10 . Eu Devoro Tudo
Ela pegou na minha mão e colocou os olhos em mim. Mirei aquela boca sexy. Ela se inclinou para frente. Eu esqueci da briga com meu cérebro e comecei a travar uma luta de boca. E que boca! Foi um beijo bem dado.
Abri um olho, para espiar o Lucas. O desgraçado estava assistindo os robôs. Quer saber! Se ele não ver, foda-se! Me concentrei nela. Mordi aqueles lábios, ela mordeu minha língua. Desci até pescoço e deixei um rastro de saliva naquela pele de bronze. Agarrei os cachos dela e dei um puxão para trás. Ela me olhou de cima, sorrindo. Dei um selinho, lambi e introduzi a língua de novo.
Gostei.
As luzes se acenderam, os créditos do anime estavam passando na tela gigante. Paramos.
— Ei, vou indo. Tenho que encontrar meus amigos — eu falei.
— Eu também.
Descemos as escadas juntos. No andar de baixo, nos separamos depois de lascarmos outro beijo. Fiquei sozinho. Então subi as escadas, enfrentando a multidão que descia. Encontrei o Lucas e decidimos ir atrás do resto do grupo.
— Você viu?
— Vi sim.
Quando a galera se juntou, falamos sobre o andar da carruagem. Ninguém tinha conseguido nada. Eu tinha sido o único. Mas o dia estava longe de acabar.
— Vamos para Tenda Eletrônica, lá o pessoal estava se pegando com facilidade — eu disse.
Chegando lá, vimos tudo parado. Muitos grupos sentados no chão. Estavam esperando o próximo DJ. Jogamos conversa fora por um bom tempo. A música voltou. Mais gente apareceu. Vi uma loira e uma ruiva se beijando, aquilo me deixou fascinado. Senti vontade de me tacar no meio das duas.
Fiquei na vontade.
Lotou mais ainda, estava ficando muito animado. Começamos a pular no som do Nirvana. Finalmente, começamos a dançar. Me soltei. A luz acendia e apagava, o que dava um efeito de câmera lenta para um corpo em movimento. Então comecei a me mexer mais rápido, eu não queria parecer um retardado. Porque de certo modo, eu tinha vergonha até da minha voz, era lenta e grossa... voz de retardado. Era cismado com isso. O espaço foi ficando cada vez menor. Senti um cutucão na minha bunda. Me virei e olhei para baixo.
Era uma menina baixa, gorda, cabelo loiro e curto. Ela me chamou para abaixar e chegar mais perto. Como se quisesse me contar alguma coisa no meu ouvido. Fui me curvando e senti as mãos dela agarrarem meu pescoço. Ela me puxou e pah! Me meteu um beijo. Fiquei de olhos abertos, sem acreditar naquilo. Forcei para me soltar e ela continuou.
Desisti.
Abri mais a boca. Senti a língua áspera dela sobre a minha. Escutei as risadas do Felipe ao meu lado. A menina me largou e sumiu na multidão. Sorri e me senti até gostoso.
— EITA! ELA TE PEGOU DE JEITO! — O Felipe gritou rouco, no meu ouvido. A música estava muito alta.
— MEU PESCOÇO TÁ DOENDO, ELA SE GARANTIU! — Gritei de volta.
Ele me cutucou e apontou para o lado, olhei. A gordinha safada estava beijando outra garota, depois ela beijou um cara do lado dela.
— ELA TÁ PEGANDO GERAL, TU BEIJOU A FESTA INTEIRA! VAI GANHAR 300 PONTOS DE X.P. — Ele riu.
— FODA-SE, ELA QUE TÁ CERTA! MEUS 30 PONTOS JÁ TÁ BOM.
Mas ainda faltava o Rafa e o Lucas. O Leandro acabou ficando com a mesma gordinha que eu. A menina loucona estava mandado ver!
No final, os dois voltaram do meio de uma aglomeração infernal. E disseram que tinham conseguido, cada um, uma boca. Encerramos a aposta na confiança.
Conseguimos os pontos.
Quando o William soube, ficou puto porque tínhamos ganhando pontos de experiência na "moleza". O Felipe deu um tapinha no ombro dele.
— Pelo menos, tu não perdeu o culto — o Narrador disse com cinismo.
— E eu vou ganhar X.P.?!
— Não.
A Mesa inteira gargalhou.
Em casa, eu assistia uma série qualquer no meu computador sem internet. O Lucas era o meu distribuidor de arquivos e DVD piratas e o Rafa me passava pornografia. Na parte em que um anão da realeza comia uma prostituta, minha mãe apareceu.
— Seu pai quer falar com você. — Ela me estendeu o celular.
Pausei o seriado. E peguei o celular.
— Oi?
— Quero te pedir desculpas, eu não devia ter gritado com você — ele falou devagar.
— Tudo bem, eu também gritei. Foi mal, tá tudo bem por aí?
— Tá sim. Vem visitar a gente, ver a tua vó, ela vive perguntando por ti. Ver o teu irmão, a família. Tuas tias tão tudo aqui em casa, passando as férias.
— Vou pensar nisso.
Sim, eu tinha uma irmão por parte de pai. Eu mal lembrava dele, por isso não comentei antes. Por muito tempo, fui filho único. Então quando ele nasceu de outra mulher, e eu o só tinha visto uma vez na vida, na prática, ainda me considerava filho único. Na minha cabeça era só eu e minha mãe.
Falei sobre a proposta que ele me fez para dona Cecilia. Ela me lembrou que a última vez que eu pisei em solo maranhense tinha sido com 3 anos de idade. Ou seja, se eu fosse com 16, seria como se fosse a primeira vez. Entrei em alguns conflitos, não tinha a mínima noção do que iria encontrar por lá. Meus parentes paternos viviam no interior, chamado Rio Novo. Cecilia me falou do rio, disse para eu não nadar nele. Ela era um mãe preocupada. E eu não sabia nadar.
Eu fui.
Teria que pegar um ônibus no bairro Castelo Encantado, um local onde morei na infância. Então fui para o Terminal do Siqueira. E peguei um ônibus municipal para o bairro Mucuripe. Só que foi isso que eu imaginei. Na verdade, muito antes de chegar no Mucuripe, o motorista subiu uma avenida indo em direção oposta da que eu esperava. Fui até ele, e descobri que estava no ônibus errado.
Desci.
O sol de três horas da tarde cozinhava meu cérebro, uma mala pesava na minha mão, nenhum dinheiro sobrando no bolso. Eu só pegaria a grana para viagem na casa da minha avó Marta no Mucuripe, só depois iríamos andando até o Castelo Encantado. Esse ônibus para o Maranhão, não passava por rodoviárias. Era só marcar uma passagem e dar o dinheiro na hora para o dono do transporte. Ele sairia de lá às quatro horas.
Porra, pensei, agora tenho que andar até o Mucuripe. Andei, suei e blasfemei. Consultava o celular a todo instante para ver as horas. Apressei o passo, a mala ficou mais pesada. O meu cu derramava litros de suor. Os carros passavam pela avenida Abolição cuspindo poluição na minha cara. Deus! Eu torci para que o Rio Novo fosse o paraíso depois de passar por isso.
Cheguei na casa da velha, faltando quinze para às quatro.
— Menino, onde você tava?! — A dona Cecilia já estava lá desde o dia anterior. — Você não atendeu nenhuma ligação.
— Não tive tempo de ver as chamadas perdidas. Vamos logo, acabei pegando o ônibus errado e vim o resto do caminho a pé.
Saímos eu, Cecilia e Marta até o Castelo. Consegui uma maçã com minha avó e fui comendo no caminho. Chegamos no ponto de partida. Esperamos a PORRA do ônibus até cinco e meia. Elas me deram uma grana além do dinheiro da passagem. Paguei os 60 reais e fiquei com 20.
Iria passar uma semana por lá, ficou combinado que o Eli me daria a passagem de volta. Usei os 20 para comprar salgados e refrigerante em Parnaíba, Piauí. Foram dozes horas de viagem, com três paradas para o mijo, o lanche e a esticada de pernas. Notei que no fundo do ônibus, algumas pessoas viajavam de pé. Achei aquilo escroto.
Além das paradas para necessidades, quando chegamos no Estado do Maranhão, o motorista parava e os passageiros desciam no seu destino. Passamos por vários interiores, vilarejos, casas no meio do nada e eu sempre me perguntando: "será que é aqui?" Logo, descobri que o Rio Novo, agora se chamava Paulino Neves. E quando chegássemos lá, o ônibus iria parar de rodar. Isso facilitou minha vida e aliviou minha mente.
O ônibus parou e o dono da banheira gritou.
— CHEGAMOS, CAMBADA!
Desci. Olhei pro lado e vi um buggy amarelo, meu pai estava no volante, do lado dele tinha um pirralho loirinho. Por um momento pensei se era meu irmão. Mas esse pirralho parecia ter uns 13 anos e o meu irmão mal tinha 2. A viagem me desorientou completamente. Que droga, hein!
Houve abraços, beijos, abraços e apresentação. O garoto era meu primo, João. Ele tinha 14. Subi no banco de trás do buggy e joguei a mala nos meus pés. Meu pai acelerou e a poeira subiu. Direto pra casa da vó Lucia e do vô Zezão.
O carro parou na frente da casa. O João desceu primeiro e levou minha mala. Olhei para o lado e a vi. Porra! Era uma baita de uma casa. Tinha um jardim enorme na frente com uma passarela no meio que levava até o fundo, onde a casa realmente estava. De longe, vi pessoas sentadas na frente. Meus parentes. No meio deles, houve um destaque. Uma garota alta, magra, cabelos compridos e negros, pálida e ereta.
— Pai, quem é aquela de cabelo longo, sentada com o cachorro no colo?
— Tua prima, Letícia. Cuidado com a mãe dela, Rapa!
— Minha tia?
— Sim, ela é doida pela filha. E ver se tu toma a benção pra todo mundo!
— Beleza! Mas eu vou pegar a Letícia! — disse determinado.
Descemos do carro, e enquanto caminhávamos, todos aqueles olhos seguiam a gente, ou melhor, me seguiam. Eu era a novidade naquelas férias. Fixei meus olhos verdes e sedutores — beleza, não era tão sedutores assim, estavam mais para assustadores — na tal Letícia.
Houveram beijos, abraços, benção tio? Benção tia? Quando eu tinha dúvidas, lançava um olhar incisivo para meu pai e ele dizia:
— Essa também é tua tia, Rapa!
Benção tia? E tudo se repetiu.
Depois veio as perguntas sobre Fortaleza. "E os estudos? As namoradas? Que menino bonito, parece um ator de Malhação, e não tem namorada!" Ouvir isso, me deixou com vergonha. "E esses brincos, quando vai tirar?" Mais vergonha com um sorriso amarelo. "É por isso que não tem namorada!" Ouvi essa última pérola da mãe da Letícia.
Sim, eu tinha 3 brincos em cada orelha e usava uma cruz enorme como um pingente pendurado no pescoço. Cruz? Pois é, eu gostava de uma ironia ácida.
Puxei uma cadeira e sentei ao lado da minha prima gata. Ela não tinha muito peito, acho até que eu tinha mais que ela. Mas era linda. Uma beleza delicada e atrativa, que não me paralisava e sim me fazia ágil. O clima estava alegre com a minha chegada e isso me deu mais confiança.
— Só faltou você. A benção, prima? — Estendi a mão.
Ela sorriu, senti alguns olhares caírem em cima da gente.
— Deus te abençoe! — Ela me deu a mão e eu beijei as costas da mão dela. Ela beijou a minha.
Letícia voltou a fazer carinho no cachorro. Ali do lado dela, senti vontade de tomar um banho e escovar os dentes. Eu estava um lixo por causa da viagem de 12 horas. Não queria que ela sentisse o meu fedor. Provavelmente, já era tarde.
— Qual o nome dele? — puxei assunto.
— Ela! O nome dela é Bibia.
— E não bebe mais?
Ela gargalhou. Isso chamou atenção da mãe dela, que puxou uma cadeira e sentou com a gente.
— E aí, Caio? Soube que você dá trabalho pra sua mãe... não vai mais pra igreja... mas Deus restaura o vaso quebrado, eu creio nisso — Minha tia disse amigável.
Puta que pariu! Aquele tipo de jargão, eu conhecia bem. Vaso quebrado? Vaso quebrado era meu ovo! Logo percebi que ela era evangélica e a julguei assim como ela gostava de julgar. Ela era a "conhecedora da verdade", assim como a Dona Cecilia.
Vamos nessa!
— Ela me obrigava a ir, houve até um tempo que fui por conta própria com um amigo. Mas não deu certo. Acabei me desviando e agora estou no mundo. — Usei a linguagem deles.
— E qual a graça do mundo?
— O pecado.
— É verdade, o diabo apresenta pratos maravilhosos e cheios de veneno.
— Eu devoro tudo. — Sorri. E para minha surpresa, ela gargalhou divertida.
Vai rindo, quero ouvir as risadas quando eu mostrar o pecado pra tua filha, pensei.
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