Somos um contrato
— Foi assim. — Termino de contar sobre a morte de meus pais com a voz embargada.
— Nossa Helena, eu realmente sinto muito. Deve ter sido muito difícil, principalmente para você. — Caíque segura minhas mãos, carinhosamente.
— Realmente, foi. — Baixo minha cabeça. — Mas eu precisava seguir com a minha vida, cuidar da Alice. Eu era tudo o que ela tinha.
— Seu bom coração deve ser de família. Adoção é um gesto muito nobre.
— Eles realmente eram maravilhosos. E me deixaram a maior riqueza da minha vida. Eu não teria conseguido enfrentar tudo isso sem ela.
Caíque me olha fixamente.
— Você me encanta, sabia?
— Ah, para com isso. — Sorrio, ruborizando.
— É sério. Você é diferente de todas as mulheres que já conheci, Helena.
— Isso é uma grande coisa, a julgar por seu extenso currículo amoroso.
— Não perde a oportunidade de me alfinetar. — Ele ri. — Mas é sério. Com você, me sinto seguro para ser eu mesmo. Sem toda aquela cobrança de ter que ser sempre impressionante.
— Isso deve ser realmente chato. — Dou um gole em meu café. — E para te falar a verdade, prefiro mil vezes esse Caíque que brinca, ri, acorda todo amassado, do que aquele que só faz seduzir e arranjar encrenca.
— Sabe, acho que eu também.
Sorrio. Ele retribui.
Engatamos uma conversa sobre viagens, até que uma loira aparece e sorri animadamente para Caíque.
— Ca, quanto tempo! — Ela o abraça calorosamente. — Que coincidência nos encontrarmos aqui. Você sumiu.
— Pois é. Ando meio ocupado ultimamente. — Ele sorri sem jeito e me olha. — Ah, Bárbara, deixe-me te apresentar. Essa é Helena, minha esposa.
— Então as notícias são reais? Caíque Gama realmente se casou?
— Parece que sim. — Sorrio. — Prazer em conhecê-la, Bárbara.
— O prazer é todo meu, querida. — Ela sorri, cinicamente. — Bom, vou deixar os pombinhos à sós. Até mais, Ca. Adorei rever você.
— Até. — Caíque sorri rápido.
— Que simpática, não? — Ironizo, logo que ela se afasta.
— No fundo, ela até que é legal.
— Ah, claro. "Bem" no fundo.
Caíque ri.
— Voltando ao assunto, tem certeza que não quer passar uma semana no Caribe? As praias de lá são incríveis.
— Ah, seria maravilhoso, mas não posso. Camélia ainda está em processo de recuperação, eu não posso deixar Alice sozinha cuidando dela.
— É claro, você tem razão. Mas logo que Camélia estiver cem por cento recuperada, nós vamos fazer essa viagem, ok?
— Ok! — Sorrio.
Passamos o resto da manhã conversando sobre tudo: infância, adolescência, faculdade. Caíque me conta sobre suas aventuras de adolescente rebelde, quando levava suspensões e advertências quase toda semana no colégio por explodir as lixeiras, batizar a caixa d'água ou ser pego beijando alguma menina pelos corredores. Na época da faculdade, ele conta que só se formou pela influência do pai, já que quase nunca assistia às aulas. Ele estava sempre em festas ou com uma ressaca tão grande que o impedia sequer de se levantar no outro dia.
Completamente oposto de mim, que sempre ficava entre as primeiras da classe e nunca me metia em confusões.
— Então, você é contadora? — Caíque me pergunta, enquanto almoçamos.
— É, sou.
— E por que não exerce a profissão?
— Não me deram oportunidade. — Encolho os ombros. — Acho que preferem homens nesse cargo.
— Entendi. Por isso as aulas particulares de matemática?
— Preciso de dinheiro. E quando não tem cão, se caça com gato. — Dou de ombros.
— Gosto disso em você. — Ele sorri de lado.
— Isso o quê?
— Sua determinação.
— A vida me ensinou a ser assim. Eu tive duas opções: viver chorando e me escondendo pelos cantos, lamentando por minhas perdas, ou ir à luta e me reerguer. Eu escolhi a segunda.
— Queria ter só metade da sua coragem, sabia?
— Não sou tão corajosa assim. Eu sinto muito medo, às vezes.
— Seria estranho se não sentisse. — Ele sorri, complacente.
Nesse momento, seu celular toca.
— Ah, só um minuto, por favor. — Ele pede, logo que olha a tela.
— Claro.
Caíque levanta e se afasta para atender a ligação, enquanto eu termino minha refeição.
— Desculpe, era o Paulo. Queria saber como estavam as coisas por aqui. — Caíque retorna alguns minutos depois.
— Tudo bem. — Sorrio. — E vocês... Se conhecem à muito tempo?
— Vocês... Quem? — Caíque pergunta com um tom assustado.
— Você e o Paulo, ué. — Dou uma risada. — De quem mais eu estaria falando?
— Ah, é claro. — Ele sorri. — Nós nos conhecemos no colégio. Paulo e eu somos como irmãos. Ele já me livrou de muitas encrencas, é como minha consciência em forma de um cara bonito e tatuado.
Dou uma pequena risada.
— Ele parece ser um cara legal.
— Ele é. Muito melhor que eu. — Caíque desvia os olhos para o cardápio. — Bem, o que vamos pedir de sobremesa?
— Deixo à sua escolha.
Ele sorri.
À noite, já pronta para dormir, encaro o teto do quarto e fico pensando em como minha vida virou de pernas para o ar desde que cheguei à São Paulo.
— Em que tanto você pensa aí? — Caíque se deita ao meu lado.
— Nada. — Desperto de meus pensamentos. — Nada importante.
— Amanhã começaremos oficialmente nossa vida de casados. — Caíque comenta, também analisando o teto.
— Pois é.
— Está preparada?
— Nem um pouco. — Dou uma pequena risada, olhando-o. Caíque me acompanha. — Mas vai dar tudo certo, estamos indo bem.
— Estamos sim. — Ele sorri, virando-se de frente para mim, e afasta uma mecha de cabelo de meu rosto.
Aos poucos, ele vai aproximando seu rosto do meu.
Quando nossas bocas estão quase se encontrando, bocejo.
— Nossa, parece que alguém está com sono. — Ele dá uma risada.
— Eu acordei cedo, poxa. — Sorrio, me espreguiçando.
— É justo. Helena, vou te contar uma coisa.
— Conte.
— Mas só se você prometer que não vai me achar um louco perseguidor.
— Ai, meu Deus. Estou começando a ficar com medo.
Ele ri.
— Não fique, eu não sou. Você se lembra de quando fui recebê-las no apartamento?
— Sim. — Respondo sonolenta.
— Eu fiquei completamente encantado por você. Tanto, que decidi voltar à noite para conversarmos, te conhecer melhor. Mas assim que estacionei o carro, você estava saindo, indo ao mercado, eu acho...
— Então, eu estava certa.
— Sobre o que?
— Eu tive a impressão de estar sendo observada naquele dia. — Bocejo novamente. — Tenho um ótimo sexto sentido, sabe.
— Eu percebi. — Ele sorri.
Meus olhos se fecham automaticamente.
— Boa noite Helena, bons sonhos. — Caíque beija minha testa.
— Bons sonhos.
Uma mensagem no celular me acorda de madrugada.
— Por que essas operadoras insistem em mandar essas coisas às duas da manhã? — Resmungo, esfregando meus olhos.
Apago a mensagem e me viro para o outro lado, onde Caíque deveria estar dormindo. Não há ninguém na cama.
Procuro com os olhos pelo quarto todo e nem sinal dele. Levanto e vou até o banheiro, visto meu roupão e saio pelos corredores à sua procura, preocupada. Ando por todos os andares e nada de achá-lo.
Quando me dou conta, percebo que não faço ideia de onde estou.
— Ótimo! Estou perdida nesse hotel gigante às duas da manhã! — Paro, olhando em volta. — Caramba, Caíque. O que aconteceu com você?
Um barulho abafado no final do corredor me assusta, e ao mesmo tempo, me chama a atenção. Posso ouvir sussurros vindo do local.
Me aproximo lentamente da porta, que se encontra semi aberta, e dela vejo um casal se beijando em cima de uma mesa de bilhar, seminus. De cara, já reconheço Bárbara, a loira que se jogou em cima de Caíque mais cedo.
— Bem a cara dela mesmo.
Estou prestes a ir embora, quando vejo o rosto do rapaz. E aquela imagem me atinge como um soco no estômago.
Caíque é o cara que beija Bárbara entorpecidamente.
— Mas que merda! — Sussurro, sentindo meus olhos marejarem.
Ando a passos rápidos pelo corredor, tentando encontrar o caminho de volta para o quarto.
— Bom dia. — Caíque se espreguiça na cama, enquanto eu termino de calçar meus sapatos.
— Bom dia.
— Por que acordou tão cedo?
— Perdi o sono. — Me viro para o espelho. — E não é tão cedo assim.
— Alguém acordou de mau humor hoje. — Ele sussurra e se levanta. — Já tomou café da manhã?
— Já.
— Nem me esperou?
— Estava com fome.
— Certo, entendi. — Caíque se levanta e vem até mim. — Você está linda.
— Obrigada. — Me afasto rapidamente dele. — Será que nós podemos ir? Quero ver Camélia e Alice.
— Ah, é claro... Helena, aconteceu alguma coisa?
— Não, por quê?
— Nós estávamos bem ontem e hoje você acorda assim, estranha, distante. Eu te fiz alguma coisa?
—Não. No nosso contrato está escrito que eu tenho que estar sempre feliz e animada?
— Ah, por favor. Pare de citar esse contrato.
— É isso o que somos, Caíque. Um contrato. — Vou até a porta e antes de sair, aviso: — Vou te esperar na recepção.
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