25 . Escorregão
— Preciso te dizer... o que estou sentindo por você. Preciso me livrar disso.
Por um momento, eu parei e olhei ela. Analisei a Helena de acordo com gestos e comportamentos sutis. Procurei um sinal. Ela estava com as pernas abertas e os pés em cima da cadeira. Vi o short jeans marcado por aquela xana desejada. Os olhos refletiam o brilho de todas as luzes dos postes.
Enfim, eu falei:
— Quando a novata chegou na sala de aula, e fiz dupla com ela... Você não passava de uma garota chata. O convívio me fez te admirar a cada dia. Vi o quanto você se importava com os outros e comigo. Você me empurrava para fazer o certo, mas sempre me respeitando, exceto quando você me mandava calar a boca, isso me deixava puto.
Parei. O sorriso dela ficou maior, os olhos assumiram um tom negro.
— Continua — ela pediu.
— Eu não sabia nada da sua vida pessoal. Mas quando descobri que você tinha namorado e logo ficou solteira, algo me incomodou, meus sentimentos por você sempre foram sufocados e nunca deixei de viver por conta deles. E agora, com tudo que vem acontecendo comigo, eu tinha que jogar isso pra fora. Isso não é problema seu.
Ela continuava na mesma posição. Evitei os olhos dela.
— Então, eu só quero dizer que eu gosto muito de você, Helena. Esse sentimento crescia e se apagava, mas quando voltava, era sempre com mais força. Não consegui mais sufocar. É isso!
Ela colocou os pés no chão e se remexeu na cadeira.
— Nossa, Caio... Eu não imaginava isso. Sou muito lerda para perceber quando alguém sente algo por mim. Sempre te vi como um amigo. E agora, eu não estou preparada pra isso.
O silêncio tomou a nossa conversa. Ela ainda pensava no ex-namorado, com certeza. Algo perverso se remoeu dentro de mim. Nunca esperei que ela se jogasse nos meus braços.
Mas algo se quebrou.
— Minha mãe ainda não voltou — ela disse, olhando para dentro de casa.
Minha cabeça deu um nó. Ela estava sorrindo, olhos negros. O que era aquilo? Ela insinuou alguma coisa? Com ela, eu agia como um cordeirinho perdido. Tentei o desespero. Algo ridículo saiu da minha boca, o meu fracasso e deslize:
— Posso te beijar?
— Não, Caio. Somos apenas amigos... Minha mãe não chegou ainda. Vou querer estudar. — A Helena olhou para dentro da casa pela segunda vez. O mesmo semblante me passou várias ideias.
Será que ela quer entrar comigo? O que ela insinuou? NÃO! Ela disse não. Não interessa o que ela está pensando, ou o que eu acho que ela está pensando, porque no final, eram apenas os meus pensamentos emaranhados. Precisei sair dali, e com urgência. Eu queria me afogar na escuridão.
— Tem credito no seu celular?
— Sim. Quer ligar pra quem?
— Pro Rodrigo.
— Tu vai beber?
— Me empresta?
Ela me passou o aparelho. Disquei o número olhando para agenda do meu celular. Quando o Rodrigo atendeu, marquei um encontro na praça do Conjunto Esperança. Ele já estava lá, como imaginei que estaria. Desliguei.
— Preciso ir.
Nos levantamos. Nos abraçamos.
— Toma cuidado, Caio.
— Certo.
Já indo embora, ouvi a Helena me perguntando:
— Tu vai beber?
Me virei.
— Vou tomar cuidado.
Saí do Aracapé. Caminhei como se estivesse com os pés amarrados. Fiquei pesado como um bêbado. Em algum momento, desejei um atropelamento. Eu tinha que apagar as luzes.
Cheguei na praça. O Rodrigo, logo viu que tinha algo de errado comigo. No meu rosto, eu carregava desesperança.
— O que aconteceu? — ele perguntou.
Agarrei a gola da blusa dele e fitei ele com fúria.
— Eu quero um favor seu! Eu juro que te pago depois!
— Bebida?
— Bebida!
— Vinho?
— Cachaça!
Ele foi e voltou com a cana. Um único copo de plástico. Dois amigos dele chegaram. Eles começaram a conversar sobre Magic. E eu fiquei com sede de escuridão. Bebi uma, duas, três. Um minuto se passou. Bebi uma, duas. Meio minuto se passou. Mais uma dose.
— Tu quer morrer, Caio? — O Rodrigo me olhou, sorrindo.
— Ainda não.
— Vai falar o que aconteceu?
— Vou.
Bebi mais cinco. E quando eu falei, foram resmungos. O mundo ficou embaçado. Mas o Rodrigo me entendeu: "O Caio se declarou para a Helena e não teve a mínima chance com ela."
— A Helena não é garota pra você — ele disse, sem rodeios.
O tempo, sem medida, passou. O Rodrigo me deixou na porta de casa. Caí no sofá e a noite também passou.
Se eu já me alimentava mal, comecei a passar um dia inteiro sem comer. A cachaça era o meu sustento. O cigarro a minha podridão. Eu comecei a ficar obcecado pelo presente da Marta. Lia o livro sobre psicologia e tudo começava a fazer sentido. Li outro livro sobre pequenos gestos e comportamentos, como cruzar as pernas, coçar o queixo e tudo tinha um significado profundo.
Logo coloquei minha analise em prática, com uma frequência assombrosa. Formulei teorias para preencher as lacunas de conhecimento que faltavam nos dois livros. O pensamento moldando a matéria, condicionamento, hipnose, a chave, auto hipnose e loucura.
Minhas teorias foram reforçadas pela minha falta de alimentação e abuso de álcool. Agora, o segredo por de trás das cortinas havia sido revelado. Cagando na privada, lia o Psicologia da Vida Moderna, com as páginas fora de ordem e repetindo vários trechos. Algumas ideias esotéricas se tornaram reais. Tão reais quanto o poder da intenção.
Na rua, comecei a controlar a direção do vento, comecei a implantar ideias na cabeça das pessoas, sem dizer uma única palavra. Tudo isso com a intenção do meu olhar. O problema era que as pessoas também podiam fazer isso, mas elas não percebiam. Quando eu afetava alguém, eu abria a porta para o meu alvo me afetar. Uma faca de dois gumes.
Descobri que eu não precisava mais comprar remédio para espinhas, agora, eu poderia mudar a minha imagem física com ilusões e intenções. Perdi horas se olhando no espelho e fazendo sugestões. Brincando.
Uma vez, eu não consegui abrir uma porta, não saberia dizer se estava trancada ou aberta. Então, coloquei a culpa disso na intenção de um desconhecido que passava pela rua. Quando a chama do meu isqueiro apagava sem acender o cigarro, alguém estava tentando me impedir de fumar.
Dois dias sem comer e três dias bebendo, me exercitando no skate e lendo tudo ao pé da letra. Eu sequei, fiquei pele e osso, meu cérebro se libertava das correntes da razão. Mas eu estava feliz, a felicidade era programada com sugestões no espelho. A vida era boa. Eu teria o que quisesse, até o sopro do vento me obedecia.
Certo dia, andando até o Colégio A, vi a Alana caminhando na minha frente. Havia alguns metros entre nós. Coloquei meus poderes em prática. Usei meus olhos como se quisesse sugar ela. O vento começou a soprar contra minha direção. Ela começou a mexer no cabelo, mas continuou indo para frente. Ela era um ser humano, e tinha a sua força. Arregalei os olhos sem piscar e mantive o foco intencional nela.
Quando a Alana se aproximou do túnel que dava no outro bairro, o da nossa escola. Ela abaixou a cabeça, mexeu no celular e voltou. Ela passou por mim e me cumprimentou. Continuei indo na direção do A. Olhei para trás. Vi aquele rabo e decidi seguir ela.
Segui ela, passando em frente à minha casa e continuando por mais duas ruas. Ela parou de baixo de uma árvore, e um cara foi até ela. Eles conversaram qualquer coisa, e depois ele saiu. Quando ela vinha descendo a rua, eu fui de encontro à Alana.
— Caio? Você não tava indo pra escola?
Abracei ela. E a segurei em meus braços.
— Eu te segui. — Coloquei meus olhos nela e sorri, ainda abraçados. — Quero te beijar.
— Eu tenho um namorado, lembra?
— O Arthur? Ele não tá aqui e ninguém tá nos vendo aqui. Somos só nós dois.
Apertei ela. Senti aqueles seios entre várias peças de roupa, minha e dela. Nos beijamos.
Mal senti aqueles lábios. Minha mente estava vagando em algum lugar. Quando voltamos pela rua III, vi minha mãe saindo de casa, e a Cecilia não me viu com a Alana.
Convenci minha colega a aceitar um copo d'água e entrar na minha casa. Ela entrou, bebeu água. Logo, levei ela pro quarto. Comecei a tirar a roupa dela. Nos beijamos, lambi e chupei os maiores peitos que já tinha visto na vida. Eu amava aqueles seios fartos e suculentos.
— Estou menstruada.
— Tudo bem. — Peguei no meu pau. — Vai chupar?
— Pelo menos isso.
— Fica só de calcinha então.
Ela ficou só de calcinha, chupando meu cacete. Achei aquilo inacreditável. Não penetrei, e nem insisti naquela boceta sangrenta. Em algum momento, poderíamos terminar o serviço em outro dia. A Alana disse que iria para escola; eu não fui. Já passava de uma hora da tarde, fiquei em casa. Pensei no Arthur, o pau-no-cu do fundamental que vivia arrumando confusão com todo mundo. O desgraçado merecia ser corno.
Na escola, fiquei extremamente desconfortável com a sala de aula. As pessoas gritavam e falavam alto, eu não entendia qual era a intenção de cada aluno. Uma confusão de sugestões. Quando, finalmente, eu parei de ouvir. Não interessava mais ouvir, comecei a ver as posições de pernas, gestos e movimentação dos braços. As palavras perderam o significado.
As pessoas não diziam nada! Elas berravam feito animais. Parei de prestar atenção. Parei de analisar. Parei de compreender.
Em casa, antes de dormir, eu fazia algumas meditações, deitado, para lançar a minha intenção pelo ar, até chegar na Helena. O meu objetivo era fazer com que ela sonhasse comigo.
Na escola, ela chegou a ficar com a voz mais grossa, assim como a minha, então comecei a me sentir culpado. Tentei procurar nas minhas teorias, o que eu tinha feito de errado na meditação. Todos diziam que ela estava rouca, mas eu sabia a verdade, era tudo culpa minha.
Quando me levantei e saí da sala de aula, sem aviso, a professora de química me seguiu e pediu uma explicação. Simplesmente, eu queria paz. Fui no banheiro da escola e acendi um cigarro.
Na casa do Rafael, eu contava tudo que se passava comigo pra ele.
— A minha intenção funcionou com a Alana.
— Não, Caio! Sabe o que funcionou? Foram os anos que vocês se conhecem e falam sobre sexo com naturalidade. Foi o fato de você defender ela na sala de aula. É tudo isso que tu tá ignorando.
— Você não entende...
— Entendo sim, tu me explicou todas as tuas teorias de merda. Todas!
— Mas eu venho descobrindo muito mais, tá tudo ficando mais complicado. As pessoas estão se destruindo e não sabem.
Passei horas explicando. O Rafael dizia que eu tinha que largar isso, eu estava entrando em algo que não tinha volta. Talvez... Só talvez... Eu poderia ter pisando em um chão escorregadio.
As pessoas estavam começando a descobri o meu segredo, elas sabiam o que eu fazia com os olhos. Fiquei preocupado. Em uma noite, eu estava deitado na cama, olhando para o telhado da casa. Foi nesse momento que tomei uma decisão. Eu iria embora de casa e começaria a viver nas estradas, usando o que eu aprendi para sobreviver. Peguei minha mochila, coloquei duas roupas e fui falar com a Cecilia.
— Mãe — Abracei ela. — Vou sair de casa.
— O quê? — Ela olhou nos meus olhos.
Não aguentei. Desvivei o olhar na mesma hora, ela também sabia do segredo.
— Vou sair de casa. Vou viver, não se preocupe. Agora, eu sei de tudo. Sei como a realidade funciona.
Ela agarrou o meu braço.
— O que você tá dizendo?
— Que eu posso ter tudo que eu quero. Vou sair de casa e viver tudo.
— Não, Caio! Tu bebeu? O que você tá dizendo?
— Não! Estou sóbrio! Agora posso ficar bêbado sem beber. Agora, eu posso tudo! — Segurei a mão dela e expliquei com convicção.
Ela chorou.
— Meu filho! Tu não pode sair de casa, que loucura é essa? Tu não tem nada!
L O U C U R A
O que tinha acontecido comigo? Eu dancei na beirada do penhasco e escorreguei. Em poucos minutos, vários familiares apareceram lá em casa. Fiquei intimidado e me tranquei no quarto. De onde tinha surgido toda aquela gente? Meu tio Tadeu veio falar comigo. Não consegui me expressar. Algo ficou perdido na queda. Uma simples frase ficou entalada.
Não conseguia mais me comunicar com o mundo externo.
Ficou decido que eu iria morar com o meu pai, em Paulino Neves, Maranhão.
Fui embora sem aviso. Deixei amigos, minha mãe e colegas. No dia seguinte, eu viajava alucinado dentro do carro do tio Tadeu. As nuvens no céu me mandavam sinais. Estava indo morar no Maranhão. Me afastei, fui lançado para o exílio. Enlouqueci.
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