Capítulo 6
Lucynda olhava para a contabilidade do hotel enquanto cantarolava baixinho alguma música. Estava ansiosa. As coisas estavam ocorrendo rápido demais, mas o timing não deixava de ser perfeito. Ela se escorou na cadeira, reclinando-a para trás e olhou para o relógio. Quase seis da tarde. Milena e Thierry provavelmente já tinham terminado o que quer que tivessem começado lá embaixo.
Ela arrumou a cadeira e pegou a bolsa. Bem, iria embora e esperaria pelo casal Hernandéz no dia seguinte. Acreditava que Margareth já tinha visto o que havia acontecido com o seu lindo vestido. Lucynda sabia que era vital para ela estar ali quando o casal viesse cancelar o contrato, de modo que seria a primeira a chegar para não haver problemas.
Arrumando suas coisas rapidamente, Lucynda avisou sua secretária de que estava indo embora e que ela poderia chamar uma arrumadeira para limpar a sala. A secretária, contudo, respondeu:
- Srta. Peters, há um casal aqui que deseja falar com a senhora. O homem atende pelo nome de Fernando Hernandéz, e a mulher...
- Margareth Lisbel. Sei quem são. Pode deixá-los entrar.
A secretária desligou e, no momento seguinte, Fernando e Margareth irrompiam pela sala. Lucynda sorriu. Margareth havia chorado, e Fernando tinha um olhar calmo e cansado. Aparentemente Margareth já havia visto o seu vestido.
- Nem vou perguntar o que querem, pois sei que vieram cancelar o contrato. Aceitam uma água, um café? - ela disse indicando cadeiras.
- Água para mim - disse Margareth.
- Para mim nada - falou Fernando.
Lucynda ligou para a secretária, que providenciou café. Enquanto separava a papelada que anularia o contrato de aluguel do salão, Lucynda olhou para os rostos desolados de Margareth e Fernando.
- Sei que não é da minha conta mas... aconteceu alguma coisa?
- Oh, sim, Lucy - disse Margareth - você nem faz ideia...
- Margareth - Fernando a interrompeu sério. - Acho que Lucynda não quer saber dos nossos problemas.
- Está enganado, Fernando. Eu quero saber. Diga-me, querida, o que houve? Por que está tão triste?
- Ai, Lucy, é que aconteceu algo horrível... uma funcionária da loja onde eu comprei meu vestido enlouqueceu e o retalhou inteiro. Era o vestido dos meus sonhos... estou bem deprimida.
- O vestido dos seus sonhos... branco, com rendas nas mangas, saia dupla, bordado com ouro branco e pequenas pedras de brilhantes?
- Você ainda se lembra? Nossa, faz tempo que eu te contei isso.
- Claro que me lembro - Lucy sorriu. - Você vivia me dizendo que esse era o vestido dos seus sonhos, que iria até a China para conseguir o tecido... então ele foi destruído?
- Pois é. E agora tenho que casar com outro vestido - Margareth limpou a lágrima enquanto Lucy tomava o café que havia pedido e servia um pouco de água para Margareth.
- Mas esse vestido... ele não era modelo único.
Não era uma pergunta, e sim uma afirmação. Margareth notou a entonação.
- Como sabe que não é único?
- Bem, eu tenho uma amiga que vende vestidos de noiva. Ela me mostrou a aquisição mais recente dela. Comprou para uma noiva que iria se casar, mas desistiu. Agora ela tem o vestido reservado e me mostrou para ver o quão lindo era.
- Quer dizer... que existe outro vestido igual ao que foi destruído?
- Outro, sim.
- Lucy... alguma chance de essa sua amiga vender o vestido para mim?
- Bem, ele está reservado, mas... ela poderia vender, sim. Ela me deve um favor grande, eu poderia convencê-la.
- Lucynda! - Margareth quase caiu em cima da mesa na ânsia de abraçá-la. - Você está devolvendo o vestido dos meus sonhos... nem sei como agradecer.
Fernando assistiu à cena calado.
- Apenas desejo que seu casamento seja perfeito, Margareth - disse Lucy. - Você e o Fernando se amam, merecem se casar com tudo a que tem direito. E então, falo com a minha amiga?
- Mas claro que sim! - ela respondeu antes que Fernando pudesse se pronunciar.
Lucynda sorriu, ainda abraçando Margareth. Fernando pigarreou, e as duas se voltaram para ele.
- Margareth querida - ele disse - preciso conversar com Lucynda um minutinho. Poderia nos dar licença, por favor?
- Fernando? Mas por quê...?
- Lucynda e eu precisamos conversar, e creio que será melhor que nos falemos a sós. Confie em mim, querida - acariciou os cabelos de Margareth. - Tenho minhas razões.
Razões de ex-noivo, foi tudo o que Margareth conseguiu pensar. Mas forçou um sorriso.
- Eu confio. Estarei esperando no saguão do hotel.
Ela beijou Fernando rapidamente e saiu em seguida. Fernando observou a noiva sumir de vista e, quando a porta se fechou, voltou-se para Lucynda.
- O que quer de mim, Fernando? - disse ela sem nenhuma entonação na voz, como se ele fosse discutir as condições de pagamento do salão.
- Já pode parar o teatro, Lucynda.
- Perdão? - ela disse com voz assustada.
- Pode ir parando com essa encenação. Oferecer o vestido, não se importar que usemos seu salão... você pode estar enganando Margareth com essa encenação idiota, mas a mim você não engana. A conheço bem, dormi em sua cama durante muito tempo e ouvi sobre cada vítima que você destroçou, quando lhe fizeram algo que não gostava. Não acredito em sua conversa de boa moça, Lucynda, sei que pretende algo. Por essa razão está sendo gentil, por essa razão está tentando nos ajudar. Quero que se afaste de mim e de Margareth. Não acredito em você, Lucynda Peters, e muito menos em suas boas intenções.
Lucynda nada disse. O fitou impassível.
- O que eu lhe fiz é algo mais que suficiente para a pior das vinganças - ele continuou. - Margareth não conhece o seu veneno, mas eu, sim. Quero que se afaste de nós. Dirá a Margareth que houve um erro com o vestido e anularemos o contrato de aluguel agora.
Lucynda se levantou e encarou Fernando. Ela fez força para não chorar. Contudo, ele pôde ver as lágrimas que caíam de seus olhos.
- É isso... é isso o que você pensa de mim?
Ela deu as costas para ele e escondeu o rosto nas mãos. Fernando ficou perplexo. Esperava uma reação ofensiva, uma acusação... não aquele desespero, aquelas lágrimas.
- Fernando, você sabe o quanto te amei? Sabe o quanto custou para mim seguir em frente depois que você me abandonou? Muito tempo. E isso porque eu gosto de você, admiro você e apenas quero que seja feliz. Jamais me vingaria de você, jamais o trataria como trato outras pessoas... você foi o amor da minha vida. Eu sei que não fui o seu, mas isso não isenta o tanto que eu te amei.
Ela respirou fundo e o encarou nos olhos.
- Apenas fiz isso porque queria que você fosse feliz e sei que você só é feliz quando está tudo bem com Margareth. Vi como ela estava chateada em perder o hotel e o vestido, sei como uma mulher se sente, como quer que o casamento seja perfeito... apenas quis ajudar.
Dessa vez quem não disse nada foi Fernando.
- Mas vejo que fiz mal. Você não me amar, eu entendo, mas pensei que me conhecia um pouco melhor. Sim, eu sou vingativa; sim, eu tenho um lado meio negro, mas acha que eu estenderia tal lado para o homem que foi meu noivo e para a minha melhor amiga? Você me desaponta.
Fernando suspirou. Lucynda ergueu a cabeça.
- Farei o que você quiser, Fernando, porque não pretendo arruinar seu casamento. Só sinto você me conhecer tão pouco e achar que nossos anos juntos não valeriam nada para mim. Irei descer agora mesmo e falarei com Margareth. Direi que o vestido não pode mais ser usado e prepararei o encerramento do contrato. Não terá mais que me ver nem me temer. Vamos - ela passou por ele. - Vamos chamar Margareth.
Lucynda, com uma fúria desmedida, foi em direção à porta a fim de sair dali. Mentalmente rezava para que Fernando a detivesse. E, quando ele o fez, segurando o braço frágil com um punho titânico, ela mentalmente suspirou. Se voltou, ainda aparentando estar zangada.
- Há mais alguma ofensa que queira me dizer?
- Lucy... Deus, eu não sei como agir. Eu tenho medo da sua reação, sempre tive...
- Você sempre me temeu e sempre foi um idiota por isso, Fernando. Eu jamais faria mal a você ou a Margareth... como pode pensar isso? - ela suspirou e se sentou novamente. Aparentava cansaço. - Se você não confia em mim, ao contrário de sua noiva, então não há motivo para prolongarmos a conversa. Vá embora, Fernando. Diga o que quiser a Margareth. Eu não me zangarei nem nada. Apenas quis ajudar.
Ela parecia prestes a chorar novamente, Fernando pensou. Triste, ele se aproximou dela e segurou ambas as mãos.
- Eu amo Margareth mais do que tudo na minha vida, Lucynda. Não sabe o medo que tenho de perdê-la. Desculpe se a ofendi, se a tratei mal... mas saiba que foi apenas pelo amor que nutro por ela.
- Eu entendo. Não se preocupe. Quando quer cancelar o contrato?
Ela estava fria, e era visível o quanto estava chateada. Fernando suspirou. Lucynda era uma surpresa constante. Ele queria se afastar dela para não magoá-la com o casamento, e ela se ofendia. Ou então... ele sempre a julgara mal. Margareth confiava em Lucynda, mas Margareth era ingênua demais. Contudo, se fosse do feitio de Lucynda fazer uma vingança, ele já teria provado do seu veneno. Ela já teria envenenado Margareth ou talvez arruinado seu orçamento ao fazer o cancelamento do contrato. Não, ela não dava mostras de querer se vingar. Parecia querer apenas ajudar. Lucynda jamais entregaria o vestido para Margareth se sua intenção fosse vê-los mal. Pelo contrário, teria feito a cabeça dela para não se casar. Decididamente ele estava enganado.
- Esqueça o cancelamento. Margareth quer se casar aqui. Acho que devo isso a ela.
Lucynda sorriu. O sorriso seria descrito como sincero por qualquer um que o visse.
- Tem certeza?
- Absoluta. É óbvio que sempre a julguei mal, Lucy. Está claro que você apenas quer ajudar e estou agindo como um idiota por tratá-la tão mal.
Lucynda se aproximou um pouco mais dele. Estendeu a mão.
- Amigos, então?
- Amigos.
Eles trocaram um aperto de mão, mas que, por iniciativa de Lucynda, evoluiu para um abraço. Fernando tocou os cabelos compridos e sedosos enquanto a abraçava. Lucynda se separou dele, animada, com um sorriso fofo no rosto.
- Então acho que devemos descer... - ela disse. - Avisar a Margareth das boas notícias.
E rapidamente ela o puxou para baixo.
.........
Margareth estava sentada no sofá. Não parava de cruzar e descruzar as pernas. Se perguntava o que Lucynda e Fernando poderiam conversar durante tanto tempo. Será que estavam reatando? Será que ele a trocaria por ela? Afinal, ele fora capaz de abandonar Lucynda no altar, por que não a abandonaria durante o noivado?
Ela fitou a porta, apenas por fitar, a mente perdida em um turbilhão de emoções. Viu quando um rapaz loiro de olhos claros entrou no hotel e falou com o recepcionista. Viu quando ele se sentou ao seu lado. E finalmente o reconheceu.
- Você é... o cara com quem eu topei mais cedo.
O rapaz se voltou para ela.
- Boa memória.
- Acho que não me desculpei de maneira apropriada.
- Não se preocupe.
Margareth se calou. Era óbvio que o rapaz não queria conversa. Margareth tentou puxar conversa mais uma vez.
- Meu nome é Margareth Lisbel.
- Juan Renoir - ele parecia irritado.
- Ah, me desculpe, então, Juan. Apenas tentei ser gentil - ela disse isso mordendo o lábio.
Juan se voltou para ela.
- Me desculpe você. Estou nervoso, sabe? Está para acontecer um dos encontros mais terríveis da minha vida, e confesso que não sei como reagir.
- Oh... um encontro enervante? E o que poderia ser?
Margareth sentia necessidade de conversar. Necessidade de passar o tempo enquanto imaginava o que o noivo e a ex dele poderiam estar fazendo.
Juan sorriu.
- Vim pedir emprego a uma ex-namorada. Isso não é nada bom.
- Oh... a sua ex-namorada se chama Lucynda?
Juan piscou diversas vezes.
- Sim, é... a conhece?
- Fui sua melhor amiga durante anos. Por que terminaram?
- Ela dizia não me amar. Ficamos juntos duas semanas, antes de ela me trocar por um galã sedutor. Antes havia pego um barman... enfim, sofri muito porque a amava demais, mas sabia que Lucynda estava procurando um tipo de homem que eu não era. Enfim... - ele deu de ombros.
- Lucynda falou sobre seu passado?
- Sobre o noivo que a abandonou no altar? Claro que sim. De fato, quando a conheci, ela já havia superado. Disse que desejava apenas que o tal noivo fosse feliz... mas bem, creio que após tal episódio, Lucynda tenha medo dos homens... não sei.
Margareth não poderia imaginar Lucynda tendo medo de alguém.
- Por que tem medo de pedir o emprego a ela?
- Você conhece o ditado: não se come a carne onde se ganha o pão.
- Bem, você comeu a carne. Não a come mais - disse rindo.
- Mesmo assim... vê-la ainda me afeta. Você entende, não é? Afinal você a conhece... ex é ex... sempre.
Margareth pensava exatamente naquilo.
- Claro. Eu entendo. Bem demais.
Naquele momento, eles ouviram passos e se voltaram. Lucynda apareceu no saguão segurando Fernando pela mão. Tinha um lindo sorriso no rosto. Juan enfiou as mãos no bolso. Margareth pareceu chocada.
Lucynda mal pôde reprimir a risada quando desceu. Se Margareth estava assim quando ainda não havia nada a temer, quando a vingança começasse, ela já estaria acabada. Riu, animada. Como as pessoas podiam ser idiotas... sorrindo, ela se aproximou de Margareth e lhe apertou as mãos.
- Margareth... Fernando finalmente entendeu que não há motivos para temer. Ele não só concordou que eu a ajudasse como decidiu que fará o casamento aqui.
Os olhos de Margareth brilharam.
- Jura, Lucy?
- Juro, querida - ela retirou um cartão do bolso. - Conversarei com a minha amiga hoje, mas dê o vestido como certo. Amanhã mesmo passe nesta loja, dê seu nome e comece as provas.
- Oh, Lucy... nem sei como lhe agradecer - ela abraçou Lucynda.
- Case e seja muito feliz, querida... É tudo o que eu peço.
- Obrigada. Oh, eu queria tanto que você... não, seria pedir demais.
- O que quer, Margareth?
- Queria muito que você fosse minha madrinha... mas acho que não é justo lhe pedir isso. Acho que isso lhe traria más lembranças...
Más lembranças? Lucynda sorriu. Pelo contrário, pensou. Tornaria tudo ainda melhor.
- O passado é o passado, querida. Terei a maior honra em ser sua madrinha - Margareth sorriu, a abraçou, e Lucy se voltou para Fernando. - Nos falamos semana que vem para combinarmos os detalhes do salão... e... obrigada, Fernando. Por me deixar fazer parte da sua vida novamente, como amiga.
Fernando sorriu e não encontrou nada para dizer. Céus, fora um idiota quando a largara. Não por tê-la trocado, mas sim pelo fato de julgá-la tão mal... Lucynda era a melhor das pessoas. Era uma mulher por quem qualquer homem se apaixonaria. Ele mesmo se apaixonara por ela. E a deixara por acreditar que ela era fria demais para ficar com ele. Como se enganara...
- Veremos seu vestido então... amanhã? - Margareth disse.
- Com o maior prazer, querida... - disse Lucy. - Amanhã.
Juan, que observava tudo, pigarreou. Lucynda se voltou para ele.
- Já faz tempo, Juan...
- Algum tempo, Lucy.
Fernando ficou atônito. Lucynda e aquele loiro sem graça falando naquele tom pessoal? Lucynda nunca gostara de homens com cara de bebê e muito menos de loiros. O que dera nela para se envolver com um homem daqueles? Depois balançou a cabeça. Não era da sua conta. E ele sequer sabia se Lucynda e o rapaz tinham um relacionamento.
- Foi um prazer, Margareth - disse Juan se voltando para ela e para Fernando. - E um feliz casamento para vocês.
Margareth sorriu quando o rapaz beijou sua mão. Mas o olhar de Fernando estava assustado quando ele fitou Lucynda e Juan se encarando, como se os analisassem pela primeira vez. Nenhum dos dois reparou que Fernando e Margareth ainda estavam ali.
- Como anda Douglas?
- Terminei com ele.
- Com ele também?
- Digamos... que ele não tem o que eu chamo de companheirismo. Ao contrário de você.
Ela sorriu, e Juan tocou no rosto dela. Como se saísse de um transe, ela falou:
- Você está aqui pela proposta de emprego do hotel. Vamos ao meu escritório. Temos que conversar, Sr. Renoir.
- Primeiro a senhorita, Srta. Peters.
Eles subiram a escada. Margareth sorriu.
- Ora, para quem estava assustado com o reencontro, ele se saiu muito bem. Acho que entre esses dois rola uma recaída. Não acha, amor? Juan não é bem o estilo de homem de Lucy... mas é um homem distinto. Cavalheiro.
Fernando apenas grunhiu. Então, de fato, eles tiveram um caso. Tentando esquecer Lucynda e seus namorados, ele seguiu Margareth para a saída do hotel. Um homem distinto, dissera Margareth. Distinto e emproado, ele acrescentou. Fernando estava tão furioso que nem se deu conta de por que estava preocupado com Lucynda e Juan trancados em uma sala no hotel e não com o elogio que sua noiva dirigira a Juan
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