025. Despedida
Naquele final de ano, os domingos estavam sendo os meus dias favoritos (além dos feriados). Tudo isso pelo simples motivo de que eram os únicos dias em que eu tinha uma folguinha (não me levem à mal, leitores: eu amo o meu trabalho, mas uma semana tem sete dias, trabalhar seis deles é totalmente exaustivo. Para compensar e recuperar as energias para começar uma nova semana, eu dormia até tarde nos domingos e evitava a todo custo sair de casa). No penúltimo domingo do ano, especificamente, eu acordei na casa do Bento, nos anos noventa. A minha irmã também havia passado a noite lá, dormiu no sofá da sala. Sim, ela tinha as manhas de dormir em qualquer lugar, e este era um fato que me deixava totalmente intrigada acerca dela. Por outro lado, o meu namorado dormiu (pasmem!) no tapete de veludo do quarto da sua mãe. Ô pessoal, eu juro que até hoje não consigo entender como esses dois nunca tiveram problemas na coluna.
Enfim, depois de todos acordados, nós almoçamos e eu convidei a minha irmã a irmos embora o mais depressa possível. Afinal, eu trabalharia no dia seguinte e ela teria aula... Não poderíamos nos dar ao luxo de ficar na moradia dos Hinoto até de noite.
Bom, mas apesar de eu estar doida para chegar em casa logo e descansar mais, no momento em que já havíamos trocado de ano e estávamos quase chegando no nosso destino, eu me lembrei de que, no dia anterior, o Kenzo havia me convidado a ir ficar um pouquinho com ele na sua casa. Foi com essa desculpa que eu tive que driblar a minha irmã e convencê-la a tomar o restante do caminho até o bairro Liberdade sozinha. Eu desci andando direto para a casa do meu noivo.
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— Você quer ajuda?
Ao entrar na sua residência, eu me deparei com um Kenzo concentrado em organizar os seus pertences em um monte de caixas. Devido a isso, ele não notou a princípio a minha presença no seu quarto. Apenas quando lhe ofereci uma mãozinha no seu trabalho, foi que ele se assustou levemente antes de se virar na minha direção portando um sorriso amarelo na sua face.
— Não, obrigado — ao pronunciar isso, percebi um tom melancólico na sua voz. — Eu já estou acabando.
Vocês sabem do dilema sobre ele, não sabem? Sabem que ele não queria aceitar o empregasso na AEB por minha causa, né...? E sabem bem que eu o convenci a não abandonar os seus objetivos por minha causa, certo? Entretanto, mesmo que tenha recebido a oportunidade da sua vida, o Kenzo não parecia muito contente com isso. É óbvio que ele era apegado comigo, eu também era com ele. Afinal, o Kenzo foi o meu primeiro namorado, então ele tinha uma importância ímpar na minha vida. Só que se eu recebesse a oportunidade que ele recebeu, eu iria sem pensar duas vezes — com ou sem ele. Me desculpem, mesmo que eu ame ele pra caralho, a minha realização pessoal é ainda mais importante. Não fiquei anos fazendo faculdade para receber uma oportunidade dessas e recusar por causa de homem, não mesmo! Para amar alguém e querer ter um futuro com essa pessoa, eu tenho que me amar primeiro e construir o meu próprio futuro primeiro. Estou certa, não estou...?
— Esta é uma vaga rotativa, para ser executada em escritório — um breve silêncio reinou entre nós dois antes dele o quebrar com essa frase. Depois de pronunciá-la, respirou fundo antes de continuar dizendo: — Sendo assim, por um ano o meu contrato é para Brasília. Depois desse tempo eu espero conseguir ser transferido para trabalhar em home office em São Paulo.
Essa parecia uma boa alternativa, e eu tenho certeza que se ele fosse tão bom profissional quanto foi bom aluno, ele conseguiria fácil essa mudança de posto. O meu noivo era assim: quando queria alguma coisa, ia atrás de conseguir o que queria. Este emprego poderia ser uma excelente forma de aprendizado para ele, e eu tenho a convicção de que se ele voltasse para São Paulo, voltaria muito mais competente do que saiu.
— Viu? Você não precisa se preocupar tanto. Um ano passa muito rápido, lindo — eu disse, na esperança de o confortar um pouco. Entretanto, a sua resposta logo em seguida me tirou toda a perseverança que eu estava tentando lhe passar:
— Olhando pelo lado ruim, vão ser dois Natais e dois Anos Novos longe de você.
— O quê? — Certo, como eu não esperava por isso, essa minha pergunta saiu em um tom de espanto, surpresa, decepção, e agudo como se fosse um gritinho. Involuntariamente os meus olhos se arregalaram e eu automaticamente me senti minúscula em relação ao rapaz à minha frente. — Quando é que você vai?
— Depois de amanhã — dessa vez eu senti firmeza no seu tom. Sem dar pra trás e nem nada, ele me respondeu sem rodeios e nem pestanejar. O seu olhar foi desviado do meu assim que ele se pôs a falar mais coisas: — Eu até queria adiar a minha ida, mas a AEB ofereceu cinco vagas na sua república para os novos trabalhadores. Fomos onze contratados. As vagas na república serão dadas aos trabalhadores de fora de Brasília que chegarem primeiro lá para trabalhar. Se eu perder essa oportunidade, eu terei que pagar aluguel de uma casa por lá, e eu não tenho condições disso no momento.
— Eu compreendo — na verdade, tinha que compreender. Mesmo que todas aquelas informações tenham me pegado de surpresa, a lógica dele estava mais que certa. — Você está tomando a decisão correta. Se te conforta, depois deste ano, assim que você voltar pra cá, a gente vai se casar, ter três filhas e um casal de cachorros!
Se antes ele estava encarando fixamente o nada e portando uma expressão séria, depois de ouvir a minha fala um sorriso sincero surgiu nos seus lábios e o seu olhar voltou a recair sobre mim.
— Isso foi muito específico — ele disse. — Explique porque exatamente três filhas e um casal de cachorros.
— Porque eu quero ser mãe de menina, e eu acho que um filho só é pouco. A vida deve ser muito chata sem ter uma irmã para encher o saco, e como eu só tenho uma e às vezes ela está ocupada, eu acho que se eu tivesse outra eu sempre teria alguém para atazanar — ao ouvir isso, o Kenzo soltou uma risada do meu raciocínio. Antes que ele cessasse o riso, eu continuei a falar. — E um casal de cachorros apenas inicialmente. Isso porque eu amo cachorro, mas nunca pude ter por causa da alergia que o meu pai tem de pêlos. Então, para compensar todos esses anos perdidos, eu quero um casal para que eles cruzem e nos presenteie com vários filhotes lindos!
Só para constar, gente, eu não estava brincando em nenhuma das duas lógicas, ok? Sim, eu tinha o meu lado clichê, também. Não é obrigação de toda mulher querer casar, ter isso e ter aquilo, mas depois da minha realização profissional, eu queria ter herdeiras e poder ensinar a elas que elas podem ser o que elas quiserem, acima de tudo. Mulheres, vocês podem ser e fazer o que quiserem! Ser feminista e feminina não é um problema. O problema é ser submissa, não realizar os seus objetivos e achar que isso é ser requintada. Felizmente eu ia me casar com um homem que tinha isso bem claro em mente — apesar do Kenzo ser o típico hétero-top padrão. Ele não me impedia de nada, me motivava a tudo o que eu queria e, principalmente, estava indo para Brasília por ter a concepção de que, para que futuramente a gente se case, precisamos fincar as nossas raízes no mundo primeiro.
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Então, logo, logo o "depois de amanhã" chegou. No dia anterior, a maioria dos pertences pessoais do meu noivo já haviam sido despachados, restando, apenas, uma mala de roupas para que ele levasse. Dois dias atrás, quando tivemos o nosso último diálogo mais demorado, eu não pude aproveitá-lo por muito tempo. Depois de uma breve conversa sobre os nossos planos pessoais, a gente se pegou um pouco antes que o senhor e a senhora Tokyo chegassem em casa. Os meus sogros eram uns amores comigo, mas desde que eu conheci a dona Toshiko, eu não consegui mais me sentir tão acatada com eles quanto me sinto com ela. Esse foi o motivo principal que me fez me esgueirar do Kenzo para conseguir ir embora o quanto antes. O segundo motivo era que eu realmente estava cansada, estava em um domingo e eu me lembrei que trabalharia no dia seguinte.
Porém terça-feira eu estava lá, no aeroporto de Congonhas às oito e cinquenta da noite, exausta pela jornada excessiva que tive de manhã e de tarde, suada e fedendo querosene. Entretanto, estava lá neste horário porque o voo do meu noivo partiria às nove e meia e eu queria muito lhe dar um beijo de despedida. A minha surpresa foi chegar lá e me deparar com os meus pais e a minha irmã, também. Enquanto a minha mãe e o senhor Tokyo tentavam consolar a senhora Tokyo — que, tadinha, se encontrava desolada pela saída de casa do único filho —, o meu pai e a minha irmã estavam a postos conversando com o meu noivo. Esses dois estavam de costas para a direção na qual eu entrei no lugar, então o primeiro a me ver foi o Kenzo, que sorriu para mim e acenou alto, fazendo com que os outros dois que o acompanhava se voltassem na minha direção também.
— Você tá linda hoje... — Preciso dizer por quem essa frase foi dita?
— Você acha mesmo que esse cabelo cheio de química fedendo motor de avião faz ela tá bonita? — E essa aqui, preciso dizer de quem foi? Tenho certeza que não, né?
— Ela sempre está bonita — com um abraço ao me envolver pela cintura, o meu pai me salvou das garras maléficas da bruxa da minha irmã. Eu aproveitei o momento para fazer uma careta para ela, que não gostou nadinha e me retribuiu com outra. A gente com certeza teria se estendido em uma briga caso o meu noivo não interviesse ao me puxar delicadamente do abraço do meu pai para me abraçar pelo quadril e deixar vários selares espalhados pelo meu pescoço e bochechas.
— Eu concordo com o seu pai — no momento em que o meu noivo sussurrou no meu ouvido, eu senti o meu corpo todo arrepiado. É... Eu acho que eu tinha um certo penhasco por sussurros no meu ouvido. — E eu acho que agora nós temos apenas alguns minutinhos para aproveitar.
— Eu quero que você saiba que você sempre vai ter um lugarzinho especial no meu coração e por isso não precisa se preocupar comigo em relação a nós dois — essa foi a primeira frase que eu consegui pensar que poderia às vezes dar certo para o fazer ficar menos tenso em relação aos meus sentimentos por ele. E consegui, visivelmente. A atitude que ele tomou ao selar os nossos lábios em um beijo calmo expressou nitidamente o quanto aquelas palavras significaram para ele naquela hora.
Quem deu mais trabalho no momento em que o rapaz embarcou foi a sua mãe. A minha, que até o presente momento conversava com ela e tentava a acalmar, não havia obtido tanto sucesso. Assim que viu o avião no qual o seu filho estava decolar, a senhora Tokyo se desmanchou em lágrimas ainda mais do que havia se desmanchado anteriormente. Eu e minha irmã a demos um abraço e queríamos até ficar mais algum tempo tentando a confortar, entretanto já se passava das nove e meia da noite, o senhor Tokyo nos disse que poderíamos ir embora com os nossos pais que cuidaria dela e depois nos daria notícias. Tendo em vista o meu cansaço excessivo pelo meu dia de trabalho, eu não insisti em ficar ali, e antes que Ayumi insistisse, eu a puxei pelo braço e a guiei para fora do aeroporto. Fomos seguidas por nossos pais até o estacionamento. Logo, logo, já nos encontrávamos todos em casa.
2034 palavras.
Mais um capítulo hoje, apenas para compensar o meu atraso e deixar vocês bem atualizadinhos! E é isso, agora sim é um "beijinhos e se cuidem", hehehehe (não esqueçam de comentar o que vocês acharam, hein!?)
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