Rasteira da Vida
— O que é que a senhora está fazendo aqui a essa hora? — Alice aparece na cozinha, quase me derrubando da cadeira de susto.
— Por que você faz isso? — Coloco a mão sobre o peito.
— Para ter certeza que você não é cardíaca. — Ela sorri, pega um copo d'água e se senta ao meu lado. — E então?
— Contas.
— Não entendo como você consegue gostar disso. — Apoia o rosto nas mãos.
— Nesse caso, não é questão de gostar. São as nossas contas.
— Ah, entendi. Mas você precisa fazer isso às duas da manhã?
— Perdi o sono. — Dou de ombros.
— Ótimo jeito de recuperá-lo. — Alice ironiza, rindo em seguida. — Mas e então, como estamos?
— Com um bom dinheiro ainda. — Analiso a planilha em meu notebook.
— Precisamos depositar esse dinheiro, Lena. É loucura ficar com essa quantia em casa. Não moramos mais na nossa cidadezinha pacata.
— É, você tem razão. Vou hoje mesmo no banco.
Alice bebe toda sua água em um só gole.
— Irmã, já que estamos aqui... Tenho uma novidade para contar.
— Então, me conta.
— Andei conversando com o Israel e ele me deu ótimos conselhos.
— Sobre o quê?
— Faculdade. Já me decidi sobre o curso e vou prestar vestibular no próximo mês!
— Jura? Que ótimo! — Sorrio. — E o que você vai cursar?
— Nutrição!
— Uau! Uma nutricionista em casa? Isso é o sonho de qualquer mulher!
— Ih, ah lá... Nem comecei e já está querendo me explorar. — Alice revira os olhos, enquanto eu acabo rindo de seu tom.
— Bom... Já que estamos falando de surpresas, eu também tenho uma.
— Me conta!
— Se eu contar, deixa de ser surpresa.
— Ah, fala sério Helena! — Alice fecha a cara.
— Não faz essa cara. — Dou uma risada, enquanto ela continua a me olhar séria. — Ok, ok... Eu conto.
— Então, desembucha!
— Quer ir comigo na concessionária?
— Mentira? — Ela boquiabre-se.
— Verdade!
Sorrio, enquanto Alice pula em cima de mim, me abraçando.
— Não vai dar para ser um zero quilômetro, mas...
— Qual é, Lena? Nós não vamos mais andar a pé! Puta conquista!
— Tem razão. — Sorrio. — Então acho melhor irmos dormir. Teremos muita coisa para fazer mais tarde. — Fecho o notebook.
— É verdade. Bons sonhos, irmã. — Alice deposita um beijo em minha bochecha.
— Bons sonhos, meu amor.
— Chega de andar de busão. — Alice faz uma dança comemorativa, indo para o quarto.
Quinta-feira, 10:00 A.M.
Concessionária
— O que achou?
— É maravilhoso! — Alice sorri grandemente, diante da nossa mais nova aquisição.
Após fecharmos negócio, pagando nosso carro à vista, saímos já motorizadas em direção ao banco.
— Me fala que isso não é um sonho? — Alice acaricia o painel do carro.
— Não é um sonho.
— Me belisca? — Ela estica seu braço, olhando pela janela.
Faço o que ela pede.
— Ai! Helena, doeu!
— Foi você que pediu. — Dou de ombros.
— Mas não precisava obedecer, né? — Alice cruza os braços, fazendo um bico. — Quanto ainda nos sobrou, Lena?
— Trinta mil. Deixei um pouco em casa, para o caso de alguma emergência. Camélinha não é muito adepta aos cartões.
— E nem à memória. — Alice ri. — Ela os bloquearia toda hora.
— Chegamos. — Estaciono o carro em frente ao banco.
— Cuidado com essa bolsa. — Alice previne.
Confirmo com a cabeça e desço do carro.
Já no interior do banco, enquanto esperamos sermos atendidas, uma movimentação estranha me chama a atenção.
— Alice. — Sussurro. — Olha aqueles caras.
— O que tem? — Ela se vira para trás, procurando com os olhos.
— Não sei. Mas tem alguma coisa estranha...
— Todo mundo para o chão! — Um cara logo atrás de nós se levanta e ordena. — Isso é um assalto!
—Merda! — Me deito e puxo Alice junto, olhando-a desesperada.
O guarda que estava na parte externa da agência passa pela porta rendido por dois assaltantes, que apontam as armas para sua cabeça.
Mais assaltantes invadem a agência e rendem o outro guarda, e o que anunciou o assalto, começa a pegar todo o dinheiro dos caixas.
Alice chora em silêncio, segurando firme minha mão, enquanto eu rezo para nada de mau nos acontecer.
— Todo mundo passando os pertences pra cá. Vai, vai. Rápido! — O mais forte dos seis assaltantes grita e vem com um saco preto, pegando celulares, relógios e carteiras de todos os clientes.
— A bolsa, gatinha. Passa para cá. — Ele me olha e arreganha os dentes, na intenção de dar um sorriso, eu acho.
Alice aperta ainda mais forte minha mão e eu a olho, na intenção de dizer que não tem outro jeito.
— Toma. — Entrego-lhe a bolsa, com todo nosso dinheiro dentro.
— Boa garota. — Ele se ajoelha à minha frente, acariciando meu rosto. — Você é muito linda, sabia?
Meus olhos se enchem de lágrimas e o pavor toma conta de mim.
— E você também, gracinha. — Ele se vira para Alice.
— Não encosta nela! — Abro os braços a sua frente, protegendo-a.
— Bravinha você. — O assaltante me lança um olhar demoníaco. — Adoro mulher brava!
Ele me pega pelo pescoço.
Sinto o ar faltar em meus pulmões, enquanto luto para me livrar de sua mão. Alice grita para ele me soltar e também tenta, sem sucesso, afastar o forte aperto do homem. Ele não cede e parece se divertir com meu desespero.
— Não parece tão brava agora. O que houve? — Ele gargalha.
Alice desfere vários socos nele. Irritado, o bandido a acerta com um tapa.
Minha vista escurece, sinto que estou prestes a perder a consciência.
— Larga a mina. Vam'bora, os homem tão vindo!
O bandido finalmente solta meu pescoço, seguindo os outros.
— Lena, você está bem? — Alice me aninha em seus braços.
Consinto com a cabeça, sem conseguir emitir som algum.
Alice me puxa para baixo de uma mesa, enquanto eu esfrego meu pescoço machucado. Nesse momento, vejo minha bolsa, com todo o nosso dinheiro, ir embora nas mãos do bandido.
— Foi horrível, Camélia. — Choro ao terminar de contar tudo o que aconteceu.
— Meu Deus! — Dona Camélia nos abraça. — Minhas meninas, eu nem sei o que faria se tivesse acontecido algo a vocês.
— Eu não sei o que vamos fazer agora. Todo nosso dinheiro se foi.
— Não há dinheiro no mundo que pague por suas vidas, Helena. Dê graças a Deus por estarem vivas.
— Você está certa. — Suspiro. — Mas o que nós faremos agora?
— Você não disse que deixou um pouco aqui? — Alice pergunta.
— Coisa de quatro mil reais. Isso não dura muito.
— Então vamos todas à luta. Já fizemos isso antes e não é agora que vamos abaixar nossas cabeças e desistir. — Dona Camélia levanta meu rosto.
— É isso aí! Falou bonito, Camélinha! — Alice concorda. — Levamos uma rasteira da vida? Levamos. Mas não ficaremos no chão!
Reflito por alguns segundos.
— Vocês têm razão. Nós perdemos uma batalha, mas não vamos perder a guerra.
Nos abraçamos e nesse momento, posso sentir o quanto nossa ligação é forte.
O quanto eu sou forte com e por elas.
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