Capítulo Único
Severus despertou naquela manhã com uma pontada de dúvida, levantou-se da cama com uma fisgada de ódio e comeu de seu café da manhã com as mãos trêmulas e o estômago embrulhado.
Quando desceu em direção aos jardins, foi com um enorme receio que sentou-se em frente ao Lago Negro e rezou para que ninguém aparecesse. E às exatas nove horas daquela manhã de sábado, Potter sentou-se ao seu lado e soltou um muxoxo choroso.
–Você disse que quer conversar.--Severus tocou no assunto, confiante de que o outro não iria tocar.--Quer conversar sobre o que, exatamente?
James soltou outro muxoxo e Severus tomou coragem para olhá-lo. O Grifinório não demonstrava coragem, mas, sim, uma espécie de fraqueza.
–Eu preciso conversar sobre o nosso futuro.
Severus arqueou uma sobrancelha de maneira sarcástica.
–Que futuro?
–O nosso futuro!--James respondeu com uma fúria pouco incomum, levando em conta os últimos dias.--Iremos nos formar e tudo me leva a crer que você se tornará um dos fantoches de você sabe quem.
Severus sentiu a necessidade de se justificar, mas nem por isso se atreveu a abrir a boca.
–Por quê?--James voltou a falar depois de um instante que pareceu não ter fim.--Por que você quer isso, Severus?
Um pouco aturdido, Snape se colocou em pé, mas não conseguiu voltar ao castelo. James, temendo que ele fosse embora, levantou-se também.
Havia tanta dúvida e medo nas íris de Potter, que Severus se perguntou se não teria sido mais fácil fugir de James durante essa última semana de aula e não lhe dar qualquer justificativa.
Mas Severus sabia que, caso o tivesse feito, teria se arrependido amargamente. James era a ignota que Severus só havia aprendido a entender no ano anterior, quando, em meados de março, Potter decidiu que era de bom tom pedir-lhe desculpas. Severus não havia aceitado, crente de que James não merecia seu perdão. Potter, porém, era um Grifinório e Grifinórios eram persistentes. Acabou que, há três meses atrás, os dois engataram em algum tipo de relacionamento conflitante. E Severus não fazia ideia de qual era o grau de sentimentalismo que nutria por aquele ser.
James havia, literalmente, brigado com Sirius por sua causa.
Snape não era burro... Sabia o que significava Potter ter brigado com Black.
–James...–Severus engoliu em seco, sentindo toda a coragem e ceticismo que havia reúno indo para o além.--Não sei se eu consigo sair desse buraco.
James pareceu demorar para entender o que Severus havia querido dizer, mas esboçou uma reação de entendimento depois do que se pareceram uns dois minutos inteiros.
–Você já está metido com isso, Severus?
–Não literalmente... Quer dizer, eu nunca participei de nada, mas já prometi algumas coisas... Lucius provavelmente já falou sobre mim...Talvez alguns outros caras que já se formaram...
James poderia ter rosnado tamanha a raiva que esboçou, mas não fez nada que assustasse a Severus.
–Eu sei que você tem alguns amigos, talvez colegas, metidos com essa história toda, mas a quanto tempo eles fizeram você ter certeza de que queria isso, Severus?!
A raiva de Potter poderia ser recolhida e colocada dentro de um frasco. Era facilmente palpável.
–Desde o início do sexto ano...
–Mas, por quê?!
Nessa hora Severus perdeu a paciência, porque não devia qualquer justificativa a Potter, não depois de tudo o que havia acontecido consigo.
–Porque a sua vida é perfeita e a minha sempre esteve fadada à desgraça, Potter.--Severus falou baixo e aturdido, fitando aos próprios pés--Porque eu tinha perdido a Lily e minha mãe havia falecido. Porque meu pai sumiu do mapa e o dinheiro era escasso. Porque eu recebi uma carta de Lucius, uma ajudinha a me manter, e porquê Rosier e Travers disseram que eu era talentoso demais para desperdiçar meu talento... Porque eu só tinha os meus amigos sonserinos e porque, antes disso tudo, eles, embora talvez falsos, nunca fizeram qualquer mal para mim, não como você fez.
Não era tudo, mas era parte da razão. James não falou nada, não pelo o que se pareceram minutos incontáveis.
Quando Severus pensou que James não diria mais nada e que assim o deixaria em paz, Snape fez que voltaria à escola, mas Potter segurou o seu braço e o manteve no lugar.
–Eu te protejo de você sabe quem.--James falou baixo, quase inaudível.
Severus sentiu os olhos arderem.
–Acha que é tão simples?
–Você não me detesta mais, ou detesta?
Severus pensou sobre a pergunta de James e a verdade era: ele não sabia. Não desde que começaram a se beijar nos cantos mais escuros do castelo, nos vestiários de Quadribol, na biblioteca e, até mesmo, na beira do Lago Negro.
Eles nunca haviam contado a ninguém sobre a relação deles, mas as pessoas sabiam que eles não eram mais alguma espécie de inimigos descarados.
–Não...–Severus disse, embora não o quisesse.--Mas como você me protegeria, James?
Diante da pergunta, Potter andou até que estivesse em frente a Severus, que se negara a virar-se.
–Podemos morar juntos... Namorar, sabe?
Severus sentiu vontade de rir e de chorar.
–E desde quando você quer namorar comigo?
–Desde a primeira vez em que eu te beijei.
Severus revirou os olhos, porque não era louco o suficiente para namorar Potter, não se lembrando de todas as ofensas, pegadinhas e azarações.
–E você, por acaso, diria ao mundo sobre nós?
Potter meneou a cabeça antes que as palavras deixassem seus lábios.
–É claro que sim!
–Então você é louco.--Severus empurrou James e andou a passos apressados em direção à escola. James foi atrás, até que estivessem em um corredor movimentado demais para uma manhã de sábado.
James agarrou seu braço, talvez pouco gentil, porque o soltou assim que Severus gemeu de forma assustada.
–Eu não sou louco por não querer que você estrague a sua vida só porque alguns idiotas preconceituosos estão interessados em seu poder.--James sussurrou, próximo demais de seu rosto.
–Eu não posso arriscar o meu futuro por alguém que pode muito bem mudar de ideia.--Severus queixou-se, temendo começar a chorar em frente a todos aqueles alunos curiosos.
–Eu não sou mais tão imbecil, Severus.--James engoliu em seco.--Eu te ajudo a conseguir um emprego legal de acordo com suas notas e nós podemos construir uma vida legal.
Potter era sonhador demais, típico de alguém que tivera tudo dado. Ele não precisava se preocupar com dinheiro ou com a chance de ficar sem teto.
Quando Severus se viu pronto para negar, James o olhou como se estivesse projetando algo inimaginável para o Sonserino.
–Nós podemos abrir uma loja de poções!
Severus quase caiu para trás.
–O quê?
–Você pode até mesmo ser médico. Trabalhar na área dos experimentos, sabe? Criar antídotos.
Inimaginável... Completamente inimaginável.
–Obviamente, é fácil para você falar.--Severus suspirou.--Não tenho dinheiro para pagar alguém para me ensinar. Não posso simplesmente entrar no hospital sem estagiar antes.
James sorriu como se fosse fácil. Simplesmente deu de ombros e disse:
–Eu pago para você.
Severus jogou a cabeça para trás, agora próximo de desabar no que parecia um ataque de ansiedade. James ainda sorria, feito um idiota esperançoso.
–Por favor...–Potter colocou ambas as mãos em seus ombros e sorriu como quem implorasse.--Qualquer coisa para você não ser lacaio de você sabe quem.
Severus tinha todas as razões do mundo para negar ajuda de James, mas também tinha todos os motivos do mundo para temer Voldemort. Porque, embora escutasse coisas ótimas sobre você sabe quem, também estava acostumado a escutar a verdade. E ele sabia o que era verdade e mentira, porque era fácil distinguir quando era bom em ler mentes.
Potter parecia não perceber a invasão de Snape em sua cabeça... E também parecia não blefar.
Severus sentiu uma lágrima na bochecha e, antes que deixasse que mais viessem, sentiu os lábios de James nos seus.
Uma chuva de murmúrios invadiu o corredor, até mesmo daqueles que estavam nos anos iniciais. Não parecia ter mais do que dez, talvez doze, pessoas naquele corredor, mas naquele momento, com os lábios de James grudados aos seus, Severus sentiu que a escola inteira estivesse os observando.
Potter afastou-se somente por um segundo, mas logo o abraçou para diminuir o espaço que havia entre eles.
–Por favor.--Quase implorou.
Severus engoliu em seco e sorriu em meio às lágrimas que inundavam seu rosto.
James não se importava que os outros soubessem. Então, se não se importava, não havia razão para Severus temer tanto quanto temia, não é?
Com o coração na mão e temendo confiar em alguém que não fosse a si mesmo, Severus permitiu-se dizer:
–Eu aceito.
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