9 . Pontos de Experiência
Meses se passaram, meu contato com a Milena evaporou no tempo e não comi ela, o que foi triste. Ela começou a namorar um cara que parecia legal, vi fotos dos dois no Orkut. Mas por outro lado, eu e Beatriz ficávamos cada dia mais próximos. Nossa amizade ainda era frágil, algo que poderia se evaporar com facilidade. Como qualquer relacionamento humano, nada seria eterno.
Beatriz discordava de mim, ela acreditava no "felizes para sempre". E nossa amizade era muito importante para ela. Certa vez, ela me mostrou cinco folhas de caderno unidas por um clipe. Havia uma história de amor nela, dois jovens, jantar romântico com pizza e "clima rosa" com direito a bolhas de sabão subindo pelo ar. No dia que devolvi a história, ela disse que eu poderia ficar. Os papeis ficaram abandonados na minha gaveta.
Entretanto, essa seria a minha história com meus pontos de experiência.
Sabe o que eu aprendi?
Tudo vai passar, então viva o momento. Quando a sua eternidade acabar, não significa que foi erro seu, você apenas viveu. E viver vai te levar para o caixão. O meu caminho era pavimentado com vícios, putaria e decomposição. Amém, Senhor Jesus Fodão!
O mês era julho, finalmente estava de férias, coçando meu rabo, assistindo tevê, jogando RPG com os amigos nos fins de semana, bebendo cachaça, vomitando e brigando com a dona Cecilia. Ela não me aguentava mais, ligou para o meu pai e contou sobre as minhas bebedeiras.
O nome do meu pai era Elias dos Santos, mas todo mundo chamava ele de Eli. Vivia tentando entrar em contato comigo e eu queria distância dele. Motivos? Nada de especial, eu simplesmente não era chegado neste negócio de que família era sagrada.
Eli era um desconhecido, eu mal lembrava dele. Era só isso. Me sentia pouco à vontade conversando com ele pelo telefone. Depois da separação, ele voltou para o Maranhão, sua terra natal. E quando ele soube que eu bebia e xingava minha própria mãe, quis falar comigo imediatamente.
— Então, agora tu tá bebendo e xingando tua mãe! Isso é coisa de vagabundo, Rapa! — ele gritou tanto, que deixei o telefone em cima da mesa. Cecilia pegou, disse o que eu tinha feito para ele e me devolveu o aparelho. Peguei e encostei na orelha de novo.
— TU TÁ ME FAZENDO DE PALHAÇO, ME DEIXOU FALANDO SOZIN... — Depois disso não aguentei.
— ESCUTA AQUI, PORRA! — minhas lágrimas desceram. — TU NÃO SABE DE MERDA NENHUMA AO MEU RESPEITO E VEM FALAR COMIGO PRA BRIGAR. FICA NA TUA, EU NÃO SOU TEU FILHO, ME ENTENDEU? — Bati o telefone na mesa. Olhei para Cecilia, ela estava chorando.
— E não me devolve mais essa merda, não quero falar com ele.
Saí de casa e fui beber. Logo esqueci o que tinha acontecido e tive minha diversão.
Nesta época do ano, em Fortaleza rolava um evento que a maioria dos meus amigos iam, o SANA. Acontecia no Centro de Convenções, aparecia todo tipo de gente estranha: cosplays, nerds, RPGistas e meninas bonitas. Se tinha um local que era um paraíso da punheta nerd, era o SANA. Um desfile de garotas fantasiadas de personagens do seu anime favorito. Elas tinham uma cota de dois passos para frente e parar para uma fotografia com os fãs do anime. Dois passos, foto, dois passos, foto, dois passos, foto.
Eu juntei uma grana e consegui ir.
Felipe, Lucas, Rafael, Leandro e eu estávamos na fila enorme para poder entrar no SANA. Aqui estavam todos os jogadores da nossa Mesa, exceto o William que não poderia perder o culto neste dia. Compramos dois vinhos. Só quem bebia era eu, Felipe e o Rafa.
Falávamos besteira enquanto olhávamos as pernas mais lindas que passavam. Mas a besteira era um privilégio do nosso círculo, a gente não gritava um "elogio" ou assédio para elas. Aliás, nunca fiz isso.
— Tem muita dona filé por aqui — o Felipe comentou.
— É verdade, pena que a maioria é muita nova e a gente parece um grupo de velhos tarados — eu disse.
— Novas?! — O Rafa parecia indignado — Tu com essa mania de não pegar menina nova é osso! Eu tenho 15 anos cara! Posso comer elas sem ir pra cadeia!
— Se elas forem fãs dos Tartarugas Ninjas. — O Leandro foi maldoso com a corcunda do Rafael. Os garotos gargalharam pra caralho.
Depois que fiquei bastante próximo do Rafa, minha amizade sincera não permitia risadas. Mas que a piada foi bem colocada foi, considerando o local.
— Vai te foder, seu gordão! — meu amigo curvado agarrou os mamilos do Leandro. Esse último era o irmão mais velho do Leo, o meu camarada da escola. Os dois irmãos eram gordos.
O Rafa e o Leandro trocaram insultos de amizade. Depois riram.
— Elas são lindas, pessoal, todas elas. Meu Deus! — O Lucas falou com uma intensidade apaixonada. Ele tinha terminado o namoro a pouco tempo. Tinha 20 anos, cabelo liso e preto, um cara bonito e esbelto.
— Vamos fazer o seguinte, vou dar 30 pontos de experiência para quem pegar uma garota hoje. — O Felipe jogou lavagem para os porcos.
Os pontos de experiência era o prêmio final depois de toda sessão de RPG, também conhecidos como XP. No sistema que jogávamos, o máximo que conseguíamos, depois de um dia de jogo, era 5. Eles serviam para aumentar as estatísticas na planilha do personagem. Se ele sobrevivesse a uma sessão, ele aprendia alguma coisa nova ou melhorava o que já tinha com os pontos, a lógica era essa.
— Cara, se isso é uma aposta, você acabou de assinar um contrato com o diabo — falei empolgado —, adoro apostas!
Todo mundo concordou. Mas havia algo de errado naquilo. O que o Felipe ganharia? Ele não era um jogador comum, ele era o Narrador, que não tinha um único personagem sob seu controle, mas sim, um universo fictício inteiro.
— Ei, isso tá muito fácil pra alguns aqui, tipo o Lucas que é lindão. Vamos fazer assim, todos tem que conseguir beijar pelo menos uma menina, exceto o Felipe, e só então cada um vai ganhar os seus 30 pontos. Se um de nós não conseguir, ninguém ganha nada e ficamos duas sessões sem ganhar experiência. — Lancei a proposta.
— Espera, se o Felipe beijar alguém a gente perde? — o Leandro perguntou.
— O Felipe foda-se, o que interessa é a gente, os jogadores. Excluí o Felipe, porque ele poderia deixar de beijar alguém só para não entregar os pontos. Então, o que ele fizer não vai influenciar o resultado.
— Eu não faria isso.
Rimos e fechamos a aposta com as regras que lancei na Mesa. Agora sim, tínhamos que trabalhar em equipe. Era tudo ou nada.
— Agora, você vai ter que tomar a iniciativa, Caio. Quero só ver! — O Rafael ainda insistia que a meninas caíam do céu vindo direto para o meu colo. E que eu não movia uma palha para conseguir um beijo delas. Eu discordava. Teve aquela garota negra, no Clube dos Canalhas, foi eu que cheguei nela, tomei coragem com a bebida, mas cheguei. Afinal, eu era tímido, mas ninguém acreditava nisso.
Meu celular tocou a música Back in Black do AC/DC. Atendi.
— Alô?
— Oi Caio, é a Nicole. Tudo bem?
Nicole estudou comigo no fundamental, fazia um tempão que não falava com ela, até me admirei por ela ainda ter o meu número. Eu não tinha o dela.
— E aí!? Nicole! Como você tá, garota?
— Estou bem, garoto. E estou no SANA, eu passei e te vi. — Olhei em volta. Não achei ela.
— E por que não parou aqui e falou comigo?
— Eu estava apressada, uns amigos estavam marcando um lugar na fila, lá na frente. Tive que entrar logo. Passei junto com uma amiga, ela te viu e te achou um gato.
— Sério? Ela tá aí?
— Tá do meu lado.
— Me deixa falar com ela. — para eu ter pedido isso, o segundo vinho já fazia efeito no meu sangue.
Esperei um momento.
— Alô?
— Oi, querida. Sou o amigo da Nicole, o Caio. Tudo bem?
— Caio Bastos, né? A Nicole me disse. Tudo ótimo, prazer em te conhecer. — A voz dela esbanjava safadeza. Gostei.
— Infelizmente, eu não te conheço ainda. Qual o seu nome?
— Meu nome é Lolinha. — Segurei a risada, que nome era aquele?
— Então, Lolinha... Vamos se ver quando eu chegar aí dentro?
— Claro.
— Agora, me deixa falar com a Nicole.
Esperei um momento.
Falei com a Nicole e depois desliguei.
— Viu? É como eu disse antes, esse desgraçado tem sorte. Eu vou levar uma porrada de foras pra conseguir meu beijo — O Rafa disse aos demais.
— Eu tive iniciativa.
— Não teve não. Você que recebeu o telefonema. Quem era a puta da vez? — Sim, o Rafael tinha uma mania gentil de esculachar todo mundo.
— Tu não conhece ela, então relaxa.
— Não me manda relaxar, porra!
Dei de ombros e matei o vinho do copo com um gole.
Quando finalmente entramos, começamos a rodar por todo canto, não paramos. O jogo estava lançado. O único que estava se fodendo, era o Felipe. Decide deixar a tal de Lolinha como uma carta na manga caso eu não conseguisse nada. Nos separamos em dois grupos, O Felipe e o Rafa foram para um lado e o resto foi para o outro.
Eu e o Leandro vimos o Lucas tomando um fora. Merda! Se a situação já estava difícil para ele, imagina pra mim? Isso me deixou desmotivado. Ele veio até a gente.
— Ela é lésbica.
— Sorte a dela — eu disse.
— Por quê? — o Leandro me perguntou.
— Ela tem bom gosto.
Rimos.
— É verdade, todo homem é nojento, peludo e feio — o Lucas completou.
Voltamos para caçada. Éramos muito ruins nisso, principalmente porque nós tínhamos que abordá-las de alguma maneira. A maioria delas eram lindas, e isso me deixava nervoso. Elas não tinham espinhas, sorriam o tempo todo e pareciam estátuas de porcelana. Mas que merda! A beleza delas me travava completamente.
E se eu desse um simples "oi, tudo bem?" O que vinha depois disso? Eu não tinha ideia! Só conseguia imaginar a garota cuspindo um "não" antes de qualquer coisa. Cutuquei o Lucas.
— Ei, acho melhor eu ir atrás da Lolinha.
— Lolinha? Que diabo é isso?
— É a garota do telefonema.
— Hum...
— Bora comigo?
— Vamos. E tu, Leandro?
— Vou dar um volta, tirar fotos. — Ele se enfiou no meio de uma multidão e sumiu.
Liguei para o número da Nicole, chamou várias vezes e ninguém atendeu. Eu e o Lucas fomos até a Tenda Eletrônica onde estava rolando música eletrônica. Estava tudo escuro, tinha pessoas dançando e se pegando. Um cara com uma lanterna ficava jogando luz na cara dos casais mais safados. Que cara filho da puta, pensei.
Depois de um tempo, fiquei julgando como alguém teria coragem de dançar na frente dos outros. Era cada dança escrota. Foi aí, que senti meu celular vibrar. Vi os dois números finais que chamavam e reconheci como sendo o número da Nicole.
Atendi no barulho infernal, então acenei para o Lucas para sairmos dali.
— Oi? Oi? Oi? — disse até sair da tenda e poder ouvir alguma coisa.
— Onde você tá, menino?
— Ei! Cadê a Lolinha?
— Não estou com ela. Ela foi assistir um anime no cinema lá de cima.
— Como é que ela é?
— Cabelo cacheado, pele morena, alta, tá usando uma blusa do Raul Seixas.
— Acho que consigo encontrá-la. Valeu, Nicole! — Desliguei.
Arrastei o Lucas comigo até as escadas. Subimos e entramos no cinema. Vi uma porrada de robô brigando na tela gigante. Olhei para as fileiras de cadeiras. Fiquei rondando, achei três blusas com o nome "RAUL SEIXAS" nas costas. Três garotas, uma branca e duas negras. Descartei a branca. E agora? A Lolinha é alta! Então eu fui na mais alta. Mas antes, pedi para o Lucas ficar sentado atrás da gente, ele iria servir de testemunha.
— Lolinha? — me sentei ao lado da garota.
— Oi? — Ela me olhou e sorriu. Lábios carnudos como os meus.
— Sou o Caio, falei contigo mais cedo pelo celular da Nicole.
— Oi, Caio. — Ela veio para um abraço. Abracei.
Ficamos nos olhando, o silêncio reinou. Porra, o que vem agora? Olhei para a tela, os robôs continuavam brigando. Dei uma disfarçada e vi o Lucas atrás de mim, ele levantou os dois polegares.
Fiquei brigando com o meu cérebro: vamos caralho! Funciona e diz alguma coisa para ela!
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