Viagem
São quase quatro da manhã e eu ainda não dormi.
Simplesmente não consigo.
A ficha está demorando a cair.
Me pego olhando a todo instante pela janela, na esperança de que Caíque estacione seu carro, desça e abra aquele sorriso lindo, dizendo que tudo não passou de uma grande brincadeira.
O problema é que ele nunca chega.
— Bom dia, Le. — Nathan surge na cozinha vestindo apenas uma calça de moletom cinza.
— Bom dia, Than.
— Que cheirinho bom de café.
— Quer? Acabei de passar. — Ofereço uma xícara a ele, que aceita, me dando um beijo na testa.
— Você madrugou hoje. Dormiu bem? — Ele toma um gole de café.
Suspiro e desvio meu olhar.
— Não pregou os olhos a noite toda, não é?
— Não.
— Ei, vem cá. — Nathan me puxa para um abraço. — Odeio te ver assim.
— Logo isso passa, Than.
— Le, para de se fazer de durona, de fingir que não está doendo. Sei que tem um coração muito machucado aí dentro.
Essas palavras me fazem desabar.
Afundo meu rosto em seu peito e choro. Ele, por sua vez, me acolhe e sussurra:
— Eu vou te ajudar a curá-lo, ok? Vou cuidar de você, sempre.
Em meio às lágrimas, um sorriso brota em meus lábios. E em silêncio, agradeço a Deus por tê-lo em minha vida.
Após me recuperar, lavar o rosto e respirar fundo, me arrumo e pego uma carona com Nathan até o apartamento.
— Se você precisar de qualquer coisa, me liga que eu venho correndo, ok?
— Ok!
— Se cuida.
— Você também.
Desço do carro e aceno uma última vez. Depois, encaro o prédio e entro a passos firmes.
Israel sorri logo que me vê.
— Bom dia, Helena.
— Oi, Israel. — Abraço-o. — Como vai?
— Tudo certo, graças a Deus. E você? — Ele me olha. — Parece triste.
— Ah, nada demais. Só alguns problemas. — Desconverso. — Mas, me conta uma coisa... Lívia apareceu por aqui ontem?
— Não que eu tenha visto. Por quê? Aconteceu alguma coisa?
— Você não vai acreditar se eu contar.
— Ah, vou sim. Manda!
Conto tudo sobre o que houve em meu encontro com Lívia, enquanto Israel ouve atentamente. Só o privo do que aconteceu em seguida.
— Então, nós tínhamos razão em dizer que ela não era confiável!
— Pois é.
— Toda essa história de ser irmã da Alice, era tudo mentira?
Consinto com a cabeça.
— Ela só se aproximou da Alice para me espionar.
— E por que ela te espionaria? — Israel reflete por um instante. — Ou melhor, para quem?
— Suspeito que seja para uma ex de Caíque.
— Tá zoando?! Uma ex foi capaz de armar todo esse circo só para espionar você?
— Loucura, não é?
— Completamente! — Israel processa as informações, perplexo. — Mas ela não conseguiu nada, certo? Afinal, você desmascarou Lívia e estragou todo o plano... Não é?
Nego.
— Ah, caramba. Ela armou para você.
Meus olhos se enchem de lágrimas, mas disfarço.
— Ela me dopou e me levou até um hotel, onde estava um cara que fingiu ser meu amante para Caíque. Agora, ele está acreditando que eu o traí.
— Ah, fala sério! É um babaca mesmo!
Sorrio fraco.
— Alice já sabe disso?
— Ainda não.
— Então vá logo contar para ela!
— Certo. Estou indo. — Respiro fundo e me viro para o elevador.
— Helena! — Israel me chama. — A verdade sempre vence.
Sorrio, antes da porta se fechar.
— Oi família. — Entro no apartamento e encontro dona Camélia assistindo a um programa de culinária.
— Oi querida, que surpresa boa! — Ela se levanta e me abraça.
— Aprendendo receitas novas? — Aponto para a TV.
— Tenho que me manter atualizada. E é sempre bom aprender coisas novas.
— Tem razão. E Alice, onde está?
— Está dormindo ainda.
— Preciso tanto falar com ela.
— Você está com uma carinha... O que houve?
— Ah, Camélinha... — Sento no sofá, desanimada. — Acabou tudo.
— Tudo o quê?
— Meu casamento.
— Seu casamento? Como assim, filha?
— Aquela desgraçada da Lívia armou para me separar do Caíque.
— Como é, Lena? — Alice sai do quarto, ainda de pijamas. — O que você disse que a Lívia fez?
— Ela armou para o Caíque acreditar que eu o traí.
— Calma, isso nem faz sentido. Por que ela faria uma coisa dessas?
— Porque a contrataram para isso. Era tudo mentira, Alice! Ela não é sua irmã. Tudo fazia parte de um plano. Um plano para me separar do Caíque.
— O-o quê? — Alice tenta assimilar as informações. — Não, Lena... Ela sabe tudo sobre mim, minha família... E a foto... Somos nós nela.
— Provavelmente, é uma montagem muito bem feita. Ou talvez nem seja ela aquela garotinha da foto. E sobre a história da sua família, a cidade inteira sabe. A única coisa que ninguém nunca soube era da existência dessa irmã.
— Não... — Alice chora. — Ela não fez isso comigo. Como ela pôde brincar desse jeito com a minha vida? Com meus sentimentos?
— Eu te disse, Li. Algumas pessoas são capazes de tudo por dinheiro.
— Ela se aproximou de mim para acabar com seu casamento?
Concordo.
— Quem a contrataria para isso?
— Laila.
— Meu Deus! Depois de todo esse tempo?
— Pois é. Pelo visto, ela nunca desistiu, só nos fez acreditar nisso.
— Era por isso que Lívia me perguntava tanto de você. — Alice vai concluindo. — Sempre interessada em saber sobre você, sua relação com Caíque... Meu Deus! — Posta as mãos na cabeça. — Como eu fui burra!
— Você não teve culpa de nada, Li.
— Como foi que elas armaram essa traição?
— Eu fui me encontrar com Lívia no Coffee Lab, para tentar desmascará-la para você. Queria te provar que ela armou todo o episódio com Israel e que ela não era sua irmã coisa nenhuma. O problema é que ela já esperava por isso e foi aí que meu feitiço se virou contra mim. Lívia me dopou e me jogou em um quarto de hotel com um cara, onde Caíque chegou e nos "flagrou". Agora ele está convicto de que eu o traí.
— Lena, eu sinto muito. Eu deveria ter percebido... Foi só eu sugerir que fizéssemos um teste de DNA, que ela se afastou. Tão óbvio... Como eu pude ter sido tão idiota?
— Pare de se culpar, Li. A culpa foi toda minha. Eu caí em minha própria armadilha.
— Armadilha que você fez para abrir meus olhos.
— Acho que pelo menos isso eu consegui, né? — Sorrio fraco.
— Me perdoa por não ter acreditado em você. Aliás, em todos vocês. — Alice olha para Camélia. — Eu fui tão injusta, principalmente com o Israel.
— Você pode consertar tudo. Tenho certeza que ele te perdoará. — Camélia acaricia seu ombro.
Alice sorri fraco e se volta para mim.
— E o Caíque, onde está?
— Eu não sei. — Encolho os ombros. — Ele foi embora do hotel transtornado depois de ver aquela cena patética.
— Que cena?
— Eu de lingerie na cama e um cara pelado no banheiro.
— Caralho! — Alice boquiabre-se. — Desculpa, Camélinha.
— Elas pensaram em tudo. O cara agiu como se fôssemos íntimos, que eu havia escondido o fato de ser casada... — Suspiro. — Enfim.
— Quando foi isso?
— Ontem.
— E onde foi que você passou essa noite? — Camélia indaga.
— Na casa do Than.
— Por que você não veio para cá, filha?
— Aqui me lembra muito ele... Eu não consegui vir. — Meus olhos marejam.
— Mas, irmã — Alice segura minha mão — você já tentou conversar com ele? Explicar o que houve?
— Sim. Logo que me recuperei de todo o episódio, fui com Nathan explicar tudo a ele, mas quando cheguei em casa, encontrei a sala toda destruída, nossos retratos quebrados pelo chão. No quarto não havia mais nada dele... — Baixo os ombros. — Caíque foi embora sem ao menos me dar uma chance de explicar o que aconteceu.
— E aí, você simplesmente desistiu?
— O que você quer que eu faça? Que eu me arraste atrás dele, implorando perdão?
— Não. Quero que você prove a ele que é uma mulher digna, incapaz de fazer uma coisa tão baixa quanto essa. Quero que ele veja a mulher maravilhosa que está perdendo por um orgulho ridículo.
Lágrimas rolam de meus olhos e molham meu sorriso.
— Eu te amo tanto. — Abraço-a.
— Eu te amo muito mais. E fica tranquila, nós vamos provar sua inocência. Vem, nós vamos sair. — Ela se levanta e me puxa pela mão.
— Sair? Para onde?
— Você já vai saber. Só vou me trocar e já vamos.
Troco um olhar com Camélia, que parece tão confusa quanto eu.
—- Não me pergunte. — Camélia encolhe os ombros. — Nunca sei o que se passa nessa cabecinha.
— Você tentou ligar para ele? — Alice pergunta, enquanto dirige.
— Tentei. Só dá caixa postal.
— O Paulo, com certeza, deve saber onde ele está.
— Estamos indo para a agência, então?
— Sim. Precisamos de informações. — Ela coloca os óculos escuros. — Essas vadias mexeram com as irmãs erradas!
— Olá, ma chérie. — Um rapaz muito elegante e bonito vem sorrindo em nossa direção. — Trouxe companhia hoje?
— Sim, essa é minha irmã...
— Helena, é claro. — Ele sorri, me cumprimentando com dois beijos. — Que prazer finalmente conhecê-la.
— O prazer é todo meu... Antony, certo?
— Primeiro e único. — Ele pisca e se volta para Alice. — Mas ma chérie, pensei que não havia nada marcado para hoje.
— E não há mesmo. Na verdade, viemos falar com o Paulo.
— Aconteceu algo? Vocês parecem tensas.
— É uma longa história. Depois te explico tudo.
— Tudo bem. Boss está em sua sala, vão lá.
— Obrigada, Antony. Você é o melhor. — Alice beija seu rosto.
— É claro que sou. Agora andem, antes que ele saia. — Ele nos dá um tapa no bumbum. — Vejo vocês depois.
Caminhamos pelos corredores, até chegarmos à porta da sala de Paulo.
Alice bate. Ouvimos um "Pode entrar".
— Oi Alice. — Paulo sorri, logo que a vê.
Eu entro em seguida.
— Helena? Que surpresa você por aqui!
— Oi Paulo. — Sorrio rápido.
— Precisamos de sua ajuda. — Alice dispara.
— Minha ajuda? O que houve?
— Conta para ele, irmã.
Respiro fundo e conto tudo o que aconteceu no dia anterior.
— É sério isso?
— Não. Ela está brincando. — Alice ironiza. — É óbvio que é sério, Paulo!
— Ei, calma. Foi só força de expressão. — Ele se defende, erguendo as mãos.
— Você faz alguma ideia de onde ele possa estar? — Pergunto.
— Claro que sei. Ele me ligou ontem avisando que iria viajar. Mas eu pensei que você iria junto.
— Para onde ele foi?
— Para o Sul.
— Sul, é sério?
— E agora? — Olho para Alice.
— E agora você vai atrás dele. — Paulo simplifica. — Eu sei a cidade e o hotel em que ele está hospedado.
— Ele não vai acreditar em mim. Vai ser um sacrifício em vão.
— O que está havendo com você, Helena? Sempre admirei sua coragem e força de vontade. Onde elas foram parar?
— Você tem razão. — Confirmo, após refletir por alguns segundos. — Me passe o endereço.
— Agora sim! — Paulo sorri e digitaliza o paradeiro de Caíque.
— Muito obrigada, Paulo. Você, pela segunda vez, me ajudando.
— Não há de quê. — Ele sorri e me abraça. — Boa sorte.
— Obrigada!
Deixamos a sala de Paulo e vamos até a recepção, onde Antony nos espera.
— E então, deu certo?
— Deu. — Alice comemora. — Bom, pelo menos a primeira parte.
— E qual seria a segunda?
— Preciso ir para o Sul.
— Jura? Adoro o Sul. Principalmente os homens de lá. — Antony sorri, maliciosamente. — Mas... O que exatamente você vai fazer lá, querida?
— Explicar um terrível mal entendido.
— Mal entendido entre...?
— Eu e meu marido.
— Ai, conflitos amorosos. Sei bem como são complicados. — Faz um bico. — Ando tão desacreditado no amor... Mas, voltando ao foco, para qual cidade você vai?
— Gramado. O único problema é que não conheço simplesmente nada lá. Vai ser um tiro no escuro.
— Como você nunca foi à Gramado? Eu mesmo já visitei a cidade, no mínimo, dez vezes. Conheço lá como a palma de minha mão.
Alice o olha, sorrindo grandemente.
— O que foi? — Antony a encara. — Você só faz essa cara quando quer alguma coisa.
— Acompanha minha irmã nessa viagem!
— Eu?
— Alice! — Repreendo-a, envergonhada pela intimação.
— Por favor, Antony. Eu não posso deixá-la ir sozinha, mas também não posso acompanhá-la. E sei que com você, ela estará em boas mãos.
Ele pensa por um instante.
— O que você me pede sorrindo, que eu não faço chorando, não é? — Antony revira os olhos, com um sorriso nos lábios.
— Isso é um "sim"? — Alice ergue as sobrancelhas.
— Você aceita minha companhia, bela Helena? — Antony estende sua mão para mim.
— Será uma honra.
— Você é muito cara de pau, sabia? — Esbravejo com Alice, já de volta ao carro.
— Te arrumei a melhor companhia que existe para viagens e você me agradece assim?
— Li, ele mal me conhece. Conversamos hoje pela primeira vez.
— Ele te conhece melhor do que você imagina. Eu vivo falando de você.
Não consigo segurar uma risada.
— Lena, isso tudo aconteceu por minha causa, então vou fazer o que for preciso para resolver essa situação.
— Não foi culpa sua.
— Foi sim. Todos vocês me alertaram, mas eu preferi acreditar em uma pessoa completamente estranha. Olha aí no que deu. Eu até terminei meu namoro por causa daquela vaca!
— Você deveria conversar com o Israel. Vocês precisam se acertar.
Alice suspira.
— O que foi?
— Nesse tempo em que nós terminamos, Paulo e eu acabamos nos aproximando.
— Você e o Paulo... Vocês estão ficando? — Boquiabro-me.
— Não, não. Mas... Acho que estou começando a enxergá-lo de uma maneira diferente e isso está me deixando muito confusa.
— Você está gostando dele!
— Estou? — Ela me olha. — É, acho que estou. Ai, caramba!
Sorrio.
— Você tem meu apoio, seja qual for sua decisão.
— Por isso eu te amo.
Sorrio e beijo sua mão.
Ao final da tarde, Nathan chega no apartamento para me buscar.
— Quem é vivo sempre aparece, não é, senhor Nathan? — Alice o abraça.
— Desculpa não ter vindo mais visitar vocês como antes. Não ando tendo tempo para mais nada.
— Nem para comer meus bolos? — Dona Camélia vai em sua direção.
— Camélinha, que saudade da senhora e dos seus bolos. — Nathan a abraça.
— Lena, já comprei sua passagem. — Alice analisa seu notebook. —Amanhã, às dez da manhã.
— Você vai viajar? — Nathan me olha, sem entender.
— Descobri onde Caíque está.
— Sério? Onde?
— Gramado.
— E com quem você vai?
— Com o Antony. — Alice responde.
— Quem é Antony?
— Amigo da Alice.
— Certo. Você vai ficar bem?
— Mesmo que eu e o Caíque não nos acertemos, eu preciso contar a verdade a ele. Não posso carregar uma culpa nos ombros que não é minha.
— Eu sei. Você tem meu total apoio.
— Obrigada.
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