Capítulo Único
Por um triz
Talvez ela fosse louca mesmo. Não era a primeira vez que Tris tinha "pressentimentos" religiosos equivocados. Uma vez se pegou falando com a própria Lilith. Coisas de sua cabeça. Mas, uma coisa tinha que ser deixada clara: uma coisa era seus surtos, outras suas histórias. Suas histórias nunca foram atestado de loucura. Era só um atestado que ela vivia em outro mundo mesmo, um mundo entre o mundo das fantasias e o real.
–Oi. – Disse Derick, seu colega da pós-graduação em ciências linguísticas.
Triscilla estava no 5o período (leia oitavo) da sua graduação e decidiu entrar pro mestrado contra tudo e contra todos. Havia reprovado nove vezes- nove malditas vezes que baixaram seu coeficiente para 7,88 (nota horrível, notas bonitas são acima de 8,00). Malditos surtos.
– Leu os livros que o professor Kleber mandou? – Perguntou Deck (apelido de Derick). – Eu senti dificuldades em entender o Inferno de Dante. Fui ler alguns quadrinhos japoneses, como é que se diz, animes. Mais interessantes. – Tris tinha certeza que ele era autista.
– Eu fui ler sobre Perséfone e Hades, Lilith e Lúcifer versus Adão e Eva. Qual melhor maneira de entender o inferno do que entrando nele?
***
Deck mexia com as pernas, olhava para os lados, depois voltava com exatamente aquilo que o professor estava se batendo para explicar aos demais alunos. Deck era um gênio.
O professor Kleber era orientador de ambos. Ela queria Lúcio, mestre dos magos, único professor especialista na Grécia Antiga. Os outros eram em autores italianos, como Dante e etc.
– Escrevam para vocês qual seria o verdadeiro significado de inferno. Para segunda. Dez páginas. E não adianta dizer que domingo é final da Copa América.
***
Triscilla releu trechos do inferno de Dante, a mitológica relação incestuosa entre os senhores gregos dos mortos e principalmente Gênesis. A ideia que o mundo acabaria até dia 20 de julho a deixava nervosa. Lilith não podia orquestrar tamanha maldita para os bastardos terrenos e mandar etês de diversas raças para enganar os seres mais hipócritas do universo. Já era 7 de julho e Tris tinha as provas da graduação e o texto básico de 10 páginas sobre o inferno.
– Inferno, inferno pra mim? Inferno, inferno, inferno... Inferno interior: o pior dos infernos.
O jogo Brasil x Peru já ia começar. Teria que fazer aquele texto assistindo aquela final. Com todas suas forças.
– O Peru não pode ir pra cima! Não pode. – Gritou Tris, relembrando o seu maior inferno.
– Que tal pegar um microfone? Assim, o prédio todo escuta.– Disse a mãe de Tris, a Priscilla, a que teve a magnífica ideia de colocar esse nome nela.
Inferno interior: o pior dos infernos
O pior inferno de todos está dentro de si mesmo. Ele certamente é incomparável com o inferno cristão ou com o grego, pois é bem pior. Eu nunca fui para nenhum desses infernos, nem tenho certeza se eles existem, mas o inferno interior é o pior de todos. A sensação de não se conhecer ou de se conhecer até demais...
FLASHBACK
– Triscilla Raimundo Constantino, o que está fazendo aí? – Gritou Priscilla.
Triscilla estava fazendo a coisa mais magnífica de todas: entrar no seu mundo. Mas não podia dizer isso para sua mãe ou irmãos, que nunca entenderiam como é divertido correr nas capoeiras atrás de casa, batendo em tudo com força e agressividade, coisas que não eram características de Tris. Assim as ideias vinham mais rápido.
– É insolente uma garota de 15 anos correr como um bebê.
– É para ficar com o porte mais atlético.
***
– Gooooooooool do Brasil. – Gritou Lorenzo, seu vizinho.
– Gol de quem? Quem? – Perguntou Tris correndo com o pão semiaberto e saindo de seu mundinho.
– Do Cebolinha.
– Ah, não. Perdi o gol.
A sensação de se conhecer melhor do que ninguém é frustrante quando você tem certeza que ninguém vai acreditar que você é aquilo. Um grito de socorro seria o ideal, mas você decide não fazer isso até passar 5 dias sem dormir.
FLASHBACK
– Eu invento histórias, elas saem de minha cabeça. – Disse Tris à psiquiatra.
– Poderia contá-las?
– Deixa minha mãe sair.
– Você não olha nos olhos, tem um jeito desconfiado e contou histórias difíceis de acreditar. Você é esquizofrênica...
***
Aquele não era meu diagnóstico. Não podia ser. Assim eu chorei na cama, porque na minha ganância de ser a maior escritora do mundo e eu afirmei a um dos meus amigos que aceitaria ficar louca em troca da glória eterna.
– Isso não foi pênalti. Estão roubando o Brasil e ainda Lionel Messi disse que ele é quem foi roubado. Não foi e não vou defendê-lo mesmo que ele seja tão introvertido quanto eu.
O autismo não é como a maioria das pessoas imaginam: uma pessoa autista não era só aquela reservada lá no canto da sala, aquela muda ou surda, o completo retardado mental. Havia boatos que Lionel Messi era autista . Não era bem assim. A família negava e nem sempre o autismo é associado à genialidade.
– Gooollllllll de Gabriel Jesus. Só Jesus salva!!! – Gritou Lorenzo, pouco tempo depois acabando o primeiro tempo.
Talvez uma pessoa autista viva o maior dos infernos ou a maior das glórias... Querer provar o que eu era foi, de certeza, o meu pior inferno. Querer provar que eu seria uma pessoa importante (que eu era), que eu tinha genialidade fora do comum (pra criar histórias), que eu não era tão infantil assim, que eu não era tão culpada, que o mundo não era tão ruim.
– Juiz ladrão. Não era cartão vermelho pro Jesus. – Disse Tris, vendo o choro do jovem de 22 anos e relembrando como chorou ao descobrir que seria impossível realizar seus sonhos, ainda mais com as notas péssimas que havia tirado.
A história de Gênesis estava muito mal contada, eu sei. Mas com certeza tive um surto ao ouvir aquela menina falando como se fosse Lilith, a primeira mulher de Adão, a cobra do paraíso, que dirigiria o Homem ao inferno. Eu era feminista, mas a primeira feminista não me representava, pois ela tirara Eva do paraíso, sendo que Eva não fez nada contra ela. Adão, Lilith e Eva tiveram o acesso ao paraíso, algo que foi tirado do primeiro casal bíblico. Agora, só os santos teriam o Paraíso de Deus. E os autistas, os autistas de alto nível (os aspies) transitavam entre céu e inferno (pode colocar os bipolares aí também). O céu que sua genialidade trazia, o inferno de ter um meltdown...
FLASHBACK
"Consciência aberta
Somas das forças externas é zero
Por isso que o céu
É tão perto do inferno"
– Cantava Triscilla tentando sair do fundo do poço da depressão.
***
– Agora, é só relacionar essas baboseiras que escrevi com o Inferno de Dante, que infelizmente tenho que ler sério. – Comentou Triscilla com pessoas que não entendiam nada de seu trabalho. – Foi pênalti sim, não vai ver o VAR, juiz de merda.
– Foi ombro no ombro. – Gritou Lorenzo.
– Foi pênalti sim, seu peruano de merda.
– Gooool do pombo. É campeão, é campeão!!!!!!!!!!
***
Brasil campeão da Copa América. Manipulado? Triscilla achava que não. Sua vida era a manipulação de um Deus? Triscilla achava que mais ou menos.
O inferno interior de se viver uma depressão, ou um remorso, era a maior que está atrás das grades de uma prisão...
Brasil campeão da Copa América. Triscilla indo bem mesmo indo mal nos estudos, pois sua superação era maior que qualquer nota D. Uma semana para estudar para suas provas. Um texto quase perfeito (Sol em Virgem é foda). O mundo podia acabar dia 20 ou antes. Triscilla nunca fora tão feliz como era agora, mesmo com todos seus problemas. Estava escrevendo seu primeiro livro sério, em breve terminaria a graduação e conquistaria Derick. Era questão de tempo realizar o maior de todos os seus sonhos: provar que era autista e poder andar com uma tiara da cor de todos os espectros pendurada em seus cabelos ruivos.
Marta de Fátima Severiano de Oliveira-07 de julho de 2019. Sol em Virgem. Estudante de matemática. Uma quase ex-escritora amadora.
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