Tudo começou quando eu tinha seis anos e meu irmão não quis me ensinar a andar de bicicleta. Brincadeirinha! (Bom, ele não me ensinou mesmo, mas isso não vem ao caso!) Mas acho que dá pra pegar carona nesse relato e fazer uma visitinha rápida à minha infância.

Eu sou a mais nova de três filhos, depois vem meu irmão (que não me ensinou a andar de bicicleta), e minha irmã (que vivia correndo atrás do meu irmão com a vassoura na mão). Passamos grande parte da infância num bairro simples de uma cidade pequena de Minas Gerais. Uma infância com I maiúsculo. Brincávamos até não poder mais. O toque de recolher era o grito da minha avó, em coro com as outras mães e avós do bairro - e num instante a rua ficava vazia.

Eu era quase um garoto; briguenta, vivia correndo atrás do meu irmão pela rua. Pés descalços, cabelo em pé, canelas e joelhos cheios de marcas dos tombos no paralelepípedo.

Na adolescência me apaixonei pelo handball, e continuava moleca. O bichinho da feminilidade demorou bastante pra me picar. Eu era a garota do handball, do ping pong, e dos livros.

E então, um dia 'a nuvem' surgiu. Eu só me dei conta dela há pouco tempo, mas ela surgiu bem antes se eu perceber. Uma sucessão de desastres familiares trouxe consequências que eu só vejo hoje em dia. Via tudo desmoronar, mas estava sempre sorrindo, conformada, tentando não piorar a situação.

Fui uma adolescente extremamente conformada e compreensiva. Sempre com medo de atrapalhar, ou decepcionar as pessoas. "Como ela é madura!" diziam as pessoas. "Ela já nasceu com 40 anos!" dizia minha mãe. E eu achava isso legal. Toda criança quer ser vista como adulta, e eu era!

Eu nunca vi nada de prejudicial na minha forma contida de lidar com as situações. Mas imagine uma represa que enche, e enche, e enche, e enche, e enche... uma hora a represa se rompe. Meio que foi o que aconteceu comigo. Uma super decepção seguida de um emprego super estressante, e eis que surgiu uma rachadura na represa.

Aos 26 anos eu comecei a ter medo de dormir no escuro; depois medo dos barulhos da vizinhança (um portão abrindo, uma moto passando...). Depois veio o medo da chuva, e foi o pior pra mim, eu sempre amei chuva, o cheiro de terra molhada; e aí veio o medo das pessoas, das sombras, de qualquer barulho, de carros. Me encolhia na cama e tremia. Chorava se tivesse que sair de casa. Dores musculares intensas, cãibras, pesadelos, insônia. Algo estava errado!

"Transtorno de ansiedade generalizada" disse o médico. E foi assim que chegamos aqui. Pouco mais de um ano de tratamento, melhoras e pioras, incompreensão por parte de muitos, indiferença por parte de alguns, muito amor por parte de poucos.

Hoje tenho o coração cheio de amor, esperança (em alguns momentos), dúvidas, inseguranças, fé. Sou como todo mundo, não sou?!

A vida aos poucos está seguindo seu curso. E é assim que eu pretendo continuar: seguindo!

Consegui um emprego, que é um passo importante na retomada da minha autonomia. Então, vamo que vamo!