelo. Tinha sido um pesadelo, correto? Estava tudo demasiado confuso no momento. Tentou adormecer novamente mas o buraco que estava no telhado deixava a luz do sol passar atingindo-o na cara e tirando-lhe o sono por completo.
Quando tentou esconder-se debaixo dos lençóis velhos uma telha de madeira caiu-lhe em cima do joelho fazendo com que ele rebola-se para fora da cama, agarrado ao joelho e fazendo uma expressão de dor. E enquanto rebolava pelo chão reparou em varias linhas pretas espalhadas pelo seu corpo.
-Magia de paralisação? - Disse muito calmamente - Outra vez? Mas de onde estas coisas vem? - Ele, por mais estranho que pudesse parecer, estava familiarizado com aquelas linhas que misteriosamente apareciam todos os dias desde algumas semanas atrás, acabando por desaparecer pouco tempo depois dele acordar.
O jovem passou o resto da madrugada a tentar lembrar-se do seu sonho, mas era inútil, já se tinha esquecido da maior parte e do pouco que se lembrava, nada parecia fazer sentido.
-É melhor concertar o raio do telhado - Resmungou ao ver o enorme buraco no teto.
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