21 . Drama Desnecessário
Eu e a Erika fazíamos sexo com uma frequência maravilhosa. Era sempre na cama da minha mãe ou no sofá azul. Ela gemia muito alto, e isso me preocupava porque a madrugada da rua III era muito silenciosa. Era a dona Cecilia que recebia as reclamações dos vizinhos. Mas minha mãe gostava dela.
Tivemos várias brigas, muitas vezes por causa de religião. Ela insistia que eu deveria conhecer a igreja dela. Eu recusei várias vezes. Expliquei o meu passado desagradável com os dogmas que não serviam para nada além de te deixar com sujeira na consciência. Mas isso, só acontecia quando o seu cérebro era muito bem lavado, e o seu corpo não.
Estávamos sentados no sofá azul.
— Vamos, Caio! Só uma vez! Se você não gostar, eu paro de insistir.
Então era fácil, eu vou e depois digo que não curti, pensei.
— Como é o nome da sua igreja?
— Igreja de Deus.
Levantei uma sobrancelha, tinha certeza disso. Pois estranhei no mesmo instante.
— É evangélica? Não conheço.
— Não é. Já fui evangélica e não gostei. Prefiro a Igreja de Deus. Eles ensinam a verdade que todo mundo ignorou.
— Nessa igreja tem Jesus?
— Claro! Ele é o filho de Deus. Temos o Pai, o Filho e... Vai! Me diz o que falta?
— O Espírito Santo?
— Quase... pode ser também. Mas ninguém nunca se perguntou: e a Mãe?
— Maria?
— Não. A Mãe também é Deus. E assim como o Filho veio para Terra, a Mãe também virá. O problema desse povinho, é que eles não pensam que Deus pode ser uma mulher também.
— Interessante. É uma ideia bacana.
— É a verdade... E não faz essa cara de enjoado!
— Olha, eu não sei o que é "a verdade" — fiz as aspas com os dedos. — Mas certa vez, eu ouvi um amigo meu falando sobre a ideia de um judeu em relação a alguns assuntos religiosos.
— E como era essa ideia? — Ela se inclinou para frente.
Me ajeitei no sofá.
— Não que todos os judeus pensem dessa forma, não sei como funciona o judaísmo. Foi um judeu que disse (fiz questão de ressaltar isso): Maria deu a boceta para um centurião romano, enganou o corno do José, e Jesus é um bastardo. Acho mais fácil acreditar nisso do que em espermatozoides espirituais.
— TU ACREDITA NISSO?! JESUS ERA UM BASTARDO?!
— Calma! — Levantei as palmas das mãos — Eu não sei no que eu acredito. Não tenho como saber se isso aconteceu ou não. Nem sei se Deus existe ou mesmo Jesus. Mas prefiro acreditar nele como um homem sem superpoderes.
— Como assim, cara?! — As lágrimas desceram — Tu é só um moleque que não tem fé, nem esperança, e nem visão de futuro.
Ela ficou transtornada com essa besteira. Tivemos uma briga feia depois disso.
— Como vamos ficar juntos, se você não acredita em Deus, em nada! E o nosso futuro? E depois da morte? Irei sofrer se eu tiver em um lugar e você em outro!
— Como assim, depois da morte? Eu não me importo com isso. Estamos juntos, agora! No futuro, eu não sei.
— Você não sabe de porra nenhuma! Como vou continuar contigo, se você não consegui ver um futuro com nós dois.
— Não depois da morte.
Essa merda continuou por um bom tempo, ela saiu da minha casa dizendo que ia embora. Acendi um cigarro e fiquei fumando na sala. E pensando na imbecilidade humana e suas certezas inquestionáveis. Depois eu saí de casa, vi ela escorada na parede do lado de fora, de braços cruzados e cabeça abaixada.
— Você não foi embora?
— Seu porco! Você nem veio atrás de mim! — Ela saiu em direção a parada de ônibus.
Vi aquele rabo se afastando rapidamente.
Caralho! Não acredito que vou ter que ir atrás dela, pensei. Suspirei pesado e fui.
— Erika, volta... vamos conversar...
— NÃO! VOCÊ É UM MISERÁVEL ARROGANTE QUE CUSPIU NA MINHA FÉ E NO MEU AMOR!
Olhei em volta, senti uma baita vergonha. Pra quê gritar no meio da rua? Que loucura! Aquela cena me constrangia profundamente, achei tudo aquilo desnecessário.
— Não precisamos brigar...
— ME DEIXA IR EMBORA! NÃO VOU VOLTAR! — Ela começou a se tremer.
— PORRA! ENTÃO VAI! — Sacudi minha mão em direção à parada de ônibus. — Mas depois, não vem com essa de que eu não fui atrás de você. Eu tentei amenizar a situação! Mas eu não tenho saco para drama maluco no meio da rua, essa merda não é uma novela!
Voltei bufando pra casa. Nem olhei para trás. Entrei em casa e bati a porta. Depois de alguns minutos, bateram na porta. Quando abri, vi a Erika. Eu fiquei puto. PRA QUE MERDA ELA FEZ TUDO ISSO? Pensei ainda puto, mas muito puto da vida.
Ela sorriu.
— Me desculpa?
Sem nenhuma palavra dita, deixei ela entrar. Quando os ânimos se acalmaram, a gente transou a madrugada inteira. Desculpei ela.
Logo descobri que ela tomava alguns remédios para não desmaiar. Sim, era bem simples. Se ela deixasse de tomar o tal remédio, ela desmaiava. Durante algumas brigas, ela ficava mole e apagava. Eu era um cara frio, mas quando isso acontecia, eu ficava desesperado, perguntando a ela o que eu tinha que fazer: "Qual é o remédio?" E ela só resmungava a cor do comprimido, entre as cores do arco-íris, que ficava na bolsa dela.
Cheguei a visitar a Igreja de Deus, aprendi muita coisa. Os doutrinadores era sul-coreanos, Eles mostravam algumas passagens da Bíblia Sagrada, onde havia a "prova" que a Mãe existia. Achei maneiro, quase hilário. Como eu já disse: a ideia era bacana, mas, como uma verdade, era hilária. E para piorar e jogar mais merda na minha cara. Assistir um documentário.
Vi viajantes do mundo inteiro peregrinando até a Coreia do Sul, eles viam de todas as filiais da Igreja de Deus. Adivinha o que eles encontravam? Uma mulher gordinha de olhos puxados e simpática.
A Erika assistia comigo, do meu lado. Cutuquei ela.
— Ei — sussurrei —, essa mulher é a Mãe?
— Sim, a gente conta aos poucos para os novatos. Mas assim como o Filho veio, a Mãe já chegou. Ela é o avatar de Deus na Terra.
Caralho! Doido! A mulher era adorada como uma Deusa. Porra! Esses pastores de merda nem chegavam aos pés dela. Isso que era religião! Lembrei até dos Faraós. Muito massa! Mas não acreditei nenhum pingo na divindade daquela mulherzinha fofa e simpática. No máximo, ela só era engraçadinha. E muita foda, claro! Conseguir enrolar tanta gente daquele jeito tinha que ter algum mérito.
Depois do documentário, eu comi sopa de ovo com cebola e porco apimentado — deve ter um nome coreano para essas comidas, mas não me lembro. Estava gostoso. Os doutrinadores eram legais e simpáticos. Fiquei um bom tempo olhando para a esposa do "chefe" deles lá. A pele desses asiáticos era muito lisa, sem imperfeições. Caralho, senti vontade de lamber a cara da mulher de olho puxado. Ela era sorridente. Gostei deles.
Eu e Erika fomos embora dali.
— Então, o que achou?
— Gostei deles. São pessoas boas.
— Vai voltar e frequentar comigo?
— Não.
Ela parou a caminhada no meio da rua.
— Mas você disse que gostou deles!
— E gostei. Mas não vou me converter por isso.
— Você não acreditou em nada?
Pensei um pouco, o melhor seria a objetividade da reposta e da clareza.
— Não.
— Olha, Caio, o nosso futuro...
— Ei! Fiz minha parte, visitei sua igreja, analisei e tomei minha decisão.
— Mas só uma vez? Você precisa ver mais coisas!
— Não preciso não. Você disse: "Caio! Só uma vez! E eu paro de insistir" Se lembra disso?
Ela abaixou a cabeça. Continuamos andando até a parada. E eu nunca mais voltei praquela igreja.
Apesar dela gostar de algumas bandas como Slipkot, Pitty e Marilyn Manson; outro problema era quando eu saía pra beber com meus amigos nos festivais de rock. Eu chamava a Erika pra ir comigo, e na maioria das vezes, ela tinha que trabalhar. Então eu ia sem ela, o que a deixava irritada, e, para evitar brigas, deixei de chamá-la; o que acabou sendo muito pior. Ela ficava ainda mais puta da vida quando descobria através dos meus amigos. Então a Erika começou a me dizer que eu traía ela.
Certa vez, saímos eu, o Felipe, o Rodrigo e a Evelyn. Ainda estávamos na fila para entrar no festival, quando a Evelyn se irritou por algum motivo cósmico e começou a discutir com o Rodrigo. Eles eram amigos e aquilo era muito escroto. Porque a Evelyn queria uma relação mais íntima com o Rodrigo, e ele simplesmente ia empurrando ela com a barriga. Mas ele continuava dando corda pra ela se enforcar. E ela puxava ele junto. Era um chove não molha desgraçado e chato pra quem assistia. Então naquela noite, eu só contava com o Felipe. Entrei na festa com ele. E como era de se esperar, o casal decidiu ir embora.
Lá dentro tocava uma banda cover do Iron Maiden.
— Olha, Caio, aquela lá, não é a Verbena? — O Felipe apontou com sutileza.
— É sim, e ela engordou.
— Continua filé.
— É.
— Não vai falar com ela?
— Não.
Passou-se algum tempo. Eu e o Felipe bebíamos vinho, sentados no chão. A Milena veio até a gente. Eu me levantei e abracei ela. Trocamos algumas palavras rápidas, e ela saiu.
— Cara, tu viu o jeito como ela te olhou?
— Vi sim, mas não vou fazer nada. Amanhã a Erika vai brigar comigo e vai dizer que estou traindo ela.
— Por quê? — ele franziu a testa.
— Porque eu saio e não chamo ela. Quando chamo, ela não vem. Então não vou deixar de sair. Eu só quero beber e fumar em paz. Ela acha que vou sair por aí comendo todo mundo.
— Mas a Verbena tá bem ali.
— Foda-se, ela tá gorda. E mesmo que eu pegue ela hoje, amanhã vai ser pior.
— Por quê?
— Porque eu diria para Erika e daria razão pra ela brigar comigo. Prefiro deixar ela brigando sem razão. Fica mais feio pra ela do que pra mim.
O Felipe se desmanchou numa gargalhada prolongada.
— Cara! Tu é foda! Isso aí! Seja fiel!
Bridamos com os nossos copos de plástico.
Houve outras chances de cometer o ato imoral da traição. Mas consegui resistir. E algumas meninas disseram que eu era viado. Tudo bem. Mas o que me irritava de verdade, era a Erika procurando brigas por causa das minhas traições ilusórias. Eu dizia na cara dela, que quando eu traísse ela, eu falaria.
— Então você pretende me trair?! — Ela gritava pelo telefone.
Eu estava cagando, literalmente, durante essa conversa.
— Não pretendo. Mas pode acontecer. Como vou saber? O Diabo fica tentando a gente, talvez eu não resista. Mas relaxa...
— Como assim RELAXA, SEU PORRA!? TU TÁ JUSTIFICANDO TRAIÇÃO?
— Pois é... e olha que eu nem te trair! — comecei a rir — Tu não consegui me entender, né? O ser humano faz promessas disso e daquilo, fidelidade, amor eterno... promessa não vale de nada, porque na hora H a situação pode ser outra e ele pisa na bola. Coragem tem, aqueles que admitem.
— Caralho, Caio! Tu tá falando isso pra Erika? — O Rodrigo apareceu na cozinha.
— É o jeito, fala aqui com ela. — Abri a porta sanfona do banheiro até a metade, o cheiro de merda subiu e entreguei o telefone para o Rodrigo.
Ele pegou. Os dois começaram a conversar ao meu respeito.
— O Caio pode ser um filho da puta, mas ele é honesto... sei, sei... Naquele dia, eu e a Evelyn brigamos e saímos cedo. Ele ficou sozinho com o Felipe, se ele tivesse te traído, eu coloco minha mão no fogo, como ele te contaria isso na cara dura. Conheço o Caio.
Ele me entregou o telefone.
— Não tenho intimidade com o Felipe, logo o único que não posso perguntar. Ele te cobriria. Eu nunca vou saber se você me traiu ou não...
— Quer saber! Vai te foder!
Desliguei o celular.
— Porra, o que foi isso, Caio? — O Rodrigo ficou abismado.
— Porra! Ela não acredita em mim. E olha que eu sou bem real! Ela é uma cega do caralho que só quer enxergar o que ela quer: Mulher-Deusa, Fumar faz mal, O Caio traidor...
— Mas fumar faz mal.
Acendi um cigarro.
— Mas ela não está completamente errada. Eu também não alívio a barra pra ela. — traguei e cuspi fumaça.
— Conversa com ela. Vocês se entendem.
— Esse namoro já tá me dando no saco. É muita briga pra pouca merda.
— E não tem nada de bom nesse namoro?
— Tem sim, a gente transa pra caralho.
— Então? Conversa com ela e depois mete o pau, vocês se entendem assim.
— Beleza. Agora sai daqui, quero levantar do vaso e limpar meu cu.
Ele foi pra sala. Eu me levantei, dei descarga. E limpei meu rabo, bem limpinho.
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