Mercadinho
Tinha chovido mais a noite, tanto que as estradas das ruas principais tinham alagado e Alice recebeu um telefonema logo cedo que não precisava ir ao escritório. Ela ficou um pouco triste mas não tinha o que fazer então tentou ler um livro na poltrona da sala.
Seus pensamentos foram levados ate o amigo do apartamento, o que ele estaria fazendo? Será que também estava em casa ou teria de enfrentar a chuva para trabalhar? Se ela aparecesse lá, qual seria a reação dele? Talvez dissesse que também a via e poderiam conversar.
Talvez dissesse que era louca, e que nunca a tinha visto. Afinal de longe Alice não podia dizer muitas coisas sobre ele, se a visão dele fosse pior que a sua talvez nem a visse na chuva. Ela espantou os pensamentos e pegou o celular no tapete da sala, onde tinha deixado na noite passada, nenhuma mensagem importante.
Passou as mensagens de bom dia, as de grupos aleatórios e agradeceu a mãe pela receita de pudim que tinha pedido. Mandou uma mensagem para Leticia, a amiga disse que estava no hospital e que não podia falar agora. Mandou uma para Ana, ela disse que estava presa numa reunião chata e que queria muito uma bebida completando com "o advogado gatinho da empresa me chamou para uma depois do trabalho". Largou o celular e se virou para a estante.
Os livros empacotados no chão ainda precisavam de serem arrumados, e qualquer um com noção básica devia aproveitar o dia de folga para arrumar a casa. Mas Alice não estava nada afim, por fim acabou se sentando na mesa da cozinha, abriu o notebook e se pôs a adiantar o trabalho de alguns clientes tentando ter inspiração.
Pela hora do almoço percebeu que não tinha batatinhas para fritar e resolveu ir ate a loja de conveniências da esquina, amarrou o cabelo em um rabo de cavalo e se olhou no espelho. Será que alguém notaria que a calça rosa e a blusa branca com desenho de unicórnio eram pijama?
Acabou decidindo que não e pegou o dinheiro e sapatilha ao sair de casa, andou pelas ruas sem pressa nenhuma, observou as gotas de chuva que ainda caiam nas arvores do parque e os pássaros que eram tão abundantes numa área com tanto verde. Deu um sorriso a cada um que passava, e ate mesmo aos cachorros da rua abaixou para falar que tivessem um bom dia.
A loja de conveniência era um lugar pequeno, gerenciado por marido e mulher. Alice achava lindo aquela cumplicidade pensou passando pelos corredores e olhando ate achar o pacote de batata na prateleira mais alta. Nessas horas Alice não gostava de ser pequena, sempre ter de pedir ajuda para coisas como aquilo era um pouco frustrante então ela se esticou na ponta dos pés e ergueu a mão para pegar. Tinha alcançado a ponta era só puxar e aquilo estava preste a cair na sua cabeça, ela se encolheu esperando o impacto:
-Opa!-uma voz aveludada masculina falou atrás de si
Alice abriu os olhos e se virou, olhando quem a tinha ajudado, era ele. O garoto do prédio a frente, só que na sua frente, ele era realmente alto, tinha uma pele branquinha, olhos castanhos claros. Seu rosto não era marcado, era levemente gordinho como o seu, era fofo, seus lábios vermelhos. Seu cabelo castanho era de um tamanho normal e usava um calça azul com uma blusa branca com desenho de manete de jogos e um cachecol cinza. Era um pijama Alice se deu conta segurando o riso.
O garoto ainda segurava o pacote de batatas com uma mão e alguns miojos no pote na outra:
-Obrigada-disse pegando o pacote de volta
-De nada- a voz era tão calma pensou Alice quando ele se virou para ir pagar
Ela ficou um pouco decepcionada, afinal ele realmente não a via ou pelo menos não se lembrava. Foi ate o caixa observando as compras dele, vários potes de miojos instantâneo isso era tudo, nenhuma aliança na mão observou também. Quando sua compra acabou de passar, ele pagou e saiu do lugar.
Alice se sentiu realmente mau, ela tinha se encontrado com o garoto que a um mês parecia ser seu amigo, como se tivessem algo em comum e agora ele estava indo embora trocando apenas meia dúzia de palavras. Ela pagou a batata e saiu da loja observando para onde ele tinha ido.
Mas não estava longe, estava no mesmo caminho que o dela. Que dava claro, ela se obrigou a lembrar ao apartamento dele também, pensou em chama-lo, mas o que poderia falar? Sem respostas aceitou aquilo com um sorriso no rosto, pelo menos agora sabia como ele era para quando quisesse imagina-lo de sua varanda.
Não notou que perdida em pensamentos estava andando mais rápido e agora estava do lado do garoto que se virou:
-Olá-disse como se não tivesse acabado de vê-la na loja. Ele deu um sorriso, sem mostrar nenhum dente, apenas um leve sorriso delicado
-O...olá!-ela disse meio sem jeito
Os dois continuaram andando lado a lado, sem falar nada. Para não se sentir tão desconfortável Alice começou a soprar as mãos numa tentativa de se ocupar e de aquece-las afinal estava gelando ali fora, agora que estavam lado a lado era das regras da natureza e de conhecimento comum que nenhum dos dois podia simplesmente andar mais rápido e deixar o outro pra trás.
O garoto a observava de tempos em tempos ate levar a mão ao pescoço e tirar o cachecol:
-Tome, use isso
-Não precisa-ela falou parando de soprar as mãos
-Suas mãos estão geladas
-E no que um cachecol ajudaria?
Ele não respondeu, ao invés disso enrolou o cachecol nas mãos dela como se estivesse amarrando mas sem dar nenhum nó:
-Assim podem esquentar mãos também-respondeu por fim
Alice parou quase de forma instantânea pois tinha chegado a porta de seu prédio, o garoto que continuava andar olhou para trás e parou:
-Ah, você mora aí
Não era exatamente uma pergunta mas ela respondeu, qualquer coisa que rendesse o assunto estava valendo:
-Moro!
-Então ate-ele acenou sem muita energia e não falou alegre mas sorriu e continuou o caminho.
Alice o observou dar mais cerca de 100 passos talvez ate seu prédio e entrar. Então olhou o cachecol na mão e não sentiu vontade de tirar a mão de dentro para abrir a porta, de fato agora suas mãos estavam esquentando de novo
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