CAPÍTULO 2 - A CÉLULA
Já não havia mais luz vinda da janela e a única coisa que impedia o quarto de permanecer numa completa escuridão era o braseiro que seguia aceso, lançando uma luz suave ao redor. Clara ainda estava com o Atlas no colo antes de adormecer e com um suspiro desanimado, sentou-se devagar na cama. Tinha a esperança de que, ao abrir os olhos tudo tivesse voltado ao normal, seja lá o que o normal costumava ser para ela, mas não. Continuava naquele quarto minúsculo, sem lembrar nada do que acontecera antes de chegar ali. Novamente sentia o desejo urgente de fugir, mas também sabia que estava fraca para ir muito longe.
Naquele momento, viu a porta abrir e Nana entrou, dirigindo-se ao criado-mudo, onde depositou a bandeja com uma vasilha e uma caneca.
— Trouxe um caldo para você. Vai ajudar a te aquecer e encher um pouco o estômago. — Ofereceu-lhe a vasilha, notando a hesitação de Clara. — Pode ficar tranquila. Não pretendo te fazer nenhum mal. Como disse, você está segura.
Ainda desconfiada, a moça levou o recipiente aos lábios e sentiu o corpo aquecer enquanto o líquido descia. Não conseguiu identificar o que era, mas após o primeiro gole, percebeu o quanto estava faminta e rapidamente devorou o restante, engasgando-se um pouco no final.
— Estou até me sentindo lisonjeada... Fazia tempo que não via ninguém devorar minha sopa com tanta vontade como você! — Nana lhe sorriu, batendo às costas.
— Que lugar é este?
— Nós estamos em uma Célula. Célula 5, para ser mais exata. — Clara a olhou desconfiada. — Nós lutamos contra a Cidadela e seu governo que nos caça como animais. Qualquer um que viva fora dos muros é um inimigo, um Excluído. Uma ameaça para eles.
— Então, nós estamos em uma Célula?
— Sim, querida. Há cinco Células espalhadas ao redor da Cidadela com um líder cada. Cerca de 15 anos atrás, ataques sistemáticos contra os Exilados tiveram início. As tropas da Cidadela, arbitrariamente, começaram a matar tudo e todos que encontravam em seu caminho confiscando de tudo: plantações, gado, armas. Até aquele momento, os Exilados estavam isolados e dispersos, tornando-se um alvo fácil para as tropas. Então, eles decidiram se reunir e formar grupos de resistência. Não era muito estratégico ficarem todos reunidos em um só lugar ou ter um único líder pois, apesar de mais numerosos, não tinham treinamento suficiente. E ter apenas um líder era completamente fora de cogitação, uma vez que seria mais fácil eliminar um único líder do que um grupo deles, então, decidiram por ter um conselho de cinco membros. Cada um deles está sediado em uma Célula e todas as decisões são tomadas por consenso, mas eles evitam encontros entre todos ao mesmo tempo. É uma medida de segurança. Assim, quando há decisões importantes a serem tomadas, eles se comunicam via rádio. É a única forma. — Nana explicava de forma calma enquanto trocava o curativo.
— E fora das Células? Existe alguma coisa?
— Algumas vilas com pequenos comerciantes e bares, onde as pessoas se dirigem para fazer escambo. Mas não existe muito do mundo antigo atualmente. Apenas carcaças de carros abandonados, escombros e lixo. — A mulher soltou um suspiro e pegou a bandeja. — As vilas surgiram nos locais das antigas cidades, mas não há muitas pessoas que vivam lá, em umas poucas ruas. Geralmente quem vai lá são andarilhos ou arruaceiros em busca de bebida, jogatina e mulheres. — A mulher levantou-se e alisou a saia. — Bem, acho que já falei demais. Agora, preciso ir.
— Mas, quem mais mora aqui? O que as pessoas fazem? Como elas sobrevivem? Há pessoas que não estão nem aqui e nem nas vilas? — afobou-se Clara, segurando a mão de Nana. Ela não podia simplesmente ir embora e deixá-la com a cabeça fervilhando de perguntas.
— Calma, calma. Aos poucos vou respondendo às suas perguntas, ok? Agora, descanse. Você ainda precisa se fortalecer. — E com isso, novamente fechou a porta e travou o ferrolho pelo lado de fora.
Seria verdade o que ela havia contado? Não havia nada do lado de fora ou estava dizendo aquilo para que ela continuasse naquele quarto, como uma prisioneira? Uma vez mais seus olhos pousaram sobre a janela, no alto da parede próximo à cama. Da forma mais silenciosa que conseguiu, arrastou a cama até ali e subiu. Ainda era alta demais.
Olhou ao redor e desceu para pegar o latão que servia como mesinha de cabeceira; colocou-o em cima do colchão e subiu. O vidro estreito estava tão imundo que era impossível distinguir qualquer coisa além dele.
Suspirou frustrada e desceu, retornando o latão e a cama para seus lugares. Caminhou então, para a parede até onde um pequeno espelho engordurado estava pendurado pensando consigo mesma que sequer lembrava-se de sua aparência. Parou e observou o reflexo: seus cabelos eram castanhos, levemente cacheados e estavam presos em uma trança que ela mesma fizera e que caía por seu ombro até quase a cintura. Os olhos eram igualmente castanhos e a observavam com curiosidade. O nariz era fino, levemente arrebitado na base enquanto lábios grossos e ligeiramente rosados mantinham-se sérios no rosto fino e delicado, de pele bronzeada. Aquilo, sem dúvida, era indicativo de que costumava andar bastante sob o sol. Mas, onde? Um tom levemente amarelado em uma das bochechas do que parecia ser um antigo hematoma chamou-lhe a atenção. Havia brigado? Com quem?
Observou as mãos, novamente reparando nas finas cicatrizes dos braços, tentando imaginar o que as poderia ter causado. Outras eram um pouco mais grossas, provavelmente, provocadas por alguma lâmina. Havia, ainda, pequenos calos nos dedos indicador e médio. O que aquilo poderia dizer sobre ela?
Ei, psiu!!
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