três
Boa leitura!
Woo Jian
Tocar para mim. Ele me dedicava uma música. Jin estava de peito aberto, deixando que meus espinhos o perfurassem e tingisse o meu único botão de rosa com o vermelho de seu coração. Era melancolicamente lindo. Depois de virar-se pra frente, Jin estalou os dedos e arrumou sua postura. Aparentemente tenso, imerso em seu próprio mundo. Um mundo em que eu fazia parte mesmo sem querer.
Ode To Joy saía lenta e sem ritmo por suas mãos tímidas e sem prática, vez ou outra acertando uma ou duas teclas erradas que causavam uma dissonância que aos meus ouvidos era fofa e agradável. Ele estava aprendendo a tocar, ele queria estar dentro do meu mundo triste, ele havia aprendido uma música, por mim.
Por mim.
E ele sorria ao fazer isso. Ele estava feliz tocando, mesmo que eu soubesse que isso era mentira, que na verdade era extremamente difícil e doloroso. Uma felicidade que eu nem me lembrava mais que existia, por que há tempos não sentia. Me deixei levar por tantos problemas que havia esquecido de como amava estar em contato com o piano, de como seria efêmera a minha vida. Jin trazia à tona minhas maiores alegrias sem nenhum esforço. E agora, além de talvez sentir por ele o que poderia ser considerado amor, também sentia por sua música. O som do Rouxinol era belíssimo, sem dúvidas.
Em algum momento a Ode deu lugar a simplesmente sua curiosidade em criar uma melodia própria, como uma criança a desbravar um novo mundo com sua espada de madeira e um velho e companheiro cão. Sua alma era pura, eu queria guardá-la com todo o meu ser quando partisse. Eu prometi o proteger.
Entre risadas e sons, sua composição chegava ao grand finale, e, assim que a deu por terminada, virou-se esperando por minhas palavras. Seus olhos brilhavam em expectativa, como brilhavam! Gravaria para sempre em mim os sentimentos que transmitiam, tão doces, quase infantis, Seokjin nunca escondeu de mim sua criança interior.
Jin me mostrava seus lados mais incompreendidos, despia sua alma frente à mim e deixava-me explorá-la, como se eu pudesse tocá-la. Ah, Jin... Se soubesse que na verdade eu é quem estou em suas mãos, como um pássaro indefeso que um dia quis presentear com a mais linda rosa um estudante para que pudesse amar. Eu temia me abrir de peito e coração para presentear minha tão preciosa rosa, meu tão querido Seokjin, a alguém que poderia despedaçá-lo em segundos. Jian, a primogênita dos dois irmãos da família Woo, sempre foi uma criança egoísta.
— Jin, isso... Foi lindo... — juntando as forças, me levantei e andei até ele. O som baixo de meus passos pareciam ecoar pelo ambiente, em um caminho de segundos que pareceram horas. Mas, lá estava eu, parada em sua frente, segurando suas mãos. Ah, eu já me emocionava.
— Gostou mesmo? — perguntou, sentia um carinho sendo deixado em minhas mãos antes dele entrelaçar nossos dedos. Um frio cortou minha espinha, mas era algo bom.
— Muito. Isso foi bem difícil, não é?
— Não tanto quanto pensei. — sorriu. — Foi divertido.
— Obrigada. — não consegui sustentar o olhar, não queria que ele fosse que eu estava prestes a chorar, mesmo que fosse quase impossível esconder. — Por fazer tanto, por tudo.
— Eu não quero que agradeça, não dessa vez. — se levantou, deixando um singelo beijo em meus lábios e rodeando os braços em mim. Eu aspirava seu perfume como se fosse a última vez. — Eu queria que tivesse uma última lembrança marcante antes de ir, eu quero que se lembre de mim.
— C-como assim...?
Ele deixou uma lágrima escapar. Seokjin nunca chorava. Foi então que me toquei: ele sabia. Meu chão cedeu.
— Eu encontrei os exames. — falou, com um pesar tão grande que por pouco poderia desfalecer. Um soluço escapou por minha garganta e só então percebi estar chorando, novamente. Como encontrara, como? Eu havia os escondido tão bem, não queria que fosse assim. Imaginar que ele sabia por tanto tempo me abatia, ele deve ter ficado em choque... Eu havia feito ele sofrer, depois de tanto me esforçar para que não acontecesse. — Jian... Por que não me disse nada?
— Eu não sei, eu... Não sei... — minha voz não conseguia deixar meu corpo, como se tentasse me privar de dizer o que sentia. Talvez fosse o melhor a se fazer.
— Esteve sofrendo sozinha todo esse tempo. Me perdoe.
— Eu que deveria pedir perdão. Jin, eu não quis... Os exames...
— Shh, ei, não está mais sozinha. — me interrompeu. Eu não tinha coragem de dizer, de olhá-lo, mas seus dedos levantaram meu rosto para que olhasse em meus olhos. Ver as lágrimas saindo incessantes e escorrendo por suas cálidas bochechas queimavam minha alma, doía tanto, mas tanto... — Eu estou com você, amor. Sempre estive e sempre estarei.
Escondi meu rosto entre seu peito, para que não me visse chorando mais uma vez naquele dia. Mas, claro, ele saberia, por sentir o algodão macio de sua roupa se encharcando e pelos soluços que deixava escapar. Doía tanto...
Há mais ou menos três meses as terríveis dores de cabeça começaram. De início pensei ser apenas enxaqueca, mas então foi evoluindo rápido e os desmaios e vômitos se tornaram frequentes, por vezes perdi a consciência por cima de meu piano ou orientando alguém na velha recepção. Não sei se a ida ao médico foi minha melhor decisão, pois de lá saí completamente desolada pela notícia, um tumor maligno no cérebro. A vida não poderia ser menos cruel, mas quem sabe eu não merecesse estar aqui. Bem, já estava avançado demais, se espalhou rápido e eu não podia ser operada, então me resta apenas esperar por um colapso, um tratamento agora seria perda de tempo. Sim, a temida fase terminal, donde seu destino é a morte. Eu teria pouco tempo de vida até ser levada pela falha de minhas células.
— Pensar que nesse tempo que passou eu poderia ter te perdido repentinamente faz meu coração se apertar demais. — confessou. Eu sentia seu peito buscar por ar, ele estava tão assustado, não era pra menos.
— Eu não queria te fazer sofrer assim. — foi um pensamento, mas acabou que deixei sair em voz. Não havia nada mais a se esconder. — Me desculpe.
— Você sabe que não é culpa sua, é a vítima nisso.
— Tenho culpa porque... Eu... Eu terei... — porque eu terei que te abandonar. Ah... Pensar nisso era dilacerante, eu nem mesmo conseguia terminar a frase. Entretanto, a hora que temia havia chegado, ele não poderia mais ficar aqui. Seria insuportável para nós dois. — Não precisamos falar disso.
— Jian...
— Você sabe o que devemos fazer. — ditei, sentindo que seus soluços se apertaram. Eu ainda não possuía coragem de olhar em seus olhos.
— Amor, não...
— Você não pode ficar preso desse jeito, sabe o fim que terá. — tentei me separar do abraço, mas ele me segurou de volta. — Jin...
— Por favor, não se afaste. — pediu. Naquele momento senti meu coração se despedaçar ainda mais, mas eu não podia voltar atrás. — Jian... Eu... Eu tenho medo.
— Eu também estou com medo, Jin. E é por isso que não quero mais que venha aqui. Nem que me veja ou me procure.
— Eu não vou fazer isso. — quando finalmente me soltou, pude ver o quanto ele estava frágil, meu Seokjin, aquele que sempre se mostrava forte e otimista em todos os momentos. A culpa era minha, eu estava perfurando seu coração. — Eu sei que talvez você não me ame mais, mas eu queria dizer que você é a melhor parte de mim, a melhor parte que me aconteceu há tanto tempo. Eu a amo tanto, Jian...
— Eu nunca deixei de te amar, Jin, mesmo que eu não saiba fazer isso muito bem, eu o amo. — dirigi meus dedos até seu rosto para limpar suas lágrimas, tentar amenizar a situação, mesmo que eu ainda estivesse chorando. — Mas não posso mais lidar com isso, não posso garantir que eu viva o suficiente para te fazer feliz, não quero que sofra mais ainda, não quero que tenha esperanças de que um dia tudo vai ficar bem, porque não vai. Eu não quero que espere por mim, porque dessa vez eu não vou poder correr até você.
— Eu não quero te deixar. Eu não vou.
— Não é uma escolha. — ditei, mas me arrependi de ter soado tão ríspida. Eu não era a única com dor ali, deveria entender seu lado também, era difícil aceitar. De uma forma ou de outra, precisei me sentar ao ver que tudo a minha volta começava a girar lentamente, Seokjin percebeu e foi até mim, amparando-me. — Por favor... Você entende, não é? Eu sei que você entende.
— Eu... Entendo. — respirou fundo. — Mas eu me recuso a aceitar, você também deveria recusar.
— Não tenho mais tempo, você sabe. — sorri amargamente. Era tão terrível alimentar a esperança já sabendo a verdade. — Olha o meu estado, tenho ficado pior a cada dia. Não quero que presencie isso.
— Mas Jian...
— Por favor, me escute. — segurei em suas mãos, eu já estava perdendo as forças para continuar. — Eu não quero te ver sofrer.
Então ele se calou. A rosa estava posta na mesinha de centro, e eu não pude deixar de pensar que ela era linda, mas que poderia esconder uma grande dor ao ter sido tirada de sua roseira. Uma rosa vermelha tingida com o sangue do coração de um rouxinol, dada como uma ultima esperança a um estudante para que tirasse seu grande amor para dançar. E estava eu, a amada que negaria tal pedido apenas por não se incluir em meus planos. Pobre rouxinol, tua vida não valia mais do que fivelas de prata. Ou talvez, do que um tumor.
Por mais cruel, seria o mais justo e apropriado, não merecíamos sofrer mais que àquilo. Jin não conseguiria me ver morrendo, como agora. Mas, talvez eu é que não conseguisse vê-lo morrer comigo todos os dias. Eu queria privá-lo da dor tanto quanto a mim. Atitude egoísta, eu sei.
Seokjin me abraçou. Passaram-se minutos, horas, não me lembro. O único som eram poucos soluços e respirações pesadas, mas que acalmavam corações tempestuosos. Seria nosso último momento juntos. Uma última música regendo nossa noite.
— Jian... Eu quero me lembrar de você. — disse, simplesmente. Em sua voz parecia ter algum tipo de aceitação, que me fez sentir mais aliviada. — Se puder, me lembre sempre de você, é a única coisa que peço. Você pode cuidar de mim?
Seus olhos tinham um brilho inexplicável, aquela esperança infantil de que todos os problemas despareceriam com um beijo de mãe no machucado. Como eu negaria a esse pedido?
Eu seria digna de ser seu anjo? Ah, Jian... Quanta imaginação!
— Você provavelmente terá encontrado a felicidade até lá. — respondi. Queria muito estar certa sobre isso, talvez se eu pudesse zelar por ele de algum lugar, o fizesse encontrar alguém que pudesse fazê-lo feliz.
— E é por isso que eu quero que me lembre, para que eu saiba quem foi o motivo para que eu chegasse nela. — sorriu. — Apesar de saber que não será tão grandiosa quanto os anos que passamos juntos.
— Ah, Jin... Eu nem fiz tanto por essa relação...
— Como você ousa dizer isso? Estou magoadinho. — cruzou os braços. Como ele parecia ter seus vinte e sete anos? Eis uma questão que nem mesmo ele saberia responder. Era tão fácil se apaixonar por ele. — Eu quero me lembrar de todos os nossos momentos, nossos problemas, nossas alegrias e tristezas. Quero lembrar de todas as músicas que tocou pra mim naquela sala, mesmo que eu não estivesse lá com você.
— Você sempre estava. Se não fosse por espírito, estava me espionando pela janelinha da porta. — brinquei, vendo ele ficar embaraçado.
— Você sabia...?
— Eu sempre soube.
— Confesso estar um pouco envergonhado agora. — riu, passando ambas as mãos pelo rosto. — Eu sempre gostei de te ouvir tocar.
— Eu sei. Por isso nunca falei.
— Eu a amo. — sua mão direita estava posta sobre a minha, sua aliança de namoro por vezes encostava na minha, como um tilintar de taças. Tantos detalhes dele que eu não conseguia deixar que passassem despercebidos. — Pode tocar uma última música pra mim? Será por todas as músicas que tocamos juntos, e que tocaremos até que o sempre termine.
Deixei um beijo em sua mão e sentei-me de frente ao piano, iniciando uma música que me veio à mente. Inversão à Duas Vozes, em Dó Maior. Bach sempre exalou muito da minha essência, acho que seríamos bons amigos se fôssemos da mesma época. Dessa vez não me importei com a métrica, apenas quis sentir a falsa calmaria, o andamento, o clímax, o desfecho, tudo intensamente como mergulhar em mar profundo. Era, de fato, eu, Jian.
Assim que terminei, virei-me vendo os olhos novamente marejados de Jin apreciar cada cantinho de mim, sua casa que desmoronava.
Me levantei e deixei que ele viesse até mim. Passo por passo, mão e mão, testas coladas e choros oprimidos. Ao calor, um beijo que arrebataria minha alma ao céu que desejava, ainda viva. Algo tão lindo, tão puro... tão nós. Tanto de nós, tanto de amor, carinho, devoção, cuidado. Ele, um lago límpido e eu uma avalanche que evitaria destruir seu lar. Tão bom sentir seus cuidados, suas mãos, seu toque, seus lábios, sua alma. Eu sentiria muita falta.
Eu pedi para que ele não passasse a noite ali comigo. E então assim foi-se a semana, o mês, eu e ele nos afastando gradativamente como pedi. As mensagens se tornaram menos frequentes, as ligações nas madrugadas nunca mais foram feitas, os cumprimentos se resumiam a acenos. Os beijos, se tornaram olhares tristes. Aos poucos nos desconhecemos o suficiente para que eu finalmente pudesse ir em paz.
Foi muito difícil. Mesmo que meu orgulho falasse mais alto, a tentação de ligar e pedir para sentir seu abraço me consumia, mas eu precisava deixá-lo ir ou me culparia por prendê-lo a alguém que em breve não existiria. Ele precisava, ele merecia ser feliz, e talvez o câncer tivesse surgido para anunciar que não seria eu a compartilhar dessa felicidade. O que Jian, recepcionista e pianista, orgulhosa, egoísta e fria, teria a oferecer a alguém tão cheio de sonhos? Eu só iria atrapalhar. Eu o amo tanto... Mas nunca fui capaz de demonstrar isso. Talvez Woo Jian não fosse o amor certo para Kim Seokjin. Mas, em algum momento eu fui? Eu não mais teria a resposta para essa pergunta.
Estava presa dentro de mim. Um canto que o rouxinol não poderia mais cantar ao amanhecer. Após dar sua triste vida por uma rosa, o curso natural se seguiria, a natureza sempre cumprindo o seu papel de retornar ao pó aquilo que é carne. A base da hierarquia.
Abria os olhos e tudo o que poderia fazer era respirar e ouvir as fracas batidas de meu coração misturadas à máquina que me monitorava. Por pouco tempo, ainda linhas montanhosas. Me sentia sozinha naquele quarto. Gostaria de ver uma rosa vermelha florescer, ou de tocar Ode To Joy mais uma vez. Tinha saudades de meu piano. Ah... O velho piano que sempre foi minha companhia nas noites frias, não me faria companhia agora. Então seria apenas eu, e um quarto vazio. Até que as montanhas dessem lugar a uma triste praia, sem sol, sem vida.
🍂•🍂•🍂
Olá pessoal, aqui encerramos a nossa threeshot. @httaee, ela é dedicada a você, meu Rouxinol.
Estou bem receosa por esta fanfic, porque eu acho que acabei soando dramática ou triste demais. Eu queria mostrar toda a sua intensidade, mas como eu, um simples conta-gotas, poderia medir um oceano? Você um dia me disse que eu deveria escrever o que estivesse sentindo, então... Bom, ainda acho que você merecia algo mais feliz em seu aniversário, porém você sabe os momentos que tenho passado. Me desculpe por derramar tragédia em um dia de sorrisos.
Eu espero de coração que você e quem quer que leia essa história possam se sentir tocados de alguma forma. Espero que possam... Não sei, eu não consigo descrever o que senti escrevendo.
Talvez eu esteja louca.
Bem, não vou alongar a despedida. Nini, espero que seu dia seja tão incrível quanto você, eu quero muito que seja feliz. Não só você, mas como todos que chegaram até aqui.
Até logo!
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