Capítulo I
Seis dias antes
A memória é algo curioso.
Há pessoas que nem mesmo lembram o que comeram no dia anterior, mas conseguem lembrar a cor do tênis com que foram ao primeiro dia de aula no jardim de infância, ou aquela letra de música que fica presa em sua cabeça se repetindo sempre e sempre.
- 'Cause there's this tune I found that makes me think of you somehow when I play it on repeat...
[Porque tem esse ritmo que eu encontrei que me fez pensar em você de alguma forma, e eu toco ele repetidamente]
Itachi não lembrava, por exemplo, de onde ouviu aquela música pela primeira vez, mas naqueles dias ela não lhe saia da cabeça.
E sempre que ele começava a cantarola-la baixo, algum dos outros grunhia, sabendo que inevitavelmente todo mundo ficaria com ela na cabeça também. De novo.
Izumi apenas pedia para ele evitar cantar quando estivessem olhando o perímetro. Ninguém queria ser atacado por conta de uma música repetitiva.
-...Seria um pouco engraçado.
-Shisui!
Por vezes Itachi pensava que já estariam bem mortos sem Izumi por perto.
Enfim, memórias.
Memória é algo curioso.
Ele lembrava, por exemplo, claramente das notícias sobre os primeiros infectados, apesar de ter apenas quatro anos na época. Ele recordava a tensão no ar, e do dia que sua família partiu do Japão quando a área foi dada como de alto risco.
Naquele ponto eles não sabiam que tudo estava se espalhando mais rápido que o previsto pela Ásia e ido para os outros continentes.
Itachi não recordava muito dos dias que se seguiram, mas ele lembrava claramente do nascimento de Sasuke, de quando encontraram Kagami e Shisui e da morte dos pais de Izumi.
Então Kagami também foi morto quando chegaram na américa do norte, em busca de uma zona de resistência que ouviram falar quando estavam ainda na Ásia.
Hoje em dia só havia eles. Izumi, Shisui, Sasuke e Itachi. O mais velho deles tinha 16 anos quando ficaram completamente sozinhos, em um continente desconhecido e cercado de morte para todo lado.
Quatro crianças tendo que sobreviver sozinhos a porcaria de um apocalipse zumbi.
Naquele ponto eles provavelmente eram os últimos Uchihas que sobreviveram à infecção e ao grande expurgo que se seguiu depois. Eles haviam entrado em contato com um grupo no norte que preferiu se separar por conta dos poucos recursos – naquele ponto era cada um por si e Deus por todos -, mas antes tiveram a notícia que o Japão, como primeira área infectada, havia sucumbido totalmente quando alguém jogou uma bomba lá esperando deter a infecção.
A infecção, claro, já havia se espalhado, e agora eles tinham a radiação de bônus.
Itachi lembrava da morte de cada um que veio com eles. De como, quando, e o porquê. Ele lembrava que a primeira palavra de Sasuke havia sido 'cuidado'. Lembrava quando Kagami sentou Shisui e ele aos 10 anos e os ensinou como fazer um coquetel Molotov, da morte dos pais de Izumi e de como eles colocaram fogo nos corpos para que não retornassem. Lembrava principalmente dos olhos dela brilhando na frente do fogo parecendo tão sem vida como eles.
Ele lembrava da morte de Kagami, da primeira decapitação de Shisui, das últimas palavras coerentes da sua mãe – 'cuide de Sasuke' - e que o primeiro beijo dele foi com o sangue dos seus país ainda sujando seu rosto.
Ele lembrava, não queria, mas ele lembrava.
E, no entanto, ele não lembrava da letra daquela maldita música corretamente.
- Been wondering if your heart's still open and if so I wanna how it... hurts?
[Venho pensando se seu coração ainda está aberto e se sim como isso... machuca?]
- I wanna know what time it shuts. – Sasuke corrigiu passando com uma sacola de enlatados que sabe Deus onde havia encontrado. Ele sempre era bom em encontrar coisas. – Pergunta se o coração está aberto, e a que horas ele fecha. Não machuca. Que diabos, Itachi?
-Olha a língua, Sasuke. – Izumi comentou rapidamente, jogando as coisas na bolsa e levando ao jeep. – Rápido vocês dois.
-Que mandona
Itachi riu do resmungo de Sasuke, apesar da tensão no ar.
Jogou o que tinham no jeep. Duas mochilas, e as provisões que conseguiram encontrar na última varredura a noite em uma das casas abandonadas. Haviam tido sorte de encontrar um veículo abastecido, provavelmente alguém havia tido que o abandonar as pressas no meio do engarrafamento.
Todo o lugar parecia uma cidade fantasma. Eles não haviam dado de cara com nenhum infectado, e isso o deixava mais nervoso ainda. A sorte deles nunca durava muito tempo.
Shisui já estava na direção, ainda tentando contato no rádio.
-Aqui é Shisui Uchiha, partindo da Louisiana rumo ao Texas, alguém na escuta? Repito, aqui é Shisui Uchiha, alguém na escuta?
-Shisui, temos que ir...
-Alguém na escuta? Alguém...alguém vivo?
A resposta que eles receberam foi chiado e silêncio.
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Eles saíram de Nova Orleans e dirigiram 153 milhas até Lafayette quando o combustível começou a acabar e tiveram que trocar de carro. Mais 75 milhas até Lake Charles, e eles estavam na borda do Texas. Viajar a noite não era uma opção, por isso procuraram abrigo na garagem de uma das casas abandonadas.
Shisui, que havia dirigido a viagem inteira mesmo estando se recuperando de um ferimento foi obrigado a dormir na vigília, todos dentro do carro. Era importante para se precisarem sair as pressas, e essa era a primeira regra. Eles haviam tido sorte em pegar mais um 4x4, mas se isso ajudava no caminho, era ruim para o conforto. Shisui deitou no banco de trás com Izumi, mas os dois sabiam que ele estava tenso demais para conseguir realmente descansar. Itachi assumiu a primeira vigília e de vez em quando olhava para trás e o via abrir os olhos de forma alerta. Izumi dormia praticamente em cima dele naquele ponto, os braços dele a prendendo como uma criança abraçando um urso gigante. Ela não parecia se importar. Sasuke dormiu torto com a cabeça em seu colo até Izumi vir o substituir as 3 da manhã.
Nesse ponto Sasuke acordou com a movimentação, os olhos alertas e foi a vez de Itachi deitar com Shisui. No momento em que deitou no banco ele o puxou para perto, o colocando na mesma posição em que Izumi estava antes, mas com o peso extra era um pouco mais preocupante para quem havia sido ferido dias atrás.
-Shisui...
-Shh, confortável.
-Desista. – Izumi murmurou. – Ele não vai soltar.
-Ele fica apertando sua bunda também?
-É macia. – Shisui resmungou enfiando a cara em seu cabelo. – É como aquelas bolas de massagem relaxantes.
-Está dizendo que a minha não é macia? – Izumi os olhou pelo retrovisor de relance, um olhar de falsa indignação.
-A de Itachi é maior.
-Hum...isso é verdade. Ele tem uma bundona bonita.
-Será que vocês poderiam parar de falar da bunda do meu irmão?
-Obrigado, Sasuke. Vai dormir Shisui. Izumi, olho ao redor.
-Sim senhor.
-Indo dormir, capitão.
-Vocês são tão ridículos.
-Você ama a gente Itachi. Na verdade, gritou isso bem alto quando Izumi e eu fizemos você...
-Ei ei ei. Shisui, orelhas de criança aqui na frente.
-Desculpa, Sasuke. Você fica tão quieto que esqueço.
-Vou rolar meus olhos em voz alta daqui para frente.
Itachi fechou os olhos e suspirou, sentindo as mãos de Shisui em suas costas relaxando, tentando ignorar o arrepio dos dedos dele passando levemente por baixo da sua blusa.
-Do I wanna know...
-Argh, Itachi! – Shisui choramingou em seu cabelo. Os outros dois grunhiram em desespero e riu baixo com isso. Izumi bateu a cabeça na direção de forma repetida, murmurando como um mantra:
-Meu Deus, mais um mês com essa música na cabeça agora.
Quando finalmente conseguiu dormir, ouviu Sasuke cantarolando baixo e reclamando por isso.
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Sasuke era bom em encontrar coisas, então foi óbvio que foi ele que o viu pela primeira vez.
Eles haviam avistado um ninho saindo de Lake Charles, o maior ninho que viram em muito tempo. Raramente eles eram avistados de dia, a luz do sol parecia ter um efeito danoso por longo tempo, mas pela noite era outra história.
Itachi viu a movimentação deles dentro de uma das igrejas. Pela porta aberta podia sentir os olhos vermelhos os fitando com fome e loucura. A espreita.
Estavam mais do que felizes em sair dali o mais rápido possível.
Izumi tomou a direção dessa vez, Shisui não parecia em sua melhor forma.
-Precisamos renovar o kit de primeiros socorros, eu vi um hospital quando passamos aqui ontem.
Não estava gostando da cor do ferimento de Shisui, ou em o quanto ele estava quente.
-Precisamos sair daqui rápido. – Ele resmungou, encostando a cabeça em seu ombro de forma cansada. Izumi o olhou pelo retrovisor, preocupada.
A atenção dos três foi para Sasuke quando ele fez um som surpreso, os olhos alertas. O corpo pequeno se empertigou no banco da frente e o viu tocar o trinco da porta de forma reflexiva.
-Sasuke? – Izumi segurou o braço dele, a voz em aviso.
-Tem...Tem uma criança. – Ele falou confuso. – Lá dentro, com eles.
Itachi ficou tenso. Não era raro, crianças eram mordidas também, mas nunca 'sobreviviam' muitas semanas. A infecção colocava uma carga além dos limites do próprio corpo que um corpo pequeno não aguentava.
Fitou na direção em que ele apontava e viu uma criança loira na porta, parecendo tentar puxar o caminho entre o amontoado de corpos.
-Sasuke, não olhe.
-Não, não, ele não é um deles. Os olhos.
Tentou ver confuso o que ele tanto apontava, e foi quando a criança fez contato visual. Um rosto pequeno e pálido, cabelos loiros sujos, e grandes olhos espantados.
Coerentes.
Azuis.
-Puta merda. – Shisui xingou ao seu lado, tendo visto também.
-Temos que parar.
-Sasuke, nós não... – Uma mão agarrou a cintura da criança loira, tentando o puxar para mais a fundo no ninho. Itachi nunca havia visto eles se comportarem dessa forma com ninguém. Apesar dos olhos azuis, não tinha como aquela criança não ser um deles, ou já estaria morta àquele ponto, ou sendo atacada.
-Não, temos que parar! Temos que ajudar! Izumi! Destrava a porta!
Itachi fitou Izumi pelo retrovisor. Os dois não sabiam o que fazer.
Por sorte ou não, a escolha foi tirada das mãos deles. Ouviram o som de tiros e gritos estrangulados. A besta que puxava a criança caiu e as outras ao redor gritaram confusas. Um Impala parou com uma freada na frente da igreja e um homem de cabelos grisalhos e com uma M4A1 praticamente saltou da porta do passageiro, seus tiros precisos derrubando as bestas ao redor até a criança se ver livre e correr lá de dentro.
Itachi viu mais duas pessoas no carro. Uma mulher de cabelos rosa estava na direção, e havia mais alguém no banco de trás. Quando retornou os olhos a cena viu o garoto loiro correr entre os carros com uma velocidade surpreendente para um corpo tão pequeno, saltando em entulho em direção ao homem até se jogar nos braços dele, soluçando.
Tudo ocorreu rapidamente. Sasuke ainda estava com a mão no trinco, Izumi havia parado totalmente o carro naquele ponto, Shisui xingou baixo ao seu lado, febril.
E a mulher de cabelos rosas fez contato visual direto com Itachi, olhos verdes surpresos e cautelosos.
Parece que teriam companhia.
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Ela era médica. E tinha um grande suprimento médico com ela. E não era uma grande sorte? A viu trabalhar em Shisui rapidamente e de forma eficiente.
-Foi um corte com metal? – A voz dela era forte para um corpo tão magro, as mãos rapidamente limpando o ferimento. Shisui apertava sua mão com força, Izumi limpando o rosto dele suado. O grupo havia tomado posse de um quarto em um hotel abandonado na saída da cidade enquanto se avaliavam.
Itachi vagou os olhos até Sasuke com cautela, e o viu sentado com as outras duas crianças nas poltronas perto da janela do quarto. A criança loira ainda parecia um pouco abalada, encolhida contra um menino ruivo com os olhos desconfiados demais para alguém tão jovem. Os três pareciam ter uma conversa estranha, onde o loirinho falava e falava sem parar e os outros dois apenas ouviam.
Estava um pouco impressionado com a paciência de Sasuke com isso. Talvez fosse o fato de aquelas serem as primeiras crianças da idade dele que ele via em anos.
-Um pedaço de cerca. – Izumi respondeu. – Ele vai ficar bem?
-Agora deve ficar. Vocês não tiveram o reforço contra tétano nos últimos 10 anos, tiveram? – Negou devagar e ela suspirou. – Foi o que pensei. Por sorte tenho estoque, vou vacinar vocês. O garoto tomou a primeira? Sim? Bom, apenas um reforço também.
Sentiu um alivio imenso o tomar. Pela ajuda, e ao ver o homem grisalho vigiar a janela. O viu sorrir para as crianças, passando a mão na cabeça loira da passagem. Um adulto.
Bem, um adulto desconhecido, mas que Itachi estranhamente confiava de cara. Era algo raro de acontecer. Talvez tenha sido a forma como ele tenha resolvido a situação tão rapidamente, em como eles dois tomaram controle, e os ajudaram. Eram sempre os três por tanto tempo e agora...
-Meu nome é Sakura. – A mulher anunciou, terminando o curativo. Shisui parecia sonolento na cama, exausto. – O grisalho é Kakashi. O loirinho que gosta de arrumar confusão. – Ela falou mais alto e a criança se encolheu contra o ruivo com isso. – É o Naru. O cabeça vermelha é o Gaara. Ele parece que tem 12 anos, mas tem a cabeça de um idoso.
-Ei!
Ela riu e colocou as mãos na cintura, os avaliando. Notava agora que ela parecia jovem, mais jovem do que devia ser, já que era médica, e devia ser formada já há algum tempo. O grisalho, ao contrário, notava que tinha um rosto jovem, mais jovem do que os cabelos brancos indicavam. Ele acenou ao notar o seu escrutínio. A máscara cirúrgica não deixava ver se sorria, mas era claro em seus olhos quase fechados.
-Se me permite, qual o parentesco de vocês? – Shisui, sempre o indelicado, perguntou de forma curiosa e sonolenta.
-De sangue? Nenhum. – Ela admitiu, avaliando se o loirinho estava ferido, enquanto o ruivo o abraçava de forma um pouco possessiva. Viu Sasuke rolar os olhos com isso e sorriu. Ah, o drama pré-adolescente. – A mãe dessa peste aqui era minha professora e amiga, os pais dele eram pais adotivos de Kakashi, praticamente. A irmã mais velha de Gaara era minha amiga.
Era. Não perdeu o verbo no passado. Eles deviam ser da idade de Sasuke, ou mais novos até.
-E vocês?
-Itachi e Sasuke são irmãos. – Izumi respondeu. – Shisui é primo de Itachi em primeiro grau, eu sou prima distante.
-Se me permite. – Kakashi comentou, sem tirar os olhos da janela. – Vocês parecem bem...jovens. Há quanto tempo estão sozinhos?
Os três se entreolharam. Shisui deu de ombros.
-Dois anos.
Não perdeu o olhar da mulher para o homem grisalho. Os dois pareciam ponderar algo. Os dois fitaram as crianças, e via agora que o loirinho havia migrado para a poltrona de Sasuke e estava o ensinando algo com uma liga na mão. Seu irmão parecia concentrado nele, uma expressão determinada, mas sabia que ele ouvia a conversa de forma atenta.
Como sempre.
-Sabe. – Kakashi comentou e a mulher deu um suspiro resignado. – Estamos indo em direção ao Alaska. Temos provisões o bastante, e sabemos onde parar para abastecer sem precisar trocar de carro. Antes de toda essa crise eu era do exército, podemos cuidar um dos outros.
A oferta foi uma surpresa. Eles estavam na vantagem, clara. Tinham uma médica, armas e um profissional. Pelo o que havia visto mais cedo, até as crianças conseguiam se virar mais do que alguém da idade deles, se o menino havia sobrevivido dentro do ninho daquela forma. Não havia razão para querer três adolescentes e uma criança com eles, seriam quatro bocas a mais para alimentar e se preocupar.
Por outro lado, havia algo a mais ali. Ele ainda lembrava do garoto no meio das bestas. Elas não o atacaram. Estavam o puxando para dentro, mas não o machucaram. Quanto mais pensava nisso, mais sentia dor de cabeça.
Sentiu os olhos de Izumi e Shisui nele. Claro que eles deixariam a decisão para ele. Pela cara de Shisui ele estava cauteloso, pela de Izumi, ela queria aceitar, mas não se eles não aceitassem também. Sasuke era claro, sem nem precisar olhar para ele.
Ele já havia tomado sua decisão, mas tinha que perguntar.
-O que tem no Alaska?
Kakashi sorriu.
-A resistência.
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