Playlist
As lágrimas não paravam de escorrer pelo rosto de Téo enquanto ele colocava seus pertences no porta-malas do carro. Havia acabado de terminar um relacionamento de cinco anos com Luiza. A dor da separação era insuportável, e ele sabia que a vida não seria a mesma sem ela.
Enquanto dirigia, ele se lembrou das noites em que eles discutiam sobre o futuro, sobre os sonhos que não se alinhavam mais. Ele olhou para o retrovisor, vendo a figura do prédio onde Luiza morava desaparecendo à distância, e sentiu um vazio profundo no peito. Ao ligar o som do carro, a música "Depois", na voz de Marisa Monte, aumentou ainda mais a melancolia do momento, trazendo à tona todas as lembranças dos momentos felizes e das promessas feitas. As palavras da música ecoavam em sua mente, como um lembrete cruel de tudo o que havia perdido. O trecho "Quero que você viva sem mim. Eu vou conseguir também" levou Téo aos prantos.
Da janela de seu apartamento, Luiza também não parava de chorar. Sentia-se em mil pedaços, como na canção da Legião Urbana, que acabara de selecionar para tocar. "Mas vou me acostumar com o silêncio em casa, com um prato só na mesa". A voz melancólica de Renato Russo fez Luiza desabar. Seu lar estava vazio sem a presença de Téo. Mesmo no final do relacionamento, Luiza se sentia calma e segura perto dele. "Pobre coração, quando o teu estava comigo era tão bom". Luiza deslizou pela parede até o chão, abraçando os joelhos enquanto as lágrimas caíam livremente.
Téo e Luiza sempre tiveram dificuldade em expressar o que sentiam. As palavras ficavam presas na garganta, transformando-se em silêncios desconfortáveis ou discussões acaloradas. Além disso, seus objetivos se tornaram diferentes com o tempo. Do sonho comum de morar numa casinha na Inglaterra, Téo sonhava, agora, em estudar na Ásia, explorar mundos completamente diferentes. Luiza, por outro lado, agora queria se estabelecer no Rio de Janeiro, onde haveria oportunidades mais concretas para a sua carreira.
O estresse no trabalho só piorava as coisas. Analista financeiro, Téo estava constantemente sobrecarregado com prazos e metas inatingíveis. Luiza, uma publicitária, lidava com clientes exigentes e campanhas que nunca pareciam boas o suficiente. Estavam sempre cansados demais para conversar, e qualquer pequena coisa, como esquecer uma luz acesa, se tornava motivo para uma longa discussão sobre responsabilidades. Com o tempo, as diferenças começaram a se sobrepor às compatibilidades, até a chegada da derradeira separação.
Mesmo quando estavam brigados, a música sempre foi um refúgio para o casal. Eles passavam horas ouvindo suas canções preferidas juntos, cada um lendo seu livro ou simplesmente aproveitando a companhia um do outro, sem fazer nada, ao som que ecoava pelo quarto. As playlists que costumavam compartilhar eram cuidadosamente criadas para capturar momentos especiais, desde músicas para relaxar até trilhas sonoras de viagens e celebrações. Nenhum dos dois deletou as playlists compartilhadas de seu perfil. Daria muito trabalho recriar todas as listas. Em vez disso, nos dois celulares, novas playlists foram criadas, agora individualmente, deixando invisíveis aquelas criadas pelo casal durante meia década.
Nos dois anos que se passaram desde aquela noite dolorosa, Téo e Luiza tentaram seguir em frente, cada um à sua maneira. Ambos se bloquearam nas redes sociais, a fim de esquecer seus sentimentos.
Téo mergulhou no trabalho, aceitando cada vez mais responsabilidades para preencher o vazio deixado por Luiza. As noites eram solitárias, mas ele tentava se convencer de que estava bem. Instalou aplicativos de encontros, conheceu pessoas interessantes e teve alguns relacionamentos casuais. Mas não sentia com nenhuma outra pessoa a conexão que costumava sentir com Luiza. Ele saiu com uma colega de trabalho por alguns meses, mas a relação terminou quando ela percebeu que Téo ainda estava preso ao passado. Nos momentos de silêncio, ele se pegava lembrando das risadas compartilhadas com Luiza, das piadas internas de casal, dos memes trocados, das conversas até tarde da noite e das pequenas rotinas que formavam o amor deles. Nada parecia se comparar.
Luiza também tentou seguir em frente. Mudou-se para o Rio de Janeiro e começou a trabalhar em uma agência de publicidade renomada. Fez novos amigos, frequentou festas e instalou aplicativos de encontros. Ela teve alguns relacionamentos casuais, mas nenhum deles durou muito tempo. Ela conheceu um rapaz chamado André, e por um tempo, pensou que poderia ser algo sério. Ele reunia vários requisitos para um relacionamento de longo prazo, mas parecia que faltava algo. Ela não se sentia completa com aquele novo relacionamento e decidiu terminar antes que criasse vínculos maiores.
Para tentar aliviar a mente e o corpo, Téo havia criado um novo hábito: o de pedalar. Todas as manhãs de domingo, ele pegava sua bicicleta e iniciava uma longa pedalada. O exercício, aliado ao ar fresco no rosto, o ajudava a manter a sanidade e a clarear os pensamentos em meio a uma rotina de trabalho cada vez mais insana. Em um desses domingos, enquanto procurava por uma playlist adequada, ele levou um susto.
Na parte superior direito da tela, o nome de Luiza apareceu. "Luiza está ouvindo Heaven knows I'm Miserable now de The Smiths." Téo ficou paralisado por um momento, encarando o pequeno letreiro com o nome de Luiza no aplicativo. Era a primeira vez em dois anos que ele via aquele nome em seu celular. Ele se lembrou, então, da função do aplicativo, que informava os criadores de uma playlist se alguém estivesse ouvindo alguma música da lista. O coração disparou e uma enxurrada de emoções o tomou de assalto. Luiza costumava ouvir essa música quando estava triste, sentindo-se que ninguém ligava para ela. A letra "In my life, why do I give valuable time to people who don't care if I live or die?" o fazia sentir um aperto no peito. Será que ela estava bem? Por que estaria ouvindo uma música tão melancólica numa manhã de domingo?
A mente de Téo viajou no tempo, lembrando-se dos momentos felizes que compartilharam juntos, mas também das brigas e das noites em claro discutindo sobre o futuro. Ele se perguntou se Luiza ainda pensava nele, se ainda sentia algo. O aperto no coração misturava-se à saudade e às lembranças dolorosas. Ele não fazia ideia do quanto seus sentimentos por Luiza ainda estavam latentes, e do quanto o nome dela ainda despertava emoções tão diversas.
Téo passou o resto do dia pensando em Luiza e naquela música. Ele não conseguia tirar da cabeça aquela letra, que parecia um grito de socorro. Tentou acessar o perfil de Luiza nas redes sociais, mas percebeu que ainda estava bloqueado. Pensou em se comunicar com ela, colocando para tocar uma música de suas playlists compartilhadas, a fim de que Luiza também visse o nome de Téo no aplicativo, mas preferiu não fazer nada. Ele não se sentiu no direito de perturbar ainda mais as emoções de Luiza, que provavelmente estava triste naquele dia.
No dia seguinte, Téo não conseguiu se concentrar no trabalho. Queria saber se ela estava bem. Sentia-se triste ao saber que ela estava, de alguma forma, sofrendo. Quando a noite chegou, Téo começou a olhar nas antigas playlists do casal e encontrou "How Are You?" de The Kinks e colocou para tocar. A letra "How are you? How is your life? How is it going? Are you still dreaming and making big plans?" provavelmente mostraria a Luiza que Téo queria saber como ela estava. A reação também poderia ser outra: Luiza poderia simplesmente deletar as playlists, a fim de que seu ex-namorado não a encontrasse mais no mundo digital. "Será que ela vai entender a mensagem?"
Luiza também se assustou quando leu o nome de Téo no aplicativo e a música que ele estava ouvindo. "O que significa isso? Será que ele está me perguntando algo, ou será que foi apenas uma coincidência?", pensou. Ela pensou em procurá-lo nas redes sociais, mas como o perfil dele era privado, não tinha como descobrir muita coisa sem fazer nova solicitação de amizade. Preferiu não dar o primeiro passo. "Se for só coincidência, o que ele vai pensar de mim?"
Ela decidiu responder à pergunta codificada de Téo em forma de música colocando outra canção para tocar: "What's Up?" A mensagem que Luiza queria passar era de que as coisas da vida desafiavam sua sanidade naquele momento.
Téo estava jantando quando abriu o aplicativo e viu que Luiza estava ouvindo a música executada por 4 Non Blondes. Seu coração deu um salto. Ele se lembrou de todas as vezes que ouviram essa canção juntos, refletindo sobre a vida e suas frustrações. A letra ecoava em sua mente: "And so I wake in the morning and I step outside. And I take a deep breath and I get real high. And I scream from the top of my lungs, 'What's going on?". Provavelmente Luiza estava vivendo um ritual diário de tentar enfrentar o mundo, respirar fundo e lidar com as dificuldades. Ela não estava bem.
A mente de Téo voltou no tempo para uma noite específica em que os dois estavam deitados na cama, conversando sobre suas inseguranças e sonhos. Lembrou-se de como Luiza sempre fora vulnerável e aberta quando essa música tocava, confessando suas frustrações e medos. "What's going on?" era uma pergunta que ambos faziam constantemente, tentando entender a vida e as escolhas que fizeram. Ele sentiu um aperto no peito, sabendo que Luiza estava se sentindo perdida. O desejo de consolá-la era quase irresistível. Decidiu que precisava enviar outra mensagem, algo que pudesse mostrar que ele estava ali, mesmo que de longe. Téo pensou em várias músicas, mas decidiu por uma que sempre os reconfortava nas noites difíceis: "Fix You", do Coldplay. Era uma promessa silenciosa de que ele ainda se importava e queria ajudá-la a superar suas dificuldades, mesmo que isso significasse apenas estar presente em espírito. Com a decisão tomada, ele colocou a música para tocar e esperou.
Luiza estava deitada na cama, encarando o teto enquanto tentava controlar a ansiedade. O som de "What's Up?" ecoava pelo quarto, trazendo à tona uma mistura de sentimentos e memórias. Ao verificar se havia alguma resposta de Téo, o letreiro na parte superior da tela do aplicativo: "Téo está ouvindo Fix You de Coldplay." Seu coração deu um salto e, por um momento, ela parou de respirar. A letra daquela música sempre tivera um significado especial para os dois. A mensagem implícita na escolha da música era clara: Téo ainda se importava, ainda queria ajudá-la, mesmo de longe. Sentia uma mistura de tristeza e alívio. Era reconfortante saber que ele ainda pensava nela, mas doloroso perceber o quanto ainda sentia falta dele.
Ela se levantou e foi até a janela, olhando para a cidade iluminada abaixo. As luzes da rua refletiam em seus olhos enquanto ela pensava no que fazer a seguir. Havia tanto que queria dizer, tantas perguntas que queria fazer, mas sabia que não seria fácil. Luiza decidiu responder de uma forma que pudesse expressar seus sentimentos sem dizer diretamente. Ela voltou para a cama, pegou o celular e começou a procurar por uma música que pudesse transmitir o que sentia. Encontrou "All I Want", de Kodaline. A música falava sobre saudade e o desejo de ter a pessoa amada de volta, mas também sobre aceitação e o entendimento de que às vezes, as coisas simplesmente não funcionam. Ela colocou a música para tocar tentou dormir, esperando que Téo entendesse a mensagem. As palavras ecoavam em sua mente enquanto ela adormecia, desejando que a música pudesse dizer tudo o que ela não conseguia. "All I want is, and all I need is to find somebody. I'll find somebody".
Na manhã seguinte, Téo decidiu que era hora de agir. Com o coração batendo forte, procurou o número de Luiza no Rio, que um amigo em comum lhe havia dado. Suas mãos tremiam enquanto apertava o botão de chamada. O telefone tocou algumas vezes antes que a voz familiar de Luiza atendesse. Eles conversaram longamente, relembrando os bons momentos e reconhecendo os desafios que enfrentaram juntos. A conversa fluiu de maneira natural, permitindo que ambos expressassem suas emoções e sentimentos que haviam sido guardados durante dois anos. Ao final, eles decidiram juntos, que, apesar do carinho e do amor ainda presentes, não estavam prontos para retomar um relacionamento.
Adicionaram um ao outro novamente nas redes sociais. As conversas se tornaram frequentes, mas descompromissadas, cheias de carinho e respeito. Compartilhavam músicas, piadas e até mesmo desabafos sobre o trabalho. A amizade que renasceu era forte e sincera, um reflexo da conexão profunda que sempre tiveram. Aprenderam a expressar seus sentimentos por meio da música. Ambos sabiam que o futuro era incerto. Talvez um dia eles pudessem tentar novamente, mas por enquanto, estavam satisfeitos em se apoiar mutuamente sem a pressão de um relacionamento romântico. Eles aprenderam a valorizar o que tinham, aceitando que algumas coisas precisam de tempo para amadurecer.
Por sugestão de Luiza, Téo resolveu viver seu sonho de estudar na Ásia. Que aventuras a sua nova vida aguardaria? Téo não sabia, mas tinha a certeza de que teria duas coisas: o apoio de Luiza, mesmo que de longe; e a playlist certa para viver cada momento e expressar suas emoções.
FIM
🎵 Playlist
Depois - Marisa Monte
Mil pedaços - Legião Urbana
Heaven Knows I'm Miserable Now - The Smiths
How Are You? - The Kinks
What's Up? - 4 Non Blondes
Fix You - Coldplay
All I Want - Kodaline
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