021. Dilema Emocional
Certo, eu tinha um propósito — impedir a queda do jato que transportava a banda no dia dois de março de noventa e seis —, um mistério para resolver — descobrir o que ocasionou a tragédia — e uma pista do que talvez poderia ter acontecido naquela noite — a tragédia ter sido motivada por um agente externo. Tendo tudo isso em vista, eu me organizei com um planner para que eu conseguisse testar várias coisas e estudar meios de chegar à uma resposta para o que, de fato, fazer naquele dia. Levando em consideração as teorias citadas nos capítulos anteriores, sobre a alteração de tempo, enquanto eu não tivesse uma teoria concreta de para onde o meu bracelete me levava quando eu o usava, eu não poderia o usar para descobrir o que a tal "Ahri de noventa e seis" fez para evitar o acidente, isto é, se essa Ahri existisse. Eu teria que me virar completamente sozinha, pelo menos por enquanto, e a melhor forma que encontrei de conseguir dar conta de tudo foi planejando cada minuto do meu dia.
Assim, eu tive bastante tempo livre para estudar sobre o acidente. Um dos métodos que eu mais usei para isso, durante vários dias seguidos, foi utilizando simuladores reais de vôos. Mas não quaisquer simuladores: se eu tinha o propósito de evitar um acidente de um Learjet 25, eu tinha, também, que simular o voo em um painel semelhante ao de um Learjet 25. E o único lugar que eu conhecia que possuía um desses era exatamente o local que eu pensava que não precisaria pisar nunca mais na minha vida, mas acabei constatando de que eu estava profundamente enganada: o próprio ITA. Vou falar para vocês um negócio: a sensação de pisar na sua antiga faculdade depois de ter se formado é muito estranha. Para mim foi mais do que isso. Mas, enfim, vamos voltar ao assunto anterior...
Com poucos minutos livres na minha agenda, acabou que eu, inevitavelmente, me distanciei de certas pessoas muito importantes para mim: a minha irmã, os meus pais, a minha tia, o meu noivo, os meus amigos e o meu namorado. O meu foco nos estudos foi tão grande que eu, principalmente, descuidei do meu próprio psicológico. Não, isso não era nem um pouco bom, eu sei. Mas eu só não percebi antes que fiquei tão fora de mim que acabei me esquecendo qual era o verdadeiro motivo de eu estar fazendo tudo aquilo: amor. Eu amava todos que me rodeavam, e estava me submetendo àquela situação justamente para salvar todo mundo de um mal ou sofrimento futuro. Entretanto, mesmo que as minhas intenções fossem as melhores, eu admito que não demonstrei isso durante o tempo em que estive estudando para que o pior não acontecesse. Fui só perceber o quanto fui arrogante com todos os que tentavam me ajudar e se preocupavam comigo quando notei que eu já estava em dezembro de dois mil e vinte e três. O ano estava quase acabando e eu não tinha visto o tempo passar direito, não tinha aproveitado muita coisa, e pior, tinha perdido a confiança de praticamente todos à minha volta.
Às vezes cair na realidade pode ser mais doloroso do que tomar um tiro, foi o que constatei naquele momento.
Com certeza todo mundo estava muito chateado com o meu comportamento ingrato nos últimos meses! Como não pude pensar nisso antes? Eu definitivamente tinha que fazer alguma coisa para ficar de bem com todos novamente! Eu tinha essa convicção. Mas como eu faria isso? Aí é que eu não tinha nem ideia. Porém eu sabia que teria que pedir desculpas de alguma forma, desculpas sinceras e que demonstrassem o quanto eu me importava com aquelas pessoas. Sim, eu sabia muito bem com quem eu deveria me desculpar primeiro.
Foi numa quarta-feira por volta de meio-dia que eu tomei este meu grande choque de realidade. Junto dele, eu tomei a vergonha na cara de me levantar da escrivaninha do meu quarto naquele exato momento, vestir uma blusa branca lisa mais novinha, pegar o meu bracelete e trocar rapidamente de ano. Era um dia de semana antes do almoço. Eu sabia que o Alberto estava na garagem com os meninos do Utopia ensaiando as suas músicas autorais e alguns covers para tocarem nos próximos shows.
Ao sair rapidamente da casa da minha tia, eu corri para o ponto de ônibus mais próximo e peguei o primeiro que ia para Guarulhos. Para a minha sorte, era um que deixava no aeroporto. Seria bom, pois assim além de pegarmos um caminho exclusivo até o destino e chegar mais rápido, eu não andaria muito até chegar na garagem de ensaio da banda.
Foi dito e feito. Em cerca de quarenta e cinco minutos eu já estava parada em frente ao lugar que eles geralmente ficavam, plantada do lado de fora, os ouvindo tocar "Tempo Perdido" do Legião Urbana do lado de dentro e criando coragem para abrir a porta e dar as caras na frente dos meninos. Muito felizmente, também, não percebi olhares negativos sobre mim no momento em que ouvi a música parando e tomei coragem de entrar de uma vez, sem pestanejar. Apenas olhares confusos e ansiosos repousaram sobre a minha pessoa. Eu, por outro lado, me sentia insegura, mas convicta de que eu não poderia amarelar na frente dos cinco (os quatro membros definitivos e o Júlio, que estava lá auxiliando o ensaio nas regulagens dos equipamentos de som). Então, assim que os fitei tentando esconder o meu nervosismo interno, eu abri a boca e involuntariamente saíram as seguintes palavras:
— Eu quero bater um papo com todos vocês mais tarde — em seguida, me virei para o Bento e o fitei severamente nos olhos antes de pronunciar: — Primeiro eu quero conversar a sós com você.
Eu esperava que ele dissesse que estava ocupado ou alguma outra coisa que adiasse a nossa conversa, mas não, ele não me respondeu nada. Apenas retirou a sua guitarra de si e a colocou em um canto encostada numa parede antes de vir caminhando na direção em que eu estava até passar por mim e me esperar do lado de fora da garagem.
— Aconteceu alguma coisa?
No momento seguinte em que fechei a porta e o acompanhei até a calçada da rua, ele me deferiu tal pergunta. Antes de respondê-la, eu me pus na sua frente e repousei ambas as minhas mãos sobre os seus ombros, de modo que o fizesse permanecer virado para mim, e em seguida levantei mais uma vez o meu olhar para encontrar o seu.
Sabe, a minha cabeça estava a mil naquele momento. Eu me sentia como se fosse explodir a qualquer hora se eu não falasse logo o que eu tinha para falar. Foi neste momento em que eu comecei a pensar em como me comunicaria com ele, mas sabe quando tudo o que você pensa parece errado? Isso estava começando a me dar uma crise severa de ansiedade. Eu senti a pontada de explosão querendo extravasar de dentro do meu peito. E para conseguir controlar ela, eu, primeiramente, tive que controlar a minha mente e deixar de lado aqueles pensamentos que a invadiam a cada segundo que se passava. Em seguida eu respirei fundo e decidi soltar a fala de uma vez e sem pensar muito:
— Me perdoa, amor. Eu fui uma idiota com você durante os últimos meses.
Eu confesso que estava ficando ansiosa enquanto esperava por uma resposta vinda dele. No momento em que terminei de falar, o rapaz me encarou nos olhos seriamente por longos segundos, sem se esforçar sequer para pronunciar qualquer coisa. Eu, no entanto, mesmo que quisesse não demonstrar o quanto estava abalada emocionalmente, não conseguia evitar isso. Na verdade, eu estava a ponto de não conseguir me conter e acabar derrubando muitas lágrimas. E não, essa parte era a que eu menos queria que o Bento tivesse algum tipo de contato. Por este motivo, quando senti que não ia acabar aguentando mais, abaixei a minha cabeça para tentar impedir o choro silencioso que insistiu em ousar escapar pelos meus olhos. Mas eu não fiquei por muitos segundos de cabeça baixa. Isso porque o guitarrista repousou gentilmente ambas as suas mãos sobre o meu rosto e o ergueu novamente na direção do seu. Neste momento, eu pude notar o seu olhar aflito sobre mim.
— Você 'tá chorando por minha causa? — Essa foi uma daquelas perguntas que eu não precisei responder, porque logo em seguida ele a emendou com a seguinte frase: — Não, não chora! Eu não tô com raiva e nem nada do tipo, eu não quero te ver chorando de jeito nenhum!
— Não é por você, Alberto. É por mim — sim, era mesmo. Eu só conseguia, neste momento, me culpar por ter sido a pior pessoa do planeta com ele. Foi exatamente neste momento que eu me lembrei de um adendo que não tinha levado em consideração anteriormente: durante a minha fase de "crise dos estudos", Bento ficou tão atencioso e preocupado comigo que sinceramente me irritou. Não sei como, mas irritou. E foi por isso que eu, Ahri Aikyo, pedi para que ele me desse um tempo. Não tinha como ninguém defender a minha atitude porque, assim que me lembrei disso, nem eu mesma me defendi. — Eu devo ter feito você se sentir inseguro com as minhas atitudes bruscas. Eu realmente estive fora de mim e não soube nem o que queria da minha vida durante aqueles dias! E eu te conheço, o seu semblante está carregado. Você deve estar até agora achando que você me coloca em um pedestal na sua vida apenas para que eu te retribua com nada.
Sim, eu vi o meu namorado morder o seu lábio inferior com um bocado de força antes de olhar para cima. Os seus olhos ficaram desviados de mim por longos segundos enquanto ele pensava, antes que voltasse a me mirar e dizer:
— Sim, é exatamente isso — essas foram palavras de afirmação que atingiram o meu peito como se fossem golpes de faca, eu juro. E foi por causa delas que eu passei a chorar ainda mais do que já estava chorando. — Só que isso não quer dizer que eu desisti de nós dois, porque eu te amo demais. Eu sofri quando você me pediu para me afastar por um tempo, e só agora estou conseguindo recuperar as minhas energias e vontade de viver novamente. Confesso que realmente estou sendo um pouco egoísta ao pensar apenas em mim, porém é aquela coisa, Ahri: eu quero reatar com você, mas primeiro preciso sentir que você me ama na mesma intensidade que eu te amo, senão algum de nós vai acabar saindo machucado.
Só não foi demais para mim ouvir tudo isso porque eu realmente merecia ouvir tudo isso. Só que... Todas essas palavras doeram em mim de uma maneira surreal, eu confesso. Sabe, o Bento sempre foi sincero, mas naquele momento eu desejei que ele não fosse tanto. Talvez fosse menos doloroso ouvir tudo aquilo se o meu namorado enrolasse um pouquinho mais com as palavras na hora de falar.
Vocês já imaginam que, neste ponto, eu já estava com o rosto vermelho e os olhos mal abertos de tanto chorar? Porque era exatamente assim que eu estava. Além disso, eu desviei o meu foco e não consegui voltar a encarar ele. Apenas balancei a cabeça em um sinal afirmativo no momento seguinte em que ele disse:
— Eu quero reatar com você, mas espero que você entenda que não estamos em um ambiente adequado para conversarmos a sós. Além disso, eu estou no meu horário de ensaio com a banda. Porém nós podemos conversar a sós mais tarde, se você quiser.
Não, definitivamente não! Mesmo que eu o tivesse feito, concordar com aquilo sem falar nada não era o que o meu coração pedia que eu fizesse. Por mim, se eu conseguisse controlar as minhas emoções que estavam a mil naquela hora, eu teria pulado no pescoço dele e lhe dado um beijão na boca. Só que, acima de tudo, eu não tive coragem o suficiente para tomar essa atitude.
Após essa conversa, eu vi o amor da minha vida entrar calado novamente dentro da garagem da banda e fechar a porta na minha presença, como se eu não estivesse ali. Bom, eu fiquei parada no lugar, encarando a entrada por alguns segundos, tentando me recolocar na minha posição e digerir o que tinha acabado de acontecer entre a gente, até que me dei conta de que não adiantaria de nada eu ficar parada ali, chorando o leite derramado. O rapaz havia deixado bem claro que queria se sentir amado por mim, retribuído, coisa que eu definitivamente não estava fazendo por ele. Então a mudança tinha que partir de mim. Eu tinha que fazer alguma coisa para reverter esse quadro se eu quisesse reconquistar o Bento e mostrar pra ele o quanto eu o amava.
Felizmente, pensar dessa forma fez o meu choro cessar instantaneamente. E foi assim, recuperada, que eu me pus a pensar um pouco sobre como eu queria que essa minha prova de amor funcionasse para ele. E, nossa... Foi neste momento em que surgiu na minha mente a ideia perfeita que me ajudaria a consertar a situação!
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Definitivamente não é de se estranhar, para vocês, leitores, que eu tenho uma condição financeira relativamente boa, não é? Eu contei que sou oriunda de classe média há alguns capítulos atrás. Porém eu acho melhor lhes deixar avisados que eu não sou rica, porque muita das vezes, quando eu conto para as pessoas a mesma coisa que eu contarei a seguir para vocês, eles têm uma visão errada sobre a minha família e a minha vida financeira — em outras palavras, costumam achar que eu sou esnobe.
Já trabalhando como engenheira, eu recebia um salário acima da média, mas não muito. Já fazia alguns meses que eu ajudava nas contas de casa, e sempre que sobrava algum dinheiro para mim, eu preferia não o gastar, mas sim o guardar para alguma ocasião especial. E essa ocasião especial que eu o usei foi com o pedido de desculpas que eu queria dar para o Bento. Eu precisaria de muito dinheiro para conseguir executar o meu plano. E eu posso falar com propriedade que, se eu não tivesse o juntado no passado, eu não teria conseguido fazer o que eu queria.
Aliás, acabei de me lembrar que este assunto me recordou de um ponto importante que eu devo falar com vocês futuramente: o meu trabalho. Mas ele não vem ao caso diretamente neste momento. Tudo o que vocês precisam saber, agora, é que eu havia sido aprovada no processo seletivo da Madri Táxi Aéreo e que tudo estava fluindo bem, senão eu não receberia o tanto que recebia. Enfim, voltando ao assunto anterior...
Eu tive que voltar para a minha casa, nos anos dois mil, para pegar todo o dinheiro que eu havia juntado com os meses. Depois disso eu voltei para os anos noventa e para a cidade de Guarulhos. Cara, já eram umas quatro horas da tarde quando eu finalmente cheguei em uma avenida que ficava próxima ao Parque Cecap, ao lado do aeroporto internacional. Era somente numa loja de discos que se situava na esquina dessa tal avenida que eu conseguiria encontrar o disco de vinil deluxe da banda Utopia, que fora lançado naquele ano — mil novecentos e noventa e dois —, e que eu, infelizmente, havia perdido a festa de estreia do álbum. Eu entrei ali decidida a zerar o estoque do vinil na loja, porque a dias atrás eu havia ouvido da minha irmã que as vendas do LP não decolaram. Comigo ali, aquilo ia decolar sim (espero que tenham captado a referência).
Com todo o meu dinheiro juntado, eu consegui comprar cem cópias dos discos. A minha aquisição deu, nada mais, nada menos, do que quatro sacolas gigantes e super pesadas cheias de vinis. Mas eu logo, logo me livraria de todas elas, se eu seguisse corretamente o meu plano. No momento em que pensava quais seriam os meus próximos passos, eu arrastava delicadamente as sacolas para fora da loja. Na verdade, eram elas quem estavam quase me arrastando, mas vamos relevar essa parte. E, vejamos, eu tive o meu pensamento interrompido por um timbre feminino de voz, que era, na real, um timbre bem conhecido meu. A pessoa que estava me chamando estava bem atrás de mim. Assim que reconheci a dona, eu me virei para ela para pronunciar o seu nome com certa animação em reencontrá-la:
— Cláudia!
— Ahri!
A entonação dela para me responder foi exatamente na mesma intensidade que a minha foi para a cumprimentar. Assim que os nossos olhares se cruzaram, nós fomos rapidamente na direção uma da outra para nos darmos um abraço de cumprimento.
Cláudia era uma das mulheres com o corpo mais sexy que eu já tinha visto na minha vida. Sendo um pouco mais nova do que eu era de idade, ela parecia uma adolescente por conta da sua pele branca completamente lisa, sem nenhum vestígio de acne. O seu nariz era pequeno e um pouco arrebitado, o que lhe dava um charme particular. Seus olhos eram amendoados e castanhos, além de que ela tinha cílios naturalmente grandes e sobrancelhas naturalmente grossas e bem desenhadas. Os seus lábios rosados formavam um coração pequeno, e as maçãs do seu rosto eram um pouco mais altas. Como tinha um rosto muito simétrico, o corte chanel escamado que ela usava em seus fios meio ondulados e castanhos claros combinava perfeitamente contigo. Ademais, ela tinha peitos e bunda bem salientes, além de uma cintura bem fina e coxas grossas. A sua altura mediana a fazia parecer ainda mais gostosa do que ela naturalmente já era.
Essa garota linda era a namorada do Sérgio, o baterista da banda Utopia. Sim, eu sei o que vocês estão pensando: "nossa, mas ela é areia demais para a motoca dele". Eu acho que não. Eu achava o Sérgio tão bonito quanto a Cláudia.
— O que você está fazendo aqui? — Essa foi a minha pergunta no momento em que me afastei do abraço dela e a encarei nos olhos. Cláudia também não era de Guarulhos, só que, ao contrário de mim, era uma raridade ver ela por lá.
— Eu estava indo na casa dos meus sogros. A minha cunhada fez um pudim hoje e me convidou para ir lá comer enquanto batemos um papo — ao terminar a sua fala, ela desviou o seu olhar na direção das minhas sacolas, que neste momento se encontravam logo atrás de mim. — Mas e você, o que está fazendo?
Eu confesso que senti um pouco de vergonha da situação na qual eu me encontrava. Porém eu sabia perfeitamente que não adiantaria de nada tentar escondê-la. Isso apenas pelo motivo de que ela provavelmente já sabia de pelo menos uma parte da treta que eu estava tendo que enfrentar, porque, afinal, durante a minha "crise dos estudos", o Sérgio foi um dos meus amigos que também tentaram conversar comigo, e assim como os outros meninos da banda, eu o rejeitei. Então eu também estava armando um jeito de pedir desculpas para ele.
— Eu estou tentando ser uma pessoa melhor do que andei sendo em alguns dias passados aí... Se é que você me entende — essa foi a forma mais direta e sincera que encontrei de explicar para ela a situação. E ela entendeu. No momento em que terminei de falar, percebi os seus lindos olhos castanhos recaindo sobre mim com um certo fervor, mas um fervor bom, sabe? Esse nosso contato visual durou apenas alguns segundos, até que ela quebrasse o silêncio breve que reinou entre nós e dissesse:
— É, eu sei do que você está falando. O Sérgio me contou que você estava andando muito estressada, mesmo. Eu só não esperava que fosse com todo mundo — olha o tamanho do choque de realidade que eu tomei com essas palavras, bem aqui... — Só que eu acho que vai tudo se resolver. Os seus amigos te amam e o Bento é louco por você, se é que isso te consola.
Consolou sim, pelo menos um pouco. A carranca que se instalava na minha face automaticamente se dissipou no momento em que terminei de ouvir a fala da garota. Significava que ela estava a par do assunto e que tinha a convicção de que tudo iria acabar bem, conhecendo os laços fortes que eu tinha com cada um dos integrantes do Utopia. Pensar dessa forma me fez sorrir involuntariamente. Entretanto, o meu sorriso se desfez no momento em que eu me lembrei de uma das falas do Alberto no momento em que tivemos aquela conversa mais cedo na porta da garagem de ensaio da banda.
— Mas o Bento está pensando que eu não me importo com ele da mesma forma que ele se importa comigo. Ele acha que eu não faço questão de comemorar as vitórias dele e muito menos de o acompanhar quando algo bom acontece na sua vida. Isso não é verdade, sabe? Eu amo ele mais do que tudo nessa vida, e ele foi a única pessoa em que estive pensando nestes últimos meses. Eu só quero que ele entenda que ele é tudo o que eu mais almejo na minha vida.
Eu nem percebi que passei a olhar para o chão enquanto falava. Só fui perceber quando a mulher segurou o meu rosto entre as suas duas mãos e me forçou a olhar para si novamente. Desta vez a sua expressão estava mudada; era uma de semelhante à de raiva.
— Você está falando asneiras, Ahri! — Além da expressão no rosto, o que mais estava mudado em si era a tonalidade da sua voz. Agora ela estava claramente tentando demonstrar indignação contra o que eu falei anteriormente. — Alberto Hinoto sabe perfeitamente que você o ama e o coloca à frente de todos os seus planos, e ele apenas tenta te retribuir este fato da melhor maneira possível! E você sabe como eu sei disso? Ele mesmo me contou! Mas mesmo que não tivesse contado, eu saberia, porque é visível que vocês dois vivem um para o outro — certo, isso funcionou mais como um "sossega leão" para mim do que qualquer outra frase que ela possivelmente falaria. Só que, como a boa teimosa que sou, eu ainda abri a boca para lhe retrucar a primeira coisa que aparecesse na minha mente. Porém a Cláudia foi mais ágil do que eu e não me deixou falar, me cortando ao continuar a sua fala: — E nem vai adiantar nada você tentar falar que ele não pensa mais dessa forma, porque ele pensa. Ele quer casar e ter filhos com você, você sabe o quanto encontrar alguém com esses propósitos é difícil nos dias de hoje?
Ela tinha um ponto, eu sei, e vocês, leitores, não precisam me enfatizar isso. Automaticamente eu me senti como uma das pessoas mais burras deste planeta! Se o meu namorado tinha mesmo enfatizado que queria construir uma vida inteira ao meu lado, eu fui lerda o bastante para achar que não, não era o que ele queria para si. Filhos era uma coisa que teríamos que conversar futuramente, mas eu definitivamente queria uma vida construída ao lado dele. Por que eu achei que ele não iria mais querer o mesmo comigo?
As palavras da Cláudia me serviram como uma espécie de "sacode", e eu sorri ao pensar da maneira que ela me abriu os olhos para pensar. Ao ver o meu sorriso sincero, ela retirou as mãos do meu rosto e as levou até os meus ombros, como forma de me tranquilizar sobre aquilo que acabamos de conversar. Antes de ir embora, a mulher ainda me aconselhou a esfriar a minha cabeça e pensar com calma no assunto, porque estava certa de que eu e o guitarrista ainda tínhamos muito o que passar juntos. E foi assim que eu decidi que iria começar a executar a minha segunda parte do plano de desculpas ainda sem os meninos da banda presentes ao meu lado, tudo para que eu acabasse mais cedo e voltasse para a garagem de ensaio deles antes de irem embora. Eu iria levar as notas fiscais e conversar com todos eles sobre os meus erros — e, principalmente, daria um beijão no meu namorado depois de implorar pelo seu perdão.
Só que o horário meio que jogou contra e a favor dos meus planos. Contra porque já era final de tarde, e vocês já devem imaginar que os garotos estavam prontos para saírem do seu local de ensaio e irem embora. E a favor porque, como eu estava em uma avenida que ficava de frente para o Parque Cecap, e sabendo que todos os integrantes do Utopia moravam ou no Cecap ou nos arredores, eles teriam que passar por ali para irem até as suas respectivas casas. Logo, por volta das cinco da tarde, eles me encontraram em uma das esquinas da avenida, distribuindo exemplares do LP de vinil do Utopia para todas as pessoas que passavam por mim. Não obstante perplexos, logo, logo eu percebi um Dinho, um Sérgio, um Samuel e um Alberto caminhando a passos largos na minha direção.
— Oi, pessoal! — Quando próximos o suficiente, eu me virei para eles portando um sorriso sincero nos meus lábios e os cumprimentei. Só que não obtive uma resposta imediata e em palavras de ninguém. Muito pelo contrário, Sérgio, Samuel e Dinho me cercaram na minha frente portando expressões de quem não conseguia acreditar no que estava vendo.
— O que é que você está fazendo aqui? — Sérgio foi o primeiro a se mexer de alguma forma e falar comigo, mesmo usando um tom eufórico e tentando esconder.
— Ah, eu comprei cem cópias do vinil de vocês e tô aqui distribuindo para as pessoas, sabe? — Eu confesso que respondi como se tivessem me feito a pergunta mais besta do mundo. Era visível o que eu estava fazendo. Para eles, entretanto, aquilo era um tamanho de um baque, e eu reconheço isso.
— Como assim você comprou cem cópias? Ficou maluca? — Samuel foi quem se pronunciou dessa vez. Ele até levou as suas duas mãos à cabeça. Foi aqui que eu retirei do meu bolso a notinha fiscal da minha compra e a entreguei nas suas mãos. Ao pegá-la, os outros dois meninos que estavam ao seu lado se juntaram por cima de seus ombros para poderem ver também. Essa foi a brecha perfeita que o guitarrista encontrou para me puxar pelo meu pulso e esquerdo sem eu perceber e me trazer para perto de si.
Antes ele estava tão próximo de mim, porém eu não percebi a sua presença enquanto explicava para os outros três o que eu estava fazendo ali. Só no momento em que me puxou para o seu lado que eu percebi que o meu namorado se encontrava atrás de mim o tempo todo. Bem, agora ele estava diante de mim. As suas mãos envolveram a minha cintura e colaram os nossos corpos por algum tempo. Logo após, a sua destra se guiou até a altura do meu rosto e ele aproveitou para acariciar a minha bochecha antes de colocar uma mecha do meu cabelo para trás da orelha. Enquanto isso, os seus olhos percorreram por todo o meu rosto e pararam sobre a minha boca antes que ele pronunciasse:
— Por que caralhos você se preocupou em fazer isso?
Essa era uma daquelas perguntas simples e muito diretas. E certeira. Tanto que eu me senti na necessidade até de me afastar um pouco dele antes que eu pensasse na frase certa para respondê-lo, mesmo que eu não estivesse satisfeita que nossos corpos se separassem.
— Eu não sei bem o que responder, gatinho — sim, e eu, inclusive, precisei respirar fundo antes de me virar para todos eles e prosseguir com a minha fala para que os quatro pudessem me ouvir. — Eu sinto que não fui justa com vocês, que me deram tanto amor e carinho nos momentos que mais precisei de ajuda. Mas quero que todos vocês saibam que eu estou profundamente arrependida disso. E principalmente você, Bento... — Após, eu me virei novamente para a frente do meu namorado. Percebi que dessa vez ele me fitava com um semblante sério. — Eu sei que você está pensando que os seus sonhos não são importantes para mim, mas quero provar para você o contrário. O seu sonho é ficar famoso, e quando isso acontecer, eu quero olhar para você em cima de um palco tocando para milhares de pessoas e pensar que eu te ajudei a chegar lá.
Propositalmente, eu cruzei os nossos olhares e novamente me aproximei dele. Dessa vez eu não o toquei, apenas cheguei perto o suficiente para que eu escutasse o seu coração batendo muito rapidamente.
— Ahri, eu nem sei o que te falar... — Mesmo que o seu semblante não deixasse transparecer, o jeito que a sua voz saiu trêmula e embargada me deixou bem claro que ele estava em um verdadeiro turbilhão e sem conseguir se decidir de qual reação esboçar.
— Você não precisa falar nada, amor — ver ele tão nervoso me fez começar a ficar nervosa também, embora eu soubesse disfarçar perfeitamente aquela ocasião. — Eu só quero que você saiba que você é a parte mais importante da minha vida e que por você eu sou capaz de qualquer coisa.
Okay, digamos que simplesmente não tive mais palavras depois de tudo isso. Eu já havia me expressado perfeitamente da forma como eu queria, e naquele momento estava ansiando apenas pela resposta que o rapaz me daria. Os nossos olhares se encontraram por alguns segundos fixamente antes que ele desviasse a sua atenção para os meus lábios, antes de umedecer os seus próprios. Foi apenas uma questão de instantes antes que ele me tomasse um beijo suave que foi ganhando forma e se aprofundando aos poucos. Em pouco tempo nós já estávamos completamente envolvidos um no outro, com ele me puxando para si delicadamente pela minha cintura enquanto eu acariciava ambas as suas bochechas. Esse foi um momento muito especial para mim, acho que eu nem preciso enfatizar muito isso para vocês, né? Vocês sabem o motivo. Mas no momento em que senti os lábios dele nos meus, percebi que aquele beijo significava muito mais para ele do que para mim.
Obviamente eu não fiz questão de nos separar. Mesmo com o burburinho ao fundo dos outros três membros da banda brigando, eu não prestei atenção no assunto apenas para me concentrar totalmente no meu namorado. Eu clamava por ele, então o resto poderia facilmente esperar.
Bem, com três selinhos relativamente demorados (e totalmente contra a minha vontade), o meu namorado finalizou o nosso beijo. Em seguida, abaixou um pouco a sua postura e me ajudou a erguer a minha para que pudesse encostar nossas testas uma na outra. Um silêncio se instalou entre nós por alguns instantes, antes que ele quebrasse o gelo e sussurrasse apenas para mim em um tom de voz melancólico:
— Eu 'tô com saudade de você, sabia?
Antes de responder em palavras, eu fiz levemente um sinal positivo com a minha cabeça.
— Eu também 'tô com saudade de você, gatinho. Eu prometo que nunca mais vou errar desse mesmo jeito com você.
Nessa ocasião foi a vez dele balançar a cabeça em um sinal afirmativo. Apenas para selar a minha promessa, eu novamente me aproximei dele novamente o suficiente para selar mais uma vez os nossos lábios, agora de uma forma um pouco mais demorada do que antes.
No momento em que o Alberto nos separou de novo e eu pude encarar rapidamente os seus lindos olhinhos puxados, foi que percebi que o burburinho dos demais garotos ao fundo tinha cessado. Eu tenho a certeza de que ele também notou isso, porque nos separou também para olhar naquela mesma direção dos demais integrantes da sua banda, assim como eu o fiz. E foi dessa forma que eu me deparei com um Dinho, um Sérgio e um Samuel paradinhos enfileirados, olhando fixamente e seriamente na minha direção. O Samuel portava a notinha da minha compra dos discos nas suas mãos. No momento em que olhei na direção deles três, ele deu um passo à frente e olhou de mim para a nota duas vezes antes de cruzar o seu olhar com o meu e dizer, com uma certa incerteza:
— Ahri, isso tudo deu mais de mil reais... A gente vai dividir o valor total entre nós para te dar o reembolso em até três meses, a gente promete.
— Reembolso? — Tá, eu percebi que o Samuel estava apreensivo a respeito do valor que eu gastei comprando todos aqueles discos de vinil apenas para panfletar eles, porém o fato dele falar em reembolso me colocou uma pulga atrás da orelha. — Então isso quer dizer que vocês estão recusando o meu presente?
Okay, eu entendo o ponto de vista dos meninos, mas, gente, eu gastei mais de mil reais com eles por livre e espontânea vontade da minha própria parte. Afinal, todos os quatro mereciam muito aquela ajuda minha, eu considerava muito aqueles rapazes e me sentiria péssima se eu não os ajudasse de alguma forma a tentar alcançar os seus objetivos. Então por isso eu considero que aquela preocupação deles comigo era irrelevante, e a princípio realmente achei que eles não gostaram do meu agrado para eles. Só a princípio. Dois segundos depois me dei conta de que eles estavam achando que tinham me dado uma despesa enorme, e aí eu passei a ter a convicção de que eu deveria tirar aquela ideologia de suas cabeças.
— Você realmente vai gastar mil e quinhentos reais com a gente? — Seguindo, essa pergunta veio do meu namorado. Afinal, ele era parte da banda, então obviamente estava com a mesma convicção de ter que me reembolsar que o restante dos meninos estava.
— Vocês não acham que se esse dinheiro fosse me fazer falta, eu não teria nem gastado ele? — E eu lhes lancei uma pergunta retórica como resposta. Na verdade, não encontrei uma situação melhor para responder com outra pergunta do que essa. Foi aqui que os rapazes começaram a mudar as suas expressões de confusos para de felicidade. Antes que eles explodissem em comemorações, como com certeza fariam muito em breve, eu terminei a minha fala rapidamente. — Isso foi pra fazer todos vocês felizes, meninos! Vocês gostaram?
Eu não recebi uma resposta em palavras de nenhum dos quatro. Sabe o que aconteceu depois que eu disse a minha última frase? O Bento me soltou e foi para perto dos amigos comemorar pulando feito quatro crianças o que eles acabaram de ouvir. Eles gritaram e fizeram a maior algazarra que vocês podem imaginar por causa dos discos de vinil. Eu fiquei de fora olhando eles, satisfeita com o efeito que o meu gesto surtiu neles, entretanto, não muito tempo depois da brincadeira ter começado, alguém me puxou pelo meu punho direito e me levou para o meio da rodinha que fizeram. Cada um deles me segurou e, em uma fração de segundos, eu fui erguida do chão e jogada para cima várias vezes. Gente, cá entre nós, eu achei que iria ter um treco nessa hora, porque o meu coração literalmente foi a mil! Mas no final eu não tive, e eu adorei a brincadeira que fizeram comigo.
Bem, depois que todo mundo conseguiu acalmar os seus ânimos, eu pude lhes explicar detalhadamente sobre a ideia de distribuir os vinis para as pessoas que passavam pela avenida principal. Os rapazes ficaram muito animados com esse tipo de divulgação e se voluntariaram a me ajudar a fazer, naquela mesma hora, o que eu lhes propus. Dessa forma nós cinco nos juntamos e, o trabalho que eu provavelmente levaria umas três horas e meia para terminar, juntos conseguimos acabar em cerca de quarenta minutos. Depois de todo esse rolê todos nós nos despedimos e o vocalista, o baixista e o baterista da banda foram embora, me deixando a sós com o guitarrista.
6001 palavras.
Oi leitores lindões, como é que vocês estão? Estão se cuidando direitinho e bebendo bastante água neste calor?
O capítulo de hoje é um dos mais longos do livro, mas, na minha sincera opinião, é também um dos mais fofinhos que vocês lerão por aqui. Esse momento em que a Ahri percebe que errou e vai atrás de se redimir é uma das cenas mais importantes para mim em toda a história. Este capítulo é simplesmente crucial para o desenvolvimento das próximas partes, não só porque depois daqui a protagonista vai tender a tomar mais cuidado com as suas atitudes, mas também porque aqui foram ditas (bem soltinhas) algumas coisas que futuramente serão recapituladas com maior profundidade.
Tendo isso em mente, eu gostaria que vocês me dissessem aqui os comentários quais coisas vocês acham que são essas! Eu adoro ler as teorias de vocês!
Beijinhos e até o próximo capítulo!
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