CAPÍTULO 3 - ALÉM DOS MUROS
No dia seguinte, Nana voltou pela manhã com um pequeno desjejum.
— Você não vai me deixar sem respostas novamente, certo? — inquiriu Clara.
Nana depositou a bandeja na mesinha de cabeceira, sorrindo divertida ao sentar-se ao lado da moça.
— Não, claro que não. Aqui costumava ser um centro universitário antes da grande pandemia. Por isso ainda temos alguns livros — Ela apontou com o queixo para os que serviam de base para a mesinha de cabeceira. — Temos algumas centenas de pessoas vivendo aqui atualmente, fora o contingente de combatentes que vão e vêm de uma Célula para outra ou saem para outras missões.
— Missões? — perguntou Clara, terminando de comer.
— Isso. Quando o Governo nos ataca, os combatentes se reúnem para nos defender, entendeu?
— O que as pessoas que ficam aqui fazem? — Clara, tomou um gole de água que ela observou ser de cor avermelhada e com um forte sabor de terra.
— Temos de tudo: quem trabalha na cozinha, os operadores de rádio, o pessoal que fica monitorando os arredores, médicos, enfermeiras, feridos...
— Crianças?
— Sim, algumas. Infelizmente os tempos tem sido bem difíceis. Homens e mulheres que estejam aptos vão para as frentes, temos muitas baixas e além disso, por mais que este seja um lugar seguro como você verá quando puder sair daqui, nossos recursos são bem precários. Basicamente só podemos tratar os doentes com as ervas que cultivamos e encontramos nos arredores e com isso o número de crianças tem diminuído...
Clara refletiu sobre o que a mulher havia lhe dito. Considerando suas cicatrizes, os calos nas mãos e sendo jovem, dentro da lógica de organização das Células que Nana havia lhe dito, certamente ela também era uma Combatente...certo?
— E quando vou poder sair daqui? — perguntou, tentando disfarçar a ansiedade. — Não aguento mais ficar trancafiada neste quarto. Preciso andar, ver a luz do dia. Eu já estou bem!
— Calma, minha querida. Talvez em alguns dias, se você estiver mais forte.
Nana se levantou e, com a bandeja em mãos, se foi deixando uma Clara frustrada, recostada em seus travesseiros. Aquilo era um absurdo! Nana dizia que ela não era nenhuma prisioneira, mas não a deixava sair e tampouco a jovem tinha visto qualquer outra pessoa além dela durante aqueles dias. Como poderia estar em um lugar com mais centenas de pessoas e ninguém mais aparecer? Nem mesmo passos no corredor ela ouvia. Definitivamente aquilo era muito estranho.
Deu mais um suspiro frustrado e olhou para o teto quando algo lhe chamou a atenção: um sprinkler. Se havia um sprinklertinha que haver um detector de fumaça. E lá estava ele, no canto do quarto! Com um sorriso desceu da cama, pegou um dos livros embaixo da mesinha de cabeceira e começou a rasgar algumas páginas. Já sabia como iria sair dali...isso se o sistema ainda funcionasse e ela torcia para que sim.
Mais tarde, naquela mesma noite, o alarme anti-incêndio começou a tocar, enquanto os sprinklersdisparavam jatos de água por todo o local. Não demorou muito para que um vulto irrompesse através da porta, enquanto Clara rápida e silenciosamente deslizava para fora e trancava a porta atrás de si com o ferrolho. Estava em um longo corredor, com janelas pequenas ao alto, parcialmente iluminado por tochas que começavam a se apagar por conta do aguaceiro. Não pensou duas vezes antes de correr para onde sinalizavam placas antigas e sujas como "saída" aproveitando a pouca luz que ainda restava. Subiu um lance de escadas e mais outro até sair em um pátio iluminado por outras tochas, apinhado de pessoas que, molhadas e aturdidas, corriam para se reunir ali.
Clara observou o local escondida atrás de uma pilastra e viu que alguns guardas entravam por um portão do outro lado do pátio. Aproveitando a escuridão que começava a se instalar enquanto as tochas se apagavam, correu através do corredor que margeava o pátio até chegar ao portão. A confusão era tanta que ninguém reparou nela. Forçando passagem no sentido oposto, Clara chegou em um enorme conjunto de portas que provavelmente eram a saída.
Após o portão havia um outro pátio externo, cercado por um muro alto e outro portão de saída. Rumou até ele, mas claro, estava trancado. Olhou, então, para o lado e viu uma escada estreita que ia até o topo da muralha e sem pensar duas vezes, subiu. Dali de cima ela não pode ver nada além da escuridão de uma floresta que circundava a Célula 5; mais ao longe, à esquerda, a silhueta banhada pela lua do que antes deveriam ser prédios e casas parcialmente destruídos e à direita, quase sumindo na paisagem, o que pareciam ser aviões abandonados. De fato, Nana não havia mentido. Não havia nada fora dos muros daquele lugar onde ela estava...
E então, sem esperar, alguém a derrubou no chão.
— Perdeu o juízo?? — perguntou uma voz feminina, virando-a de bruços enquanto atava suas mãos às costas para logo depois, levantá-la com um safanão.
— Parados aí! — ordenou uma voz masculina mais ao longe.
— Vamos atirar! — ameaçou outra.
— Calma, pessoal. Está tudo sob controle. Ela está comigo! — gritou a loira lançando um olhar duro à Clara e cochichando: — Não abra a boca! Deixa que eu resolvo isso. Não faça nada estúpido!
— O que você está fazendo aqui, Mirela? Quem é ela? — O guarda as olhava com desconfiança.
— É só a minha prima, da Célula 2. Ela chegou hoje com o pessoal dos mantimentos e se perdeu nesta confusão toda. — Mirela empurrava Clara ligeiramente à frente tentando ao máximo esconder as amarras que a prendiam atrás das costas.
— Prima? — O outro guarda repetiu, estreitando os olhos.
— Isso mesmo! Minha prima. Agora, se vocês nos dão licença, vamos retornar aos dormitórios! Ah! E aliás, onde é que vocês estavam? Não deviam estar de prontidão aqui?
— É que...a gente...
— Ok, ok. Vamos manter entre nós. Mas que isto não se repita. Os dias tem estado bem estranhos ultimamente...
E com isso, a loira desceu as escadas, mantendo Clara sempre à frente de modo a encobrir as amarras.
Meia hora depois, Clara estava em um outro dormitório. Desta vez, com duas camas, um armário e uma mesinha de cabeceira, mas aparentemente, o sistema anti-incêndio não estava funcionando nesta parte do prédio pois tudo estava seco. Ela fitava a vela em cima da mesinha de cabeceira, evitando o olhar cheio de fúria de Nana que, ainda molhada, a observava da outra cama em silêncio.
— Eu tive que mentir, Nana! Tive que falar que ela era minha prima! — Mirela andava com impaciência de um lado para o outro. — Sabe o que teria acontecido com ela se os guardas chegassem antes de mim? Estaria morta! Só fiz isso porque você me pediu e confio em você! Olha que confusão ela causou com esses, esses... — A moça apontava para o teto. — Esses negócios de água! E ainda te deixou presa, Nana!
Os impropérios de Mirela continuaram. Nana não dizia nada, apenas olhava fixamente para Clara que a evitava e observava a chama da vela dançar. Mais perguntas juntavam-se às outras para as quais não tinha resposta. Por que a loira teve que mentir? Não era ela uma combatente também? Queria fazer todas aquelas perguntas em voz alta, mas o olhar de Nana parecia querer atravessar sua alma. Clara soltou um suspiro resignado. Sabia que precisava de paciência para conseguir as respostas, do contrário, temia por sua sanidade. Uma coisa por vez. Primeiro, precisava se certificar de que o Nana lhe dissera era verdade. Sim, não havia nada além dos muros. Mas então, ouvia uma voz que lhe dizia "Desconfie sempre". Certamente havia mais naquela história...
— Chega, Mirela! — Nana ordenou para a garota que parou imediatamente, olhando aturdida. — Eu também errei. Não deveria tê-la deixado isolada de todos. Era de se esperar que fizesse isso...
Clara e a outra jovem se entreolharam surpresas. Como Nana podia manter-se tão calma depois de ter sido trancada em meio a um mar de água? Por um momento, Clara sentiu remorso de ter feito isto com aquela senhora, mas sacudiu a cabeça e pensou consigo mesma de que havia sido necessário. A mulher levantou e se dirigiu à porta.
— Vou tirar essa roupa e tentar dormir. Estou exausta. Você vai dividir o quarto com a Mirela já que quase todo o resto está molhado. — Nana pousou o olhar sério em Clara. — Obrigada, Mirela. A história da prima foi realmente ótima. Muito obrigada.
Assim que a porta se fechou, Clara achou que a outra garota iria retrucar, mas para sua surpresa, ela simplesmente pegou uma toalha e jogou outra ao lado de Clara. Mirela tirou as botas e de dentro do armário, pegou uma muda de roupas para si e jogou outra para Clara. Sem uma palavra, deitou-se e apagou a vela.
Ei, psiu!!
Se você gostou do capítulo, não deixe de votar! Fico feliz em saber o que os leitores estão achando da história :-)
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro