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Visita

— Filha, fiz um lanchinho para vocês. — Catarina sobe as escadas e dá de cara comigo, espiando pela fresta da porta.

A voz de Catarina faz Nathan e Marina se afastarem rapidamente.

— Ah, meu Deus. Eu atrapalhei, não atrapalhei? — Catarina sussurra para mim.

Encolho os ombros e abro a porta, mordendo meu lábio inferior. Nathan e Marina estão ruborizados e fitando os pés.

— Então, mãe... — Marina cruza as mãos nas costas. — Você disse "lanche"?
— Ah, eu disse... Não disse? — Catarina me olha.

Consinto com a cabeça, segurando um sorriso.

— Ótimo. Vamos comer, então. — Marina sai na frente, sinalizando para a seguirmos.

— Eles se beijaram, não é? — Catarina me pergunta em um sussurro.

Consinto novamente, sorrindo.

Ela retribui meu sorriso e apoia sua mão em meu ombro, me guiando até a cozinha.

— Têm sido tão frustrante. — Marina lamenta, já na mesa. — Sequer lembro quem eram meus amigos. Tudo o que tenho são flashs de memória e na maioria das vezes, surgem apenas em sonhos. Nunca sei se é real ou não.
— Mas isso é um bom sinal. — Comento. — Significa que suas memórias estão voltando. Aos poucos, mas estão.
— É. — Ela sorri fraco. — Bem aos poucos.
— E seu pai? Têm vindo aqui?
— Raramente, Nathan. — Marina suspira, rindo sem humor em seguida. — Pai. Essa palavra soa tão estranho.
— Por que?
— Sempre que o vejo, sinto um aperto tão grande no peito. Isso chega a me assustar.

Nathan e eu nos entreolhamos.

— Por que te assusta? — Questiono.
— Porque é um sentimento muito ruim. Não consigo denominá-lo, mas seria talvez um misto de medo, raiva e até mesmo, pena. Eu não deveria sentir isso por meu pai, deveria?

Nenhum de nós é capaz de respondê-la.

— Suas emoções ainda estão muito abaladas, querida. É normal que se sinta confusa. — Catarina segura sua mão com ternura.
— Não tente fazer isso parecer normal, mãe.

Catarina cerra os lábios, constrangida.

— Eu só quero ter minha vida de volta, minhas lembranças. Quero entender porque sinto essas coisas e até mesmo, porque às vezes não sinto nada. Vocês entendem isso?
— Claro que sim, Ma. — Nathan a olha com compaixão. — E nós estamos aqui para te ajudar.
— O neurologista também. — Ela solta um riso sem humor. — Mas não está dando muito certo.

Nathan fica em silêncio por alguns segundos. Quando seus olhos encontram os de Marina novamente, ele afirma:

— Você vai recuperar sua memória, Ma. Acredita em mim.
— Como você tem tanta certeza disso?
— Porque nós vamos revivê-las. — Ele se levanta, estendendo a mão à ela. — Vem comigo.
— Para onde?
— Surpresa.

Marina olha para Catarina, que consente.

— Tudo bem. — Ela se levanta e respira fundo. — Vamos.

Nathan sorri e me chama para acompanhá-los.

— Vão com Deus. E tomem cuidado. — Catarina se despede.

Nathan a guia até seu carro. Enquanto Marina se senta no carona, eu me ajeito no banco traseiro.

— Coloquem o cinto, garotas. Nossa missão vai começar. — Nathan pisca.

Sorrio observando Marina, que o fita pelo canto do olho, desconfiada.

Nathan também percebe seu olhar, mas prefere ignorar, sorrindo e dando partida no carro.

— Chegamos. — Nathan avisa pouco depois, estacionando o carro na porta do Alemão.
— Um pub?
— Bem vinda ao Armazém do Alemão. — Sorrio torto.

Descemos os três do carro e adentramos o local.

E aí, Alemão. Beleza? — Nathan cumprimenta o dono do bar.
— Nathan, quanto tempo! — Ele aperta sua mão, sorrindo. — Você sumiu!
— Pois é. Muito trabalho, pouco tempo. — Ele meneia a cabeça.
— E o que, felizmente, te traz de volta?
— Vim acompanhar uma velha amiga.  — Ele abre espaço para Alemão ver Marina. — Se lembra dela?
— Minha melhor cliente está de volta? — Alemão sorri, dando a volta no balcão para cumprimentá-la. — Que bom te ver, Marina!
— Ah, obrigada. — Ela sorri, um pouco embaraçada. — É... Bom te ver, também.
— Oi, Alemão. — Cumprimento-o.
— Como vai, Helena? — Ele sorri.
— Bem, obrigada.

Marina olha em volta, curiosa.

— Ei, vamos nos sentar? — Sugiro para ela, que concorda e me segue até a mesa.

— A Marina está estranha ou é impressão minha? — Alemão comenta em voz baixa com Nathan.
— Ela ainda não se lembra de nada.
— Nada? Nadinha de nada?
Nadinha. — Nathan cerra os lábios.
— Sequelas do acidente?
— Sim.
— Coitada. Uma menina tão boa, não merecia passar por isso.
— Não mesmo. — Os dois a observam, discretamente. — Mas a memória dela vai voltar.
— Vai sim, com fé em Deus.

Nathan sorri.

— Fico feliz que você a tenha trazido aqui. Vou preparar o suco preferido dela. — Alemão sorri e completa: — Ela sempre pede o mesmo quando está de penitência.
— Certo. Obrigado, Alemão. — Nathan lhe dá dois tapinhas amigo no ombro e se junta a nós.

— E então, gostou daqui? — Nathan se senta em nossa companhia. 
— Adorei. É bem legal. — Marina olha em volta. — Me parece familiar também.
— Aqui era seu refúgio. — Comento. — Seu lugar preferido em toda a cidade.
— Tenho bom gosto, então. — Ela brinca.

Nós rimos.

— Obrigada por me trazerem aqui. Está sendo bom sair da bolha.
— Por mim, faremos isso sempre. — Sorrio.
— Por mim, também. — Ela retribui.

— Com licença. — Alemão chega, pouco depois, com três copos. — Suco de limão para o rapaz, de morango para Helena e de laranja com cenoura para Marina.
— Obrigada. — Ela sorri. — Nossa, eu adoro essa combinação.
— Eu sei. — Alemão também sorri. — Bom, se precisarem de algo, é só chamar. Com licença.

Marina fita seu copo por alguns segundos, depois sorri.

— O que foi? — Nathan a observa.
— Nada. É só que... É a primeira vez que me sinto bem de verdade, desde que saí do coma. — Ela suspira, parecendo aliviada. — Obrigada por tudo o que vocês estão fazendo por mim.
— Não tem que agradecer, Ma. Você faria o mesmo por nós.

Ela consente.

— Alemão é o dono daqui?
— É sim. — Nathan a responde.
— Algo nele me é familiar.
— Vocês tinham uma boa relação.
— Outro amigo que não me lembro?
— Sim.

Marina observa Alemão, que analisa algo no computador. Em seguida, ela fica em silêncio, olhando fixamente para algo que não conseguimos visualizar.

— Eu estive aqui. — Ela afirma, segundos depois. — Estive aqui antes do meu acidente, não estive?
— Esteve. — Nathan responde. — Um dia antes.
— Eu estava com alguém... Um rapaz. — Marina franze o cenho, forçando a memória. — E conversávamos sobre algo importante.
— Esse rapaz se chama Leonardo. — Digo.
— Leonardo... — Ela sussurra. — Eu me lembro.

Olho para Nathan, com os olhos arregalados.

— Do que você se lembra? — Nathan questiona.
— Ele me pedia para esquecer... Mas eu repetia que não, que não podia simplesmente deixar para lá.
— Deixar o que para lá? — Pergunto.
— Eu não sei... Não... Não consigo me lembrar. — Ela apoia a cabeça nas mãos. — Merda!
— Está tudo bem. — Nathan a consola. — Viu só? Você está começando a se lembrar.

Marina suspira e, em seguida, conclui:

— Eu preciso vê-lo!
— Ver quem?
— Esse tal Leonardo. Tenho certeza que ele pode me ajudar.

Nathan bufa e isso não passa despercebido por mim, que sorrio.

— Claro, Ma. Ele vai adorar te ver.

— Você é péssimo em disfarçar seu ciúme, sabia? — Jogo minha bolsa no sofá de Nathan, depois de deixarmos Marina em sua casa.
— E você é uma grande traidora! — Ele aponta.
— Eu? — Faço-me de ofendida.
— "Ele vai adorar te ver." — Nathan me imita, irritado.

Não me aguento e acabo dando uma risada.

—  E por acaso eu menti? Ele vai adorar vê-la mesmo! — Dou de ombros. —  E você não tem motivo nenhum para ficar assim. Marina é louca por você. Sempre foi.
— O problema é que eu nunca valorizei isso. — Nathan suspira, de ombros baixos. — Só me dei conta do quanto gostava dela quando quase a perdi.
— Quase, mas não perdeu. E agora tem a chance de fazer tudo certo. — Bato de leve em sua cabeça. — Vê se não desperdiça dessa vez, cabeçudo.

Nathan me lança um olhar de desafio e ameaça me fazer cócegas.

— Nem pense nisso!

Tento me defender, mas ele age mais rápido. Rio até quase perder o fôlego, quando, finalmente, ele decide parar.

— Eu te amo, sabia? — Ele segura meu rosto entre as mãos.
— Eu te amo mais. — Sorrio, ainda me recuperando do ataque de cócegas e o abraço apertado. — Ah! E já vou avisar: — Ergo o indicador — acho lindo o casal e super apoio, mas não se esqueça de que eu sou a primeira mulher da sua vida. — Dou ênfase no "eu". — Depois da sua mãe, é claro.
— Você vai ser sempre o grande amor da minha vida, Le. — Nathan ri, afastando meus cabelos do rosto. — Platônico, mas sempre meu amor.

Sorrio e afundo meu rosto em seu peito. Ficamos assim por um algum tempo, até sermos interrompidos por uma chamada no celular de Nathan.

— Ah, é o meu chefe. — Ele ergue o celular no ar. — Eu já volto, ok?
— Ok.

Fico o observando ir até seu quarto, atender a ligação. Nesse mesmo momento, me lembro da lista que encontrei no computador de Otávio e, sem demora, ligo para Leonardo.

Diga, Heleninha.
— Nossa, Heleninha? Jura, Leo?
— Prefere no aumentativo?
— Idiota. — Dou uma risada. — Posso saber qual o motivo desse bom humor todo?
Eu sou um cara bem humorado.
Ah, claro que é.
Ei, me deixe. — Leo ri fraco. — Ligou para implicar comigo e meu humor?
Antes fosse. — Suspiro. — Achei uma coisa no computador do Otávio. Duas, na verdade.
Coisas? Que coisas?
— Primeiro, um documento digitalizado, onde o avô de Caíque passa sua parte nas ações da Exxon para Otávio.
— Não brinca! Que auto sabotagem!
— Não é? Foi o que pensei. E a outra é... Um tipo de lista.
— E o que tem nessa lista?
— Nossos nomes.
— Certo, isso não parece ser bom. Com certeza não é uma lista VIP para uma festinha. Você lembra em que ordem os nomes apareciam?
— Não me pareceu ter alguma ordem de relevância.
— Você consegue ter acesso à ela novamente?
— Se Otávio me manter como sua secretária, sim.
— Faça isso acontecer, então.
— Como?
— Ora, jogue seu charme.
— Ele me dá medo. Não sei se consigo fazer isso.
Tudo bem, eu te entendo. Se não conseguir, não tem problema, eu darei outro jeito de ter acesso à ela.
Mas você acha que tem uma ordem? E se tem, é uma ordem de que tipo?
Espero que eu esteja errado. Mas suponho que seja uma lista de impecílios. Impecílios esses que Otávio queira se livrar.
Eu temia por essa resposta. E "impecílios" era justamente o nome da lista. Leo, ele vai nos matar?
Ei! É claro que não! Onde está seu otimismo, mulher?
Anda bem abalado ultimamente.
Fica tranquila, ok? Eu nunca vou deixar nada de mal te acontecer.
Mas isso não se trata de mim. Se trata do Nathan, do Caíque, da minha irmã. E de você também, Leo.
— Farei o possível e o impossível para proteger todos vocês.
E à você... Quem protege?
Eu tenho o santo forte.

Sorrio fraco. O silêncio se propaga pela linha

Helena. — Leo retoma, pouco depois.
Oi.
Almoça comigo amanhã?
Ah... Amanhã?
— Tem algum compromisso?
— Não, não tenho.
Então é um sim?

Dou uma risada.

Sim.
— Ótimo. Te busco ao meio dia, ok?
— Ok.
— Beijos.
— Beijo.

Desligo o celular com um sorriso de descrença nos lábios.

— Não, não e não,  Helena. — Digo à mim mesma. — Você está louca! Louca e carente. Leo não estava flertando com você!
— Deu de falar sozinha agora? — Nathan retorna à sala.
— Bem, às vezes acontece. — Encolho os ombros, disfarçando.
— Vou buscar nosso jantar, tudo bem?
— Certo. Vou tomar um banho enquanto isso, então.
— A louça é sua, ouviu? — Nathan avisa antes de sair.
— Novidade. — Reviro os olhos, indo para o banheiro.
— E sem reclamar! — Ele grita, já do lado de fora.
— Tchau. — Dou uma risada.

Tomo um banho rápido e quente, me seco e visto meu shorts de pijama e uma camiseta. Segundos antes de eu ligar o secador, a campainha toca.

— Esqueceu a chave, gênio? — Brinco, indo abrir a porta. — O que...O que você faz aqui? — Indago, com o coração prestes a saltar pela boca, encarando a pessoa parada na porta.

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