12. Matias
Estou me esforçando pra não cair na porrada com o Eduardo, mas está bem difícil. Esse é o problema de ter um negócio familiar. Se ele não fosse meu primo, eu já teria demitido ele há muito tempo. O fato de ele ser meu primo me impede de demiti-lo. O fato de ele ser meu funcionário me impede de enfiar a porrada nele.
É uma dualidade difícil de resolver.
Eu e Eduardo sempre fomos criados muito próximos. Sempre tivemos a mesma idade. O pai dele - irmão do meu pai - faleceu quando ainda éramos adolescentes, o que fez com que meu pai acabasse sendo uma presença bem forte na vida dele.
Acontece que Eduardo tem uma visão completamente deturpada de quem é o meu pai, porque o glorioso Marcelino nunca deixou o lado mais tradicional da família conhecer sua verdadeira face.
Por isso que, quando ele se casou com Dafne, a família toda ficou em choque. A maioria dos parentes ainda achava que ele estava encolhido em um canto, lamentando a morte da minha mãe.
Acho que o casamento do meu pai com uma mulher que era apenas alguns anos mais velha do que o próprio filho ainda é o maior escândalo da família. Talvez seja o maior escândalo de Aroeiras. Tirando, é claro, todo o caso do Marco Gallo.
Foi um dia longo em Istambul: reuniões exaustivas, críticas do meu pai e, para completar, a inconveniência do Eduardo. Ele escolheu o almoço de hoje para anunciar que vai pedir a namorada em casamento.
Com isso, o almoço, que deveria durar uma hora, se estendeu por mais de duas, nos atrasando para a reunião que eu estava mais empolgado.
Agora, o fornecedor ficou com uma impressão de que somos descompromissados e subiu o valor do material de última hora, alegando dificuldades que são, obviamente, mentiras. Ele apenas não confia mais na nossa pontualidade e eficiência, o que o deixou desconfiado sobre as vantagens do negócio.
Para completar, Eduardo ainda se achou no direito de fazer um longo discurso sobre como ter uma família é essencial para fechar um bom negócio por essas áreas e também para ser respeitado pela imprensa no Brasil. Se ele acha que - só porque encontrou uma garota sem personalidade o suficiente para se casar com ele - tem alguma chance de se tornar CEO no meu lugar, então está muito enganado.
Sou babaca o bastante para estar torcendo para a Susie - Suzana, a namorada de Eduardo - dizer não. Sou também presunçoso o suficiente para achar que um sorriso meu para Susie pode causar uma catástrofe na vida pessoal do Eduardo.
E será que seria tão errado assim?
Afinal, Susie foi minha namorada primeiro.
Na época do colégio, há quase uma vida, mas ainda assim.
Eu a conheço há tempo demais. Formaríamos um casal monótono, ambos altos de cabelos loiros. A nossa conta bancária seria mais interessante: Susie é filha de um dos maiores fazendeiros da região.
Quando éramos do colégio, chamávamos a Suzana o apelido de Susie, porque ela parecia uma boneca. Enquanto a maioria dos adolescentes exibia sorrisos metálicos, rostos cheios de espinhas e cabelos embaraçados, Susie parecia pronta para o próximo Miss Brasil. Só faltava a faixa para completar seu visual de bochechas vermelhas, lápis preto e cabelos esticados. Na época, ela usava calças de cintura baixa que quase deixavam sua bunda de fora quando se sentava na minha frente. Ela adorava se sentar à minha frente e se esticar para pegar qualquer coisa com a Paulinha na carteira do lado.
Aí, a bunda dela ficava de fora.
Tenho certeza de que ela sabia.
A sorte do Eduardo é que não tenho qualquer interesse em Susie. Ela sempre foi gata, mas me matava de tédio.
Quando eu comecei a chamá-la de Susie, ela ficou toda alegre, achando que eu estava sendo carinhoso. O que ela não sabe é que, na minha casa, ela já tinha esse apelido há muito tempo. Foi dado pela minha mãe quando ainda éramos crianças que corriam pelo jardim.
Era minha mãe quem a chamava de "Susie, a bonequinha dos Romano". Não demorei pra entender que ela estava sendo irônica. Naquela época, a maioria das falas da minha mãe eram sarcásticas.
Eu achava que ela tinha um ótimo senso de humor, que ela via graça em tudo.
Na verdade, era o contrário. Era uma graça amarga que deixava um gosto ruim na boca, como um doce com açúcar demais.
Era o que ela pensava sobre Susie: doce demais, perfeita demais, rosa, laços e frufrus demais.
Teve um dia que Susie, Eduardo, Paulinha e vários outros da minha sala foram passar o dia lá em casa para comemorar o meu aniversário de sete anos. Minha mãe inventou um esconde-esconde dentro de casa. Era a vez da Paulinha procurar e ela achou todo mundo, menos a Susie. A gente ia começar a gritar, falando que ela ganhou, mas a minha mãe achou que seria engraçado se ela não soubesse. E logo chamou todo mundo para brincar de bola de sabão no gramado.
A Susie só foi aparecer no final da festa, chorando e dizendo que tinha ficado trancada dentro de casa. Nunca esqueci a cara que a Silvia Romano fez para a minha mãe.
"Ela é só uma menina, Clara!", a Silvia gritava pra minha mãe.
No dia, eu achei graça de tudo, porque a minha mãe estava rindo. Hoje, lembrando da cara chorosa da Susie, do copo de vodca na mão da minha mãe e da raiva de Silvia, eu já não acho mais graça. Provavelmente, eu fui o único a rir da situação.
Bem, agora minha mãe já se foi há muitos anos, e Silvia vai ficar feliz de entrar para a família assim como Susie e todos os Romano que sempre quiseram uma ligação com os Bernardi. Vai acontecer através de um Morelli Gatti, mas quem se importa? Aroeiras sabe que é a mesma coisa no final.
Eu estaria feliz por Eduardo se não fosse essa mania de competir comigo. Ele poderia simplesmente anunciar seu noivado com Susie e pronto, mas não... Eduardo precisa transformar isso em um exemplo de "como sou um homem mais sério que Matias".
Minha vontade é dizer a ele que não há nada de maduro em se casar. Na maioria das vezes, o casamento é só uma desculpa para duas pessoas deprimidas parecerem menos patéticas e solitárias.
Eu me contento sendo solitário e patético sem estragar a vida de outra pessoa, muito obrigado.
Hoje, estou me sentindo especialmente patético depois dessa comemoração do Eduardo e do fracasso da reunião - sem falar que fui ignorado pela secretária gostosa na noite anterior.
Tem algo mais ridículo do que ser ignorado pela própria secretária?
Afinal, ela é paga pra me atender.
Claro que ela não é paga para me atender como eu gostaria, mas há duas noites ela não parecia se importar nem um pouco...
Depois de felicitar o Eduardo mais uma vez, ignorar os comentários do meu pai sobre como ele está certo em arrumar uma esposa e ainda pagar o jantar de comemoração - um agradecimento da empresa aos serviços de Eduardo que me custou mais do que ele merece -, não tenho forças para aceitar o convite de Pedro para explorar a cidade. Volto mais cedo para o quarto, desejando uma companhia, mas, ao mesmo tempo, insatisfeito com todas as opções disponíveis. Lembro, mais uma vez, da secretária nova.
Ela teve a ousadia de me ignorar.
No início, achei que ela pudesse apenas ser lerda para responder.
Já deu pra perceber que ela não é uma profissional muito boa.
Mas, agora, horas demais se passaram.
Sim, preciso aceitar que estou sendo ignorado pela minha própria secretária.
Ligo a televisão, faço meu login no Netflix e procuro uma série qualquer, mas a secretária não sai da minha cabeça.
Me pego vagando sem rumo por um mundo infinito de séries e filmes. Leio sinopses, vejo trailers e adiciono tudo na minha lista sabendo que, muito provavelmente, não vou assistir nenhuma das opções.
Afinal, qual o sentido de procurar novas séries se a lista já está lotada?
Quando tento adicionar na minha lista uma série que já está na lista, desisto.
Saio do Netflix e encontro um jogo de tênis. Me recosto nos travesseiros e tento acompanhar a vitória óbvia de Djokovic sobre um pobre coitado qualquer.
Eu amo tênis, mas prefiro jogar do que assistir.
Mesmo assim, é a melhor opção para me distrair do que a minha cabeça - e não vou dizer qual - não quer esquecer.
No segundo set, percebo que estou novamente remoendo a situação da secretária.
Decido que isso não pode ficar assim.
Tento mudar o jogo. Se ela não quer brincar, então quem sabe ela esteja pronta pra trabalhar?
Envio uma mensagem bem mais formal, mas sem querer ser autoritário. Afinal, não tenho nenhum assunto pra tratar com ela que Ruth não possa resolver: - Está ocupada?
✨ Está gostando da história? Não esquece de deixar uma estrelinha e o seu comentário! ✨
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro