Verdades na cara
— É o mesmo homem que estampa a matéria! — Leo bate levemente o dedo sobre a tela.
— Então, o que Otávio quer é...
— Vingança.
— Mas nessa época, o senhor Gama nem comandava a empresa ainda.
— Realmente, Vasco não foi o estopim desta vingança. Quem comandava a empresa na época do acontecido era o avô de Caíque. Isso começou por ele.
— Então, por que Otávio quer se vingar de Vasco?
— Não sei. Mas talvez nem seja de Vasco que ele queira realmente se vingar. Talvez seja apenas uma forma de atacar indiretamente o culpado. — Leo sugere, dando de ombros.
— O pai do senhor Gama. — Meneio a cabeça. — É, faz sentido.
— "Senhor Gama"? — Ele sorri torto. — Sogro não cairia melhor?
— Com um ex na frente? — Dou de ombros. — Talvez.
— Certo. Piada ruim, em hora ruim. Desculpe.
— Onde ele está atualmente? — Retomo.
— O pai de Vasco? Em uma clínica de repouso. Não sei ao certo, dizem que adoeceu.
— Caíque nunca me falou dele. Apenas uma vez...
— E o que ele disse?
— Que foi seu próprio avô quem contratou e deu um cargo de confiança para Otávio.
— Ele é realmente esperto. — Leonardo sorri fraco. — Ganhou sua confiança, para depois poder destruí-lo.
— Caramba. — Suspiro. — Isso é loucura demais para mim.
— O que é loucura demais para você? — Alice surge na cozinha.
— A... Rotina maluca do Leo. — Invento.
— O que você faz de tão maluco assim? — Alice o olha com interesse.
— Ah, nada demais. Só...
— Só...?
— Você não acreditaria se ele contasse, irmã. — Abraço-a de lado, olhando para Leo.
— Com certeza, não. — Ele sussurra. — Bom, acho que já vou indo. Sabe... Tenho coisas da "rotina maluca" para resolver ainda. — Sorri.
— É claro que tem. — Ela retribui, com certa desconfiança.
— Foi um prazer te conhecer, Alice.
— O prazer foi meu. Apareça mais vezes.
Leo confirma e vai se despedir de Camélia.
— Esse cara é estranho. Um gato, — Alice analisa — mas estranho.
Dou uma risada e vou até a porta, me despedir de Leo.
— Te ligo se descobrir mais alguma coisa.
— Está bem.
— Tchau. E obrigado pelo jantar. — Leo pisca.
— De nada.
Fecho a porta sorrindo e dou de cara com Alice me encarando.
— O que foi?
— Esse cara é estranho.
— Você já disse isso.
— Sim. E estou repetindo. Ele é estranho. E misterioso também. — Ela conclui, desconfiada. — De onde você conhece ele?
— Da Exxon. — Minto, indo para a cozinha.
— Ele trabalha lá?
— Não exatamente.
— Resposta mais vaga impossível. — Ela reclama. — Ei, espera... Foi o número dele que você salvou no meu celular antes de ir encontrar o Caíque, não foi?
— Foi.
— Você disse que ele sabia de tudo e que me ajudaria, se eu precisasse. Afinal, ele sabe tudo sobre o quê?
— Tudo sobre tudo. — Dou de ombros.
Alice revira os olhos.
— O que esse cara é? Um detetive, espião? Algum tipo de guarda costas? Ou está mais para vidente?
Dou uma risada.
— Ele é um bom amigo. Apenas isso. — Começo a lavar as louças. — Agora para de viajar e vem aqui me ajudar.
— Pensei que o "bom amigo" já estivesse fazendo isso. — Alice ironiza, pegando um pano.
— Pensou errado. — Entrego um prato molhado à ela, que o enxuga me olhando com cara de poucos amigos.
— Boa noite, minhas meninas. — Camélia nos aplica um beija na testa, já pronta para dormir.
— Boa noite, Camélinha.
— Bons sonhos. — Mando um beijo.
— Ei Lena, você já está com sono? — Alice me pergunta, após Camélia ir se deitar.
— Não. E você?
Alice nega.
— Vamos assistir um filme?
— Vou pegar o edredom. — Sorrio.
Nos ajeitamos no sofá e colocamos um filme na TV.
— Ai, que saudades eu estava de ficar assim, grudadinha com você. — Alice me agarra, enquanto assistimos o filme.
Eu sorrio e a aconchego em meus braços.
— Lena, eu estava pensando...
— Sobre o quê?
— Eu tenho um dinheiro guardado... Não é nenhuma fortuna, mas é uma boa quantia.
— Certo. E...? — Continuo a assistir o filme, fazendo cafuné em seus cabelos.
— E se nós alugássemos um apartamento em outro lugar? Você, eu e a Camélia. Recomeçar, sabe? Deixar todo o sofrimento e más lembranças para trás.
— Não está sendo fácil ver o Israel todos os dias, não é?
— Não. Têm sido uma tortura, na verdade. — Alice baixa os olhos. — Mas não estou pensando só em mim. Sei que aqui te lembra o Caíque também. É por isso que você tem preferido ficar na casa do Than, não é?
— É. — Suspiro.
— Então, vamos embora daqui. O que você me diz? Topa?
Sorrio, sem respondê-la.
— Diz que sim, vai!
— Vamos pensar com calma sobre isso, ok?
Alice revira os olhos.
— Não quero que você acabe com suas economias, Li. Sei o duro que você deu para conseguir isso.
— Esse dinheiro é nosso. Vocês sempre fizeram tanto por mim. E se agora eu posso proporcionar um pouco mais de conforto para vocês, é isso o que quero fazer.
— Ah, meu amor... — Abraço-a apertado. — Tenho tanto orgulho da mulher que você se tornou.
— Então pensa com carinho na minha proposta. Quero muito que dias assim voltem a ser rotina.
Consinto com a cabeça e a aconchego novamente em meu abraço.
Os raios de sol entram pela janela, me despertando. Junto com ele, um cheiro forte e delicioso de café me alcança.
— Bom dia, flor do dia. — Alice sorri, da cozinha.
— Bom dia. — Me espreguiço. — Nossa, o Than devia me xingar tanto quando acordava.
— Por que?
— Ele dormia no sofá. — Coloco a mão nas costas, onde um trator parece ter acabado de passar.
— Bom dia, filha.
— Bom dia, Camélinha. — Sorrio.
— Vai lavar essa cara amassada e vem comer. — Alice ordena. — Você vai comigo na agência hoje.
— Está mandona, heim? — Ergo uma sobrancelha. — O que você vai fazer na agência?
— Reunião com o Paulo. — Ela cerra os dentes.
— Uh. — Repito seu gesto. — Antony vai estar lá?
— Vai sim.
— Então, eu vou.
Após um bom e rápido banho, me visto e tomo uma xícara de café preto. Depois, sigo com Alice para a agência.
Durante o trajeto, discutimos os prós e contras de nos mudarmos para outro apartamento. O debate só termina quando chegamos à agência.
— A reunião vai ser tensa. — Alice respira fundo, logo após estacionar o carro.
— Por causa do Paulo?
— Ele ficou bem chateado comigo. Aposto que eu sou a última pessoa que ele quer ver logo pela manhã.
— Eu não tenho tanta certeza disso. Paulo te adora e se realmente não quisesse te ver, não te convocaria para essa reunião, não acha?
Alice sorri fraco.
— Vamos.
Descemos do carro e adentramos a agência, sendo recepcionadas por Antony.
— Olá, lindinhas.
— Antony! — Sorrio e corro para abraçá-lo.
— Sabe que eu deveria estar muito bravo com você, não é?
— Por que? O que foi que eu fiz?
— Se esqueceu de mim. — Ele faz bico.
— Impossível. — Apoio minha mão em seu ombro. — Você é inesquecível, mon amour.
Ele pisca em agradecimento.
— E por que minha model está com essa carinha? — Antony se vira para Alice.
— Cansaço. — Ela mente, sorrindo. — Paulo já chegou?
— Está chegando agora. — Antony aponta para a porta, por onde Paulo acaba de entrar.
— Bom dia. — Ele nos cumprimenta, cordial.
— Bom dia. — Respondemos em coro.
— Helena, tudo bem? — Paulo tira os óculos escuros.
— É, tudo. — Sorrio fraco. — Dessa vez eu não vim para te pedir nenhum favor, fique tranquilo.
Paulo sorri.
— Então, vamos ao que interessa? — Alice pede.
— Vamos sim. — Paulo a olha rapidamente. — Helena...
— Vou esperar vocês por aqui. — Sorrio.
— Certo. — Paulo consente com a cabeça. — Então, com licença.
— Toda.
Paulo vai na frente, sendo seguido por Antony e Alice, que troca um último olhar comigo antes de entrar na sala. Eu sorrio, encorajando-a.
Me sento na recepção e pego uma revista para ler. Minutos mais tarde, meu celular toca.
— Número desconhecido? — Analiso a tela. — Eu não deveria atender. Não deveria e não vou. — Coloco ele ao meu lado.
Três chamadas perdidas e a quarta a caminho.
— Pode ser o Leo. — Acabo cedendo à curiosidade.
— Alô.
— Helena?
— Sim. Quem está falando?
— Seu pior pesadelo.
— Ah, qual é? Trote a essa hora da manhã? Vá arrumar o que fazer!
— Escute aqui, garotinha órfã...
— Laila?
— Até que você não é tão burra.
— Como conseguiu meu número?
— Eu consigo tudo o que eu quero, Heleninha.
Reviro os olhos e desligo.
— Inacreditável. — Rio sem humor. — Essa menina não me esquece.
Volto minha atenção à revista e após terminar de lê-la, resolvo ir até uma loja de roupas, próxima à agência.
Me distraio entre as araras, até que uma mão firme segura meu braço.
— O que é isso? — Me viro assustada, dando de cara com Laila. Seus olhos têm ódio.
— Sua mãe não te ensinou que é falta de educação desligar na cara das pessoas? Ah, é verdade. Que cabeça a minha. — Ela pousa a mão na testa, teatralmente. — Você só deve ter conhecido um celular quando chegou aqui, não é mesmo?
— É um prazer ver você também, Laila. — Sorrio sem vontade, livrando-me de sua mão com certa violência.
Deixo a loja a passos firmes, mas Laila me segue.
— Volta aqui, órfãzinha. Eu ainda não terminei de falar com você!
— E o que você quer comigo? — Me viro e a encaro.
— Você colocou Caíque contra mim, não é? Disse que eu sou a vilã e você, a pobre vítima. E o pior de tudo isso é que ele acreditou. — Laila ri, ironicamente. — Acreditou na Santa Helena. Assim como todos acreditam. — Ela suspira. — Será que eu sou a única que te vê como você realmente é?
— Você é maluca. — Olho-a com descrença.
— E você é uma vadia! — Laila vocifera, apontando o dedo para meu rosto. — Vou te avisar só mais uma vez, Helena. Fique longe do Caíque!
— Ou o quê? Vai me drogar e me jogar em outro quarto de hotel? — Enfrento-a.
Ela não diz nada.
— Por que você está tão descompensada assim? Seu planinho para afastá-lo de mim não saiu como o planejado? Você deve ter tido tanto trabalho, não é? — Estalo a língua. — Todo o teatro da irmã perdida, o texto emocionante, a fotografia. Lívia quase convenceu. Quase. Mas foi o bastante para você, certo? Ela conseguiu pegar meu celular e mandar aquelas mensagens.
Laila engole em seco.
— Esperta. Bem esperta mesmo. Você só pecou quando esqueceu de comprar o silêncio da atendente do café. Ou simplesmente a subjugou. Achou que ela não se lembraria ou que não ligaria, talvez. — Encolho os ombros. — Mas felizmente algumas pessoas ainda se importam, Laila. E não só com elas mesmas.
Ela permanece me encarando, imóvel. Nem de longe se parece com a mulher ameaçadora de alguns minutos atrás. Agora ela é somente uma garota neurótica e amedrontada.
— Me conte a verdade: o que você pretendia? Você pensou mesmo que armando aquela ceninha ridícula, faria Caíque me odiar e correr para os seus braços? Que sua farsa nunca seria descoberta? — Faço bico. — Porque parece que não deu muito certo.
Laila sorri, tentando esconder sua dor e parecer debochada.
— Você não sabe de nada, querida. Ele veio sim, correndo para os meus braços e nós tivemos noites incríveis de amor. Você precisava ver como ele ficava louco quando eu gemia e chamava por seu nome.
— É mesmo? E de que isso adiantou? Me conta. Ele te ama? É com você que ele idealizou uma vida, um futuro? É para você que ele diz "eu te amo" logo que acorda? Cai na real, Laila! Caíque nunca amou e nunca amará você. Ele só te usou. Te usou para me esquecer e nem assim conseguiu. Sabe por que? Porque ele é arrebatadoramente apaixonado por mim. Você continua sendo só um brinquedinho que ele pega para se distrair, mas logo enjoa e joga num canto qualquer.
— Eu vou matar você! — Laila rosna entre os dentes e avança sobre mim, se atracando em meus cabelos.
— Tire suas mãos de mim, sua louca! — Revido e logo estamos rolando pelo chão.
Com um pouco de dificuldade, consigo ficar sobre ela e a estapeio várias vezes no rosto.
— Isso é por você ter envolvido minha irmã no seu plano imundo!
Mais um, dois, três tapas. Só paro quando Paulo aparece e me detém.
— Helena, o que você está fazendo?
— Colocando essa louca no seu devido lugar! — Grito, tentando me livrar de suas mãos. — Me solta, Paulo!
— Você me ataca e a louca sou eu? — Laila pousa a mão sobre a bochecha vermelha. — Sua selvagem!
— Ah, eu vou te mostrar a selvagem! — Avanço sobre ela, mas Paulo novamente me detém.
— Vocês estão vendo? — Laila aponta, fingindo estar assustada. — Ela é desequilibrada!
— Olha como você fala da minha irmã, sua piranha! — Alice corre em minha defesa, mas logo é segurada por Antony. — A única desequilibrada aqui é você!
— Olhe aí. Está vendo, Paulo? — Laila choraminga. — Suas amigas me atacam sem motivo.
— Já chega, Laila. — Paulo a corta. — Sem cena, por favor.
— Ok, pessoal. Acabou o show. Circulando, circulando. — Antony afasta as pessoas que se juntaram para ver nossa briga. — Vão para casa. Vão, vão. — Em seguida, ele se vira para Laila. — Isso se aplica a você também, ruivinha. Vá para casa.
— Eu vou. Mas antes, escute bem, Helena. — Laila ajeita os cabelos, antes de dar seu aviso de forma ameaçadora. — Você se arrependerá amargamente por isso.
— Sério? Estou morrendo de medo. — Ironizo. — Vaza daqui, sua louca!
Laila lança um olhar psicótico para mim, antes de entrar em seu carro e arrancar cantando pneus.
— Você está bem? — Paulo pergunta.
— Estou sim. — Arrumo meus cabelos.
— Como foi que essa garota veio parar aqui? — Alice ajeita minha roupa.
— Eu não sei. — Suspiro. — Primeiro, ela ligou tentando fazer ameaças, mas eu desliguei. Depois, fui até aquela loja e essa doida surgiu do nada, mandando eu me afastar do Caíque. Falei umas verdades na cara dela e quando vi, ela já estava atracada em meus cabelos.
— Essa garota tem sérios problemas. — Antony afirma.
— Quando é que ela vai me deixar em paz?
— Sem querer ser pessimista, já sendo... Acho que isso ainda está longe de terminar, Helena. — Paulo acaricia meu ombro, amigavelmente.
— Sei que foi péssimo, mas confesso: — Antony sorri. — Adorei as bofetadas.
Dou uma risada, com os ombros baixos e logo sou levada para dentro por Paulo. Enquanto caminho, me lembro do olhar de Laila, repleto de ódio.
— No que você tanto pensa aí? — Alice se senta ao meu lado, na recepção.
— Que eu nunca deveria ter aceitado esse casamento. Ele só me trouxe problemas.
— Mas te trouxe de volta à vida também. Você precisava reencontrar o amor, se reencontrar. E Caíque fez isso.
— E de que adiantou? Me apaixonei e me ferrei. — Suspiro. — De novo.
— A vida é assim mesmo. A gente cai, levanta, dá a volta por cima. Aí ela vem de novo e nos passa uma rasteira. — Alice sorri. — São com as cicatrizes que nós aprendemos, Lena. Não com o medo de cair.
— Você tem razão. — Deito a cabeça em seu ombro.
— Várias Lailas passarão por sua vida, agora quem decide se elas vencerão ou não, é você.
Consinto.
— Ela não vai vencer. Não dessa vez.
— É assim que se fala. — Alice faz um toque comigo.
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