Recuperar o tempo perdido
— Irmã? Como assim, Alice? — Me sento na cadeira, chocada com a notícia. — Ok. Vou para aí o mais rápido possível.
Desligo e permaneço imóvel, ainda assimilando as informações.
— O que houve, Helena? — Jorge me olha, preocupado.
— Minha irmã... — Digo com os olhos fixos na tela do celular.
— O que aconteceu com ela?
— Nada, está tudo bem com Alice... — Olho-o. — Há uma moça lá no apartamento dizendo ser irmã dela.
— Então essa moça é supostamente sua irmã também... Certo?
— Não. Nós não somos irmãs de sangue. — Fito meus sapatos, pensativa.
— Ah, sim. Entendi.
— Mas não faz sentido, Jorge!
— Por que não?
— Os pais da Alice morreram em um incêndio e eles não tinham outra filha. Pelo menos foi o que meus pais sempre nos disseram.
— Um exame de D.N.A basta. Se essa moça for uma farsante, será fácil desmascará-la.
— E se não for? — Baixo os ombros. — Meus pais mentiram para nós a vida toda?
Jorge cerra os lábios, suspirando.
— Vá tirar essa história a limpo, Helena. Eu cuido das coisas por aqui.
— Ah, sério? Muito obrigada Jorge! Prometo não demorar. — Aplico um beijo em sua bochecha, antes de sair.
Jorge sorri.
Vou a passos apressados até a sala de Caíque, cruzando com Laila no caminho.
— Com pressa, querida? — Ela sorri, cinicamente.
— Agora não, Laila. — Ergo a mão, despistando-a.
Bato à porta da sala de Caíque, que responde com um "Pode entrar" desanimado.
— Ca, preciso do seu carro!
— O que houve? — Ele se levanta, vindo até mim.
— Tem uma moça lá no apartamento dizendo ser irmã da Alice. Eu preciso ir até lá.
— Irmã da Alice? Depois de todo esse tempo?
— Pois é. Essa história está muito estranha. Essa moça só aparece depois que Alice começa a estampar capas de revistas e outdoors? Coincidência demais, não acha?
— Realmente, pensando por esse lado...
— Então... Você me empresta? — Pergunto novamente, inquieta.
— Eu vou com você. Nervosa desse jeito, vai acabar causando um acidente.
— Tudo bem, vamos logo então.
Caminho com Caíque em direção ao estacionamento da empresa.
Já no carro, durante o trajeto para o apartamento, me lembro do dia em que Alice chegou em casa, nos braços de minha mãe.
Ela parecia uma boneca de tão linda e no início eu até pensei que realmente ela fosse. Mas aí mamãe me contou que ela era a irmãzinha que eu tanto pedia e que daquele momento em diante eu deveria amá-la e ser a melhor amiga que ela poderia ter.
Só quando eu já tinha idade suficiente para entender como Alice chegou em nossa casa, é que minha mãe me contou sua história.
"Seus pais moravam em um bairro distante do nosso e lá era bem violento. O pai biológico de Alice tinha problemas com drogas e acabou se afundando em dívidas com os traficantes de lá. Sem ter como pagá-los, ele decidiu fugir com sua mulher e Alice, que na época tinha apenas um ano de idade, mas seu plano foi descoberto. Como vingança, os traficantes incendiaram sua casa durante à noite, enquanto os três dormiam. O pai de Alice conseguiu tirá-la a tempo da casa, mas quando voltou para salvar sua mulher, o teto cedeu."
— Chegamos. — Caíque avisa, me tirando de meus pensamentos.
— Ah... Ok. Vamos lá.
Respiro fundo e desço do carro, sendo abraçada de lado por Caíque.
— Oi Helena, — Israel vem até nós, na recepção. — Caíque.
— Israel. — Eles se cumprimentam com um aperto de mão.
— Israel, me fale uma coisa... Você viu a tal irmã da Alice?
— Vi sim, Helena. Fui eu quem a recepcionei.
Ele hesita por um instante.
— O que foi?
— Sei lá... Tem algo estranho nela.
— Algo estranho? — Caíque indaga.
— Deixa para lá. — Israel estala a língua. — Coisa da minha cabeça. Subam lá, Alice está bem abalada.
Consinto com a cabeça, antes de entrar no elevador.
— Oi. — Entro no apartamento e me deparo com Alice sentada ao lado de dona Camélia, olhando para o chão. À sua frente está uma moça bonita de cabelos escuros e lisos, com as mãos entrelaçadas. Reparando bem, há muitas semelhanças físicas entre Alice e ela.
— Oi Lena. — Alice levanta os olhos. — Essa é Lívia...
— Sua irmã? — Encaro-a com uma sobrancelha erguida.
— Helena! — Camélia me repreende.
— Tudo bem. Ela tem todo o direito de não acreditar. — Lívia me olha, com os ombros baixos.
— Senta aqui, irmã. Ouve o que ela tem a dizer. — Alice aponta um lugar ao seu lado.
Eu hesito, mas Caíque me olha, como que pedindo para que eu ceda.
— Ok, estou sentada. Pode falar, Lívia.
Ela respira fundo, antes de começar:
— Eu tinha oito anos quando minha mãe engravidou de Alice. Nosso pai estava desempregado e passamos por muitas dificuldades nessa época. Eu era pequena, mas me lembro até hoje das noites em que ia dormir para esquecer da fome. — Ela faz uma pausa, notoriamente emocionada. — Meu pai ficou tão devastado por esse sofrimento, que acabou se entregando ao mundo das drogas. Perdi as contas de quantas vezes vi minha mãe chorando por não saber se ele voltaria vivo para casa. Quando meu pai caiu em si, estava devendo tanto dinheiro para o tráfico que nem se vendesse tudo o que tínhamos em casa, quitaria a dívida. — Ela suspira, secando as lágrimas que escorrem de seus olhos. — Então, uma noite acordei com nossa casa tomada por fogo. Meus pais gritaram desesperados para que eu fugisse de lá. E foi o que eu fiz. Fugi e fiquei na calçada olhando minha casa queimar e rezando para que meus pais e minha irmã aparecessem. Pouco depois, papai surgiu com Alice nos braços e entregou-a para mim, prometendo que voltaria com nossa mãe. Mas eles não voltaram mais. — Ela põe a mão sobre a boca, chorando. — Me desculpem.
— E como você tem tanta certeza que Alice é sua irmã? Você mesma disse que ela era apenas um bebê, certo? Como sabe que é ela? — Pergunto, sem me abalar.
— Helena! — Dona Camélia mais uma vez me repreende.
— Ela tem uma marca de nascença atrás da orelha esquerda, não tem? — Lívia retribui meu olhar.
Franzo o cenho. Alice realmente tem a marca.
— Eu sei que é ela. Eu sinto, bem aqui. — Coloca a mão sobre o peito. — E também tenho uma foto que tiramos dias antes do incêndio... Foi uma das poucas coisas que me restaram. — Lívia tira da bolsa uma fotografia toda amassada, com as bordas chamuscadas, e me entrega.
E ali, naquela velha foto, vejo o bebê que pensei ser uma boneca nos braços de uma garotinha de uns oito anos, muito sorridente. São elas.
— Por que você nunca me procurou antes? — Alice pergunta pela primeira vez, com a voz embargada.
— Eu não tinha ideia de onde você poderia estar. Fomos separadas dias depois do incêndio, você foi adotada por uma família e eu por outra. Eu nunca mais tive nenhuma notícia sua, nada. Eu me apegava apenas em minhas lembranças. — Lívia responde, emocionada. — Eu vi minhas esperanças se reacenderem quando te vi em uma revista, na banca de jornal. E foi aí que eu decidi te procurar. Eu só quero recuperar esses dezessete anos que nós perdemos.
Alice se levanta e chorando, abraça Lívia demoradamente.
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